Amalga cultural, artigo em A Tarde.

Amalgama cultural

nelson pretto – professor da faculdade de educação da universidade federal da bahia (ufba) | nelson@pretto.info

A produção artística em todos os níveis, com todas as linguagens e suportes, sempre ocupou um lugar de destaque na sociedade, demandando políticas públicas consistentes e integradas com outras áreas. Em tempos de eleição, nada melhor do que pensar um pouco a nossa cidade sob o olhar da cultura.

Na nossa Bahia dos anos 50 do século passado, o reitor Edgard Santos percebeu que uma universidade com vocação para as artes e cultura poderia aqui ser implantada e se consolidar como um baluarte desta terra. Trouxe para cá figuras notáveis em todas as linguagens. Ainda vivi um pouco daquela efervescência, que ainda perdurou até os anos 70. Lembro fortemente da “convivência” com Valter Smetak e sua harley-davidson preta circulando da Federação para a Escola de Música, no Canela. Eu estava sempre nas segundas da Reitora da UFBA para ver os concertos com o próprio Smetak e seus instrumentos malucos, ou outros concertos sob a regência de Lindembergue, Widmer e Bastianelli. No teatro, sabíamos de Martins Gonçalves, mas acompanhávamos Possi Neto, Othon Bastos, Harildo Deda, Nilda Spencer, Lia Mara e tantos outros. Ouvíamos falar da marcante presença de Lina Bo Bardi e o “seu” MAM debruçado na baia de Todos os Santos. Na dança, lembro bem dos festivais no TCA, de Lia Robatto, Cleide Morgam, Carmem Paternostro, Dulce Aquino, e tantas outras, tantos outros e tantas coisas mais. E o ICBA bombava.

Já mais adiante, vivi um tempo no qual, no Pelourinho, havia também o Maciel. Lugar de gente rica, rica porque apesar de suas precaríssimas condições de vida, sabiam, como sempre o fizeram, criar, e criar muito. Convivi com Haidil Linhares e outros colegas no IPAC, onde ajudávamos a intensificar os processos criativos dos moradores do Centro Histórico. Era o final dos anos 70 e o Olodum começava a bater os seus primeiros tambores ali no Miguel Santana. E Clarindo já estava por lá, no cantinho do Terreiro, com a sua Cantina da Lua. E ele continua por lá… Do outro lado da praça, tinha o CEAO/UFBA, hoje tem a Oi Kabum.

O tempo passou.

No final do século passado, assistimos a “invasão” dos computadores e a chegada da internet, com a UFBA de novo na liderança. Eles tomaram conta de vários espaços e tempos, tudo ficou “ao mesmo tempo, aqui e agora” (Titãs).

A arte se transformou, continua a se transformar e a modificar as nossas vidas. Essa é a função da arte, é a função da Escola, escrita com esse E maiúsculo, sim senhor!

Um salto no tempo e voltamos ao Centro Histórico, que floresce com o trabalho de jovens artistas que, reunidos pela Oi Kabum, fazem muitas artimanhas. Algumas delas ficaram expostas em julho ali no Terreiro de Jesus, a partir de um trabalho que relacionou, de forma intensa e criativa, cultura e tecnologia, tecnologia e (in)formação, produção descentralizada e colaborativa, convergência de meios e linguagens, num caldeirão rico de produção colaborativa. Fazendo educação.

Processos criativos que usam computadores e internet para se fazer outra arte, mais arte.

A exposição foi resultado de um processo – e produto -, materializado em instalações interativas e sites sobre artistas que habitam o Centro Histórico de Salvador, mas que ainda não habitavam o ciberespaço. Tudo isso, feito com uso pleno e exclusivo de softwares livres e, mais interessante ainda, com Arduino, um hardware também livre, que vem se constituindo na nova etapa da nossa luta pelas liberdades na produção de cultura, ciência, tecnologia e educação.

É isso que essa turma vem aprontando. Outra arte, outra educação, outra presença no Pelourinho e na cidade, outra cidadania. Ou melhor, assumindo, de fato, sua cidadania plena.

A expectativa é de que essa amálgama toda inspire e possibilite que os nossos candidatos à prefeito de Salvador, compreendam a complexidade dos problemas da nossa cidade e passem a vê-los com outros olhos.

 

| versão em pdf, clique aqui  | replicado no Jornal da Ciência de 07.08.2012: link para o JCH |

arquivo fonte, em odt, clique aqui|

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