Apresentado no Simpósio: novas formas de regulação e gestão da educação no Brasil: organismos internacionais e modelos institucionais

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Nelson Pretto

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Meu especial agradecimento a Marília Gouveia (UFG), Maria Inez Carvalho (UFBA) e Maria de Fátima Lima (UFS) pelas discussões iniciais sobre esse texto.

Montando o cenário

Novas formas de regulação e gestão das políticas educacionais no Brasil estão sendo evidenciadas nos últimos anos, como parte de estratégias transnacionais de organismos, empresas e instituições internacionais, com especial destaque para o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o Banco Mundial. A questão que se coloca sobre o papel destes grupos enquanto indutores de políticas, nos remete, necessariamente, às discussões sobre a autonomia do estado e da nação e, neste sentido, precisamos pensar em como a escola – uma das instituições diretamente responsáveis pela formação dos cidadãos – se coloca frente à essas políticas.

São inúmeros os autores que estudam a presença dos organismos internacionais em países como o Brasil e o que penso em desenvolver neste texto é, de um lado, uma rápida panorâmica desse movimento visto de cima e de outro, uma análise na perspectiva de um olhar de baixo, do ponto de vista da escola e dos professores. Para isso, imagino ser necessário construir uma ambientação com múltiplos cenários, estabelecendo um panorama de possíveis olhares sobre estes. Eles são múltiplos e penso ser importante olhar um pouco para nossa história recente e verificar como a escola – vista sob a ótica dos materiais didáticos – tem sido sempre dirigida de fora. Precisamos olhar para trás mas também – e tenho defendido isso ao longo dos últimos anos – olhar para todos os lados, adotando uma postura teórica condizente com o momento contemporâneo. Nesse sentido, imagino ser importante a retrospectiva – o olhar para trás – assim como o olhar para os vários lados, analisando, entre outros, os projetos de informatização das escolas públicas no Brasil e fora dele; o mundo do trabalho, que está exigindo novos perfis para os trabalhadores; e, o mundo das comunicações e da informação, que se constitui num dos pilares da sociedade contemporânea, a chamada sociedade da informação.

Neste texto vou tentar abrir essas várias frentes e, sem a preocupação de um fechamento único, pretendo fornecer ao leitor algumas pistas para uma navegação neste mundo complexo e multifacetado.

Cenário Um

18 de junho de 1999. Centro financeiro de Londres, Inglaterra.

Convocada por vários grupos e liderada pelo auto-intitulado Movimento J18, uma manifestação reuniu cerca de quatro mil pessoas, segundo os jornais ingleses, e terminou em conflito com a polícia. Segundo o The Times, a manifestação causou um prejuízo de £ 2 milhões (US$ 3.2 milhões) e 46 feridos.

O alvo: organizações financeiras (Liffe – The London International Financial Futures & Options Exchange), a cadeia americana de fast food McDonald’s e a alemã Mercedes Benz.

Os organizadores convocaram a manifestação usando basicamente a rede Internet e a chamaram de um “dia de ação, protesto e carnaval contra o capitalismo global”. Planejaram a manifestação para acontecer simultaneamente em 43 países espalhados pelo mundo. O sítio da organização na Internet possui versões em castelhano, alemão, francês, italiano, holandês, russo, e instruções sobre alternativas de acesso às informações caso um deles deixe de funcionar por algum tipo de represália. Articulado à este, um movimento paralelo, o Jubilee2000, também tem trabalhado de forma intensa com a Internet e articula bem o uso da mídia mundial tendo o apoio de vários artistas famosos, como Bono do grupo irlandês U2. O Jubilee2000 tem como bandeira o perdão da dívida externa dos países do chamado terceiro mundo.

Esse protesto foi marcado para o mesmo dia do encontro do Grupo G8 em Colônia, Alemanha. De acordo com artigo do The Times, esse é um movimento de sucesso como nenhum outro em termos de organização descentralizada tendo, na liderança, os chamados “novos anarquistas”, caracterizados pelo jornal como: “classe média, educados, imaginativos e on the internet”

São inúmeras as organizações socais que já utilizam a Internet como elemento básico de comunicação no mundo inteiro. Elas vão da defesa ambiental aos direitos de minorias, passando pelas questões sociais, paz mundial, entre outros temas.

A Green Net é uma organização que abre espaço na Internet para que esses grupos possam disponibilizar páginas [http://www.gn.apc.org/] e hospeda mais de 200 membros em seu sítio, que existe desde 1986.

Reclaim the Streets [http://www.gn.apc.org/rts/] foi outro dos grupos envolvidos na manifestação de 18 de junho que também tem a Internet como ponto de partida para a mobilização. Seu objetivo é o de acabar com os carros nas ruas das grandes cidades e devolvê-las às pessoas. “A rua, o melhor, espaço do movimento e intercâmbio humano, liberdade e espontaneidade”, dizem eles em suas páginas.

Peoples’ Global Action (PGA) [http://www.agp.org] é outro grupo envolvido na manifestação juntamente com o London Greenpeace que trava uma luta contra a rede McDonald’s [http://www.mcspotlight.org].

O Jubilee 2000 [http://www.jubilee2000uk.org/] é um movimento internacional que envolve mais de 40 países e sua grande campanha é para o fim do débito do terceiro mundo no início do ano 2000. Na Inglaterra, eles correspondem a uma coalizão de mais de 80 organizações não governamentais (ONGs).

O Grupo Mexicano Zapatista também tem página na rede [http://www.ezln.org/] e é sempre citado como um dos pioneiros no uso da Internet em movimentos sociais de resistência.

Outro grupo com ramificações bastante amplas é o PeaceLink [http://www.gn.apc.org/rts/], uma ONG que trabalha pela paz mundial.

No Brasil, um exemplo citado de uso da Internet é o Movimento dos Sem Terra [http://www.mst.org.br/].

Um detalhe importante neste cenário: em muitos dos jornais britânicos, as matérias são sempre seguidas de sugestões de links sobre o tema. O The Times é um destes jornais que em todas as suas edições apresenta várias sugestões de links em boxes que acompanham as matérias. Eles são ligados ao próprio texto e ampliam a temática. No caso da manifestação de 18 de junho, percebeu-se claramente uma intenção de não publicação destes endereços e sugestões para navegação na Internet. Isso sugere um novo cenário.

Cenário Dois

O primeiro cenário destacou a ausência de links nas páginas de um dos jornais de maior circulação na Inglaterra, o The Times, para a manifestação ocorrida em Londres em 18 de junho de 1999.

A mídia impressa inglesa pode ser dividida em dois grandes grupos. Um primeiro grupo é famoso pelos jornais tipo tablóide, considerados mais sensacionalistas, como Sun, The Mirror, Daily Mail, entre outros. Estes jornais possuem tiragens altas, como por exemplo o Sun, que em toda edição apresenta uma mulher nua em sua terceira página e que, segundo a ABC (Audit Bureau of Circulation), uma empresa de auditoria que analisa a circulação de jornais na Inglaterra, teve uma circulação de 3.718.534 exemplares em outubro de 1998.

O segundo grupo é composto pelos jornais considerados mais tradicionais, como o The Times, The Guardian, Idependent, Financial Times. Entre eles, o The Times é o que possui a maior circulação durante os dias da semana. Em outubro de 1998, sua circulação foi de 766.999 exemplares seguido do Financial Times, com 384.863 exemplares. Aos domingos, também é o The Times o de maior circulação beirando os 1,4 milhões de exemplares.

Um novo jornal começou a circular em março de 99 e vive um significativo aumento de circulação. O Metro é distribuído gratuitamente pelas manhãs nos metrôs de Londres e, segundo Peter Williams, diretor financeiro do jornal em entrevista ao Financial Times, a distribuição já atingiu 300 mil exemplares e eles esperam atingir 350 mil no final do mês de junho de 1999.

Na mesma semana das matérias sobre o protesto nas ruas de Londres, o The Times, parte do grupo News Corporation liderado pelo magnata Rupert Murdoch, publicou uma foto com um pequeno detalhe que pode ser significativo para entender as estratégicas dos sistemas de comunicação mundial. A foto era do casamento de Murdoch com Wendi Deng, a bordo do iate do magnata na costa dos Estados Unidos e foi publicada com destaque na edição de 28/06/99. Na legenda da foto uma referência à idade apenas ao lado do nome de Deng, 32 anos e, portanto, bem nova que Murdoch. Este pequeno detalhe que pode passar desapercebido para muitos leitores pode ser visto como parte deste cenário que vai dos segredos da jovialidade do magnata às políticas econômicas e financeiras mundiais. Boaventura de Sousa Santos , em artigo publicado na Folha de São Paulo, nos fala desses segredos e silêncios, quando analisa o Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), negociado “no mais completo segredo, nos últimos dois anos, entre os países desenvolvidos da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), por iniciativa dos EUA e da União Européia.” Para ele, “um dos paradoxos da sociedade de informação é que, quanto mais vasta é a informação potencialmente disponível, mais seletiva é a informação efetivamente posta à disposição dos cidadãos. E, como nesse tipo de sociedade o exercício ativo da cidadania depende mais do que nunca da informação que o sustenta, a luta democrática mais importante é a luta pela democratização dos critérios da seleção da informação”, afirma Santos.

Cenário Três

Estocolmo, Suécia. Junho de 1999.

Organizado pelo National Institute of Working Life do governo Sueco, o Work Life 2000 tem como objetivo a preparação da Conferência sobre o Trabalho programada para janeiro de 2001 em Malmö, quando a Suécia assumirá a Presidência da União Européia. Como parte da Conferência, estão sendo realizados cerca de 50 workshops preparativos nos quais são discutidos temas ligados ao mundo do trabalho na sociedade contemporânea. Participei de dois desses workshops, realizados em Estocolmo, com o objetivo de discutir as condições de trabalho e dos trabalhadores e o emprego no novo segmento das empresas chamadas de novas mídias, empresas que trabalham com publicidade, arte digital, multimídia, Internet, etc.

Os documentos e as discussões apontam algumas características fundamentais para o chamado trabalhador do futuro. Cfreqüência, observa-se afirmativas do tipo: o trabalhador para este novo mundo deve ser bem educado (well om educatedEste cenário aponta, portanto, para a necessidade de uma melhor compreensão do que significa a expressão ). well educatedneste contexto de sociedade da informação. Susan M. Christopherson, da Cornell University, numa pesquisa em andamento sobre os aspectos da empregabilidade dos trabalhadores da indústria dos multimídias (novas mídias) nos Estados Unidos, afirmava em um dos workshops que a maior parte desses trabalhadores se considerava auto-aprendiz na sua qualificação profissional. Segundo ela, este tem sido um dos principais pontos evidenciados na pesquisa que será oficialmente publicada no segundo semestre de 1999. Neste cenário, em princípio, a escola não está presente ou tem uma aparição secundária.

Cenário Quatro

Em todo o mundo vive-se um processo intenso de desregulamentação dos mercados financeiros e bancários. Privatizam-se companhias e os mercados nacionais que antes resistiam à presença de elementos externos, agora estão se abrindo para outros capitais. As oscilações das bolsas de valores em qualquer parte do mundo são acompanhadas por crises em outras partes do planeta que passa a viver o chamado mercado econômico global. A bola da vez passa a ser a expressão da moda. Aguarda-se com ansiedade a cada oscilação de uma bolsa de valores qual país será a tal bola da vez nesse alucinado mercado. Circulam pelo mundo afora bilhões e bilhões de dólares sem, necessariamente, vínculos com as tradicionais mercadorias. Como afirma Boaventura de Souza Santos “é dinheiro que compra e vende dinheiro”. Pesquisando este movimento financeiro e sua relação com as políticas dos organismos internacionais, o sociólogo português analisa o movimento veloz de circulação de dinheiro eletrônico, usando alguns exemplos, sendo um deles ligado à situação brasileira. Comentando a fala do vice-presidente do Banco Mundial que afirmou estar inconformado com o fato do Brasil ter sofrido imediatamente as conseqüências da crise na Rússia em 1998, Santos foi categórico: “isso é um inconformismo inteiramente cínico, uma vez que foram precisamente as políticas do Banco Mundial e do FMI que criaram a vulnerabilidade que agora se deplora.”

Cenário Cinco

23 de outubro de 1998. Jakob-Staempfli Street, Biel, Suíça. Matriz da mundialmente conhecida fábrica de relógios Swatch.

Com a presença de Nicholas Negroponte, inventor e diretor do MediaLab do Massachussets Institute of Technology (MIT), o mais famoso centro de pesquisas sobre novas tecnologias digitais, é lançado um novo tempo no planeta. Um tempo para a Internet. Um tempo universal, by Swatch. Como eles afirmam, uma nova concepção global de tempo, inventada e padronizada pela Swatch, o Swatch Beat, “a nova revolucionária unidade de tempo sem fuso horário nem bordas geográficas.” Um tempo criado a partir da subdivisão do dia (real e virtual, segundo sua home-page) em 1000 beats, cada um sendo equivalente portanto a 1 minuto e 26,4 segundos. Ou seja, “meio dia no velho (SIC!) sistema é equivalente a @500 Swatch beats.”

Cenário Seis

Junho de 1999. Uma pequena cidade no interior da Bahia, Brasil.

Seis horas da tarde, no horário de verão. No horário de deus, como se diz no interior da Bahia, cinco da tarde e o sol ainda está alto. Numa sala de aula de um curso de especialização em um município do interior na Bahia, uma dezena de professores e professoras. Uma das características deste município é ter parcialmente resolvido o problema de formação do professorado: lá, praticamente todos possuem curso de magistério e passaram por um concurso público bastante rigoroso.

No meio de uma discussão sobre desigualdades sociais, uma professora-aluna afirma que no século passado a classe dominante brasileira viajava para a Europa de trem, ao contrário do que acontece atualmente quando os ricos só viajam de avião. A professora que ministrava o curso, construtivista por natureza e preocupada com esta afirmativa, tenta empurrar a turma para discutir um pouco mais a afirmação. A discussão avança e um novo argumento surge: isso não poderia ser verdade porque no final do século passado ainda não existiam trens. Mais pressão da professora e alguém, meio encabulado, balbucia que isso não era possível por causa da água que existe entre o Brasil e a Europa. Chegando-se à esta conclusão, a professora tenta puxar da turma o nome do oceano. Surge, então, o oceano Pacífico.

Pano de fundo para os cenários

Os cenários apresentados constituem-se em fragmentos do mundo contemporâneo, num olhar muito particular. O olhar de um pesquisador preocupado com o uso das tecnologias da comunicação e informação na escola.

O desenvolvimento científico e tecnológico experimentado pela humanidade na segunda metade deste século tem provocado mudanças profundas em todas as áreas do conhecimento. Estruturas de modelos não-lineares, complexidade, caos, indeterminação, são os novos elementos que passam a fazer parte do nosso cotidiano. Manuel DeLanda considera que os últimos 30 anos correspondem exatamente a este salto de paradigmas. Saltos como os já referidos por Thomas Khun em seu famoso livro As estruturas das Revoluções Científicas . DeLanda, analisando o conceito de vida não-orgânica e as teorias que a conectam com os corpos orgânicos, faz uma retrospectiva destes últimos anos, mostrando-nos como os sistemas conservativos passam a ser substituídos por sistemas de equilíbrio dinâmico, nos levando a refletir sobre mudanças de concepções em todas as áreas do conhecimento. A análise de reações químicas é idêntica a muitos outros processos em que o equilíbrio do sistema começa repentinamente a oscilar. Para ele, “oscilações não-lineares têm sido observadas em campos tão diversos como a eletrônica, a economia e as relações ecológicas (tal como na relação presa-predador)”.

Passa-se portanto de um mundo onde as leis científicas estavam centradas na ordem – um modelo baseado em leis simples que davam conta de sua explicação – para um sistema mais complexo, onde a desordem, a irregularidade, o inesperado, estão presentes de forma mais intensa. Como afirma Marcello Cini, físico da Universidade de Roma/Itália, mudamos a forma de conceber o mundo e em vez de

se tentar reduzir tudo à ordem, regularidade e continuidade, emergem categorias e perspectivas completamente opostas. Estudam-se a desordem, a irregularidade, os fenômenos que não se repetem, em vez de tentar unificar fenômenos muito diferentes pela explicação resultante de uma única lei fundamental. A individualidade começa a ser reconhecida, por exemplo, no fato de que sistemas estruturalmente idênticos podem revelar comportamentos radicalmente diferentes, ocasionados apenas por pequeníssimas diferenças que, até então, todos consideravam como sendo não essenciais.

Estão em mudança as formas como estamos percebendo e analisando o mundo, com as individualidades sendo cada vez mais reforçadas e, com isso, mesclando intensamente as concepções teóricas que analisam o mundo físico com aquelas usadas para a análise do chamado mundo social. Os sistemas computacionais digitais desenvolvidos nestes últimos anos têm sido responsáveis por muitas destas mudanças paradigmáticas. Como afirma De Landa, muitos destes fenômenos permaneciam invisíveis antes do advento do computador .

Neste sentido, os cenários apresentados compõem um universo amplo e complexo, no qual os fenômenos da chamada globalização precisam ser vistos sob óticas diversas.

As particularidades, as individualidades, passam a ser os elementos básicos e fundamentais para podermos compreender esses movimentos. Assim como Boaventura dos Santos, considero que não podemos falar em globalização, no singular, como sendo um processo dado e que nos resta acompanhar. Ao contrário, as possibilidades tecnológicas, em especial com o desenvolvimento das tecnologias da comunicação e informação, possibilitam-nos pensar a partir de outro patamar. Adotando a proposição de Santos de considerar globalizações, sempre no plural, e não apenas na compreensão da globalização como um processo unicamente econômico da questão, podemos pensar, também e mais intensamente, nas dimensões locais e, com isso, buscar entender esse processo de globalização e o papel da escola neste contexto. Globalização que, para Santos é “o processo pelo qual uma dada condição ou entidade local se estende sobre o globo e, ao fazer isso, desenvolve a capacidade de designar uma condição ou entidade social estranha como local” .

Assim, esta perspectiva de ver a globalização no plural, implica em ver diferentes modos de produção da globalização que leve em conta as diversidades existentes no mundo contemporâneo. Santos considera a existência de quatro modos de produção da globalização. O primeiro deles seria o que ele denomina de Localismo globalizado, aquele que faz com que determinados fenômenos locais passem a ser sucessos globais, como as grandes corporações transnacionais, a língua inglesa enquanto língua franca, o McDonald’s ou adoção mundial das leis de direito autoral americano para o mundo dos software. O segundo tipo, que ele chama de Globalismo localizado, poderia ser exemplificado pelos entraves comerciais impostos por países hegemônicos, pelo uso de recursos naturais para pagamento de dívidas externas de países, a transformação de grandes áreas que desenvolviam uma agricultura sustentável em monoculturas para exportação, entre outros. Estes dois modos de globalização, Boaventura dos Santos considera como sendo globalizações vindas de cima. As globalizações vindas de baixo são as que ele denominou de Cosmopolitanismo e Patrimônio comum da humanidade. A primeira forma corresponde ao movimento de organização de nações-estados, regiões, classes ou grupos sociais subordinados que aliam-se na defesa de seus interesses como acontece com os acordos Sul-Sul, as organizações transacionais de trabalhadores, organizações de direitos humanos, entre outros. O que ele considera ser o Patrimônio comum da humanidade corresponde aos movimentos em escala global de defesa do planeta e do universo, como proteção da camada de ozônio, a sustentabilidade da espécie humana na terra, entre outros .

O mundo da mídia é importante nesse contexto porque ele passa a trabalhar por associações complexas de diversos segmentos de um amplo espectro que vai das tradicionais empresas de telefonia à indústria de ponta no desenvolvimento de equipamentos digitais, passando por empresas de televisão a cabo, jornais, editoras, laboratórios de desenvolvimento científico.

Paralelamente, a desregulamentação destes setores de comunicação e informação vai aumentando e, com isso, empurrando governos para mudanças significativas em suas políticas e legislação.

Saskia Sassen, analisando as redes digitais e o poder a elas associados, mostra-nos este processos de negociação que fazem com que muitas companhias, aliadas internacionalmente com companhias de diferentes países, passam a fazer “pressão sobre os governos para desregular e privatizar a indústria da comunicação, importante parte do conjunto de indústrias normalmente chamadas de digital sector [novas mídias]” (Sassen, 1999, p. 53).

Cenários construídos, pano de fundo explicitado, temos então os atores em cena: de um lado governos, empresas e órgãos, nacionais e internacionais, pensando em políticas e estratégias para a educação. De outro, os professores e professoras em sala de aula, nas escolas espalhadas pelo país e pelo mundo. Visto de cima, são práticas elaboradas para chegar à escola e, se implantadas, colocá-la no caminho certo. No entanto, neste mesmo cenário, temos visto outros movimentos que não atestam exatamente a existência de um caminho certo e muito menos de um único caminho. Vemos a existência de múltiplos caminhos com variadas formas de caminhar, com diversos mapas de navegação que podem contribuir para esta montagem, tendo como premissa básica o respeito às individualidades e singularidades de pessoas, grupos, regiões e nações.

Retomar um pouco nossas experiências recentes na linha dos materiais didáticos pode ser útil para este nosso caminhar.

Os cenários mais antigos continuam presentes

Poucos anos atras, na ANPEd mesmo, muito se discutia a questão dos livros didáticos. Foram inúmeras as pesquisas sobre a temática produzidas nas universidades e centros de pesquisas, no Brasil e fora dele. Em 1987 o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) financiou uma preciosa pesquisa estado-da-arte sobre livro didático, contratando para isso uma equipe multidisciplinar na UNICAMP. Lamentavelmente a pesquisa parou na sua primeira etapa. O resultado está no livro O que sabemos sobre o Livro Didático leitura obrigatória ainda hoje para aqueles que pensam em estudar e legislar sobre a questão. O objetivo foi o de identificar o que já se tinha produzido na área, localizando-se, com isso, grande quantidade de trabalhos, em praticamente todas as áreas, incluindo aqueles ligados a política do livro didático. De forma paralela, o INEP também financiou a pesquisa coordenada por Barbara Freitag sobre o mesmo tema, e os resultados também indicavam basicamente as mesmas coisas.

As análises realizadas na longínqua década de 70 apontavam problemas por conta de uma política centralizadora que beneficiava editoras e estimulava uma produção de materiais que não condiziam nem com as realidades culturais das diversas regiões nem com o chamado conhecimento científico. Já naquela época o mercado terminava ditando as regras e o que se via era um quase estimulo à produção de materiais sem os requisitos mínimos de qualidade científica, mesmo questionando-se o que seja esse critério universal de qualidade. Tudo, sempre, era uma questão de mercado. Os editores diziam que não produziam bons livros porque os professores não os compravam . Duvidava-se e levantava-se suspeita sobre as relações do Ministério e de quem o dirigia com os grandes grupos empresariais que administravam o mercado midiático, ligado ao livro impresso.

Na época, associado com o auge das teorias comportamentais, nascia o livro descartável. Em pesquisa anterior já referida, identifiquei uma quantidade considerável de projetos-de-lei e decretos tentando solucionar o problema que os tais livros descartáveis introduziam tanto do ponto de vista pedagógico como também do ponto de vista dos orçamentos familiares. Basicamente, mais uma vez, a idéia dos bem intencionados parlamentares que tentavam solucionar o problema era o de proteger escolas, alunos e familiares do processo de pressão dos editores para as constantes trocas de livros. Mais uma vez, a escola era dirigida de fora. Neste mesmo trabalho de 1985, indicava esses problemas e apontava para o fato de o processo de produção destes elementos culturais – os livros que seriam usados nas escolas pelos professores e alunos – mais parecia um processo industrial de produção de uma mercadoria qualquer do que a de um produto cultural. Basicamente, as editoras produziam livros, como se produziam sabonetes, carros, canetas, ou qualquer outro produto comercial. Realizei inúmeras visitas às editoras e percebi que além delas estarem basicamente centradas no eixo Rio-São Paulo, os livros eram produzidos a partir de um esforço quase que mecânico de simulação do que poderia ser um currículo nacional. Melhor dizendo, um exercício de simulação sobre o que seria comum aos diversos programas e as, na época famosas, sugestões curriculares, que os professores seguiam, obviamente, à risca, nas diversas regiões do país. A interseção de tudo isso resultava naquilo que era conhecido como o livro didático nacional. Vendia-se muito livro e nasciam os best sellers da produção editorial brasileira.

As críticas eram enormes. Os jornais apontavam para fraudes, inadequação dos livros e principalmente para o trabalho dos vendedores – os conhecidos representantes das editoras – que viajavam pelo país, distribuindo ofertas, visitando escolas e professores. Tudo isso, muito antes da chegada do próprio MEC e das Secretarias de Educação às escolas com o objetivo de promoverem a escolha do livro pelo professor.

Foram inúmeras as tentativas de mudança dessa política e, basicamente, o que se via era a manutenção de um sistema no qual a professora e o professor eram, como sempre, dirigidos de fora. Eles eram, no máximo, figurantes de uma montagem que incluía altíssimas verbas para a produção, para os patrocinadores, talvez também alta para os atores principais mas pouco restava para esses coadjuvantes, que na verdade, deveriam ser os principais atores do processo.

Propunha-se no INEP daquela época, e também na própria FAE, a análise dos livros e um trabalho junto aos professores. Mas as pressões eram grandes. Os livros eram analisados e, com freqüência, apareciam nas discussões opiniões que defendiam as comissões nacionais para avaliá-los, buscando mínimos de qualidade, padrões e, às vezes, a idéia de produção de livros nacionais que garantissem a tal qualidade tanto discutida.

Ainda hoje, quando falamos em livros didáticos, vemos as mesmas questões presentes, as comissões nacionais analisando livros e atribuindo estrelas de melhor qualidade a esse ou aquele livro. Sem desmerecer a importância de fornecer aos professores bons livros e o esforço das compras centralizadas em grande quantidades, continuo insistindo que, com isso, não olhamos para a ponta do processo. Não olhamos para os atores principais, os professores e professoras que utilizam-se desses materiais no cotidiano da sala de aula.

Cenário posto e o resultado é uma peça de má qualidade, atribuída apenas ao desempenho dos atores. Continuamos a observar que, mesmo tendo sido implantada desde 96 a política de escolha do livro pelo professor com o auxílio da publicação dos guias contendo as análises dos especialistas, os professores continuam escolhendo majoritariamente os livros não-recomendados, conforme matéria publicada pelo O Globo no final de 1999. Segundo jornal

no Programa Nacional do Livro de 99, 44,05% dos livros de 1ª a 4ª series escolhidos pelos professores e comprados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aparecem como não recomendados no guia.
Outros 21,56% receberam apenas uma estrela e foram enquadrados na categoria ‘recomendados com ressalvas’ pelo MEC.
Os livros com duas estrelas (recomendados) representam 14,56% dos escolhidos e os três estrelas (recomendados com distinção), somente 19,86%.

Ainda segundo o jornal, isso já pode ser considerado uma melhoria, uma vez que em 1997, que foi o primeiro ano que os professores utilizaram os guias, 71,9% dos livros escolhidos faziam parte da lista dos não-recomendados.

O próprio MEC reconhece que muitas vezes os livros são ruins e em alguns casos os guias nem mesmo chegavam às professoras, que deveriam utilizá-los para analisar os livros adotados, ficando os mesmos nas Secretarias de Educação, com diretores, coordenadores e supervisores.

Como se vê, continuamos, em linhas gerais, a ter a mesma lógica centralizadora na condução das escolas, mesmo com o evidente esforço de distribuição de informação. Isso, a meu ver, continua a se repetir porque continua-se a trabalhar numa perspectiva linear e vertical de atacar os problemas da educação brasileira. Continua-se a olhar o problema apenas de cima. Com as novas tecnológicas chegando, o que estará acontecendo?

As tecnologias chegando

O desenvolvimento das tecnologias da comunicação e informação resgatou para a cena educacional alguns temas que não são necessariamente novos. Nos últimos anos, duas grandes áreas retornaram ao centro das atenções: a informática educativa e a educação a distância. Paralelamente, começaram a surgir iniciativas de criação de novas áreas sendo as duas de mais destaque a que trata da relação da Comunicação com a Educação e a área das chamadas Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC em português e ICT em inglês). Estas novas áreas estão sendo bastante pesquisadas e creio que podemos aqui tentar avançar analisando diretamente como estão sendo implantadas as políticas de introdução dessas tecnologias no sistema público de ensino brasileiro, estabelecendo alguns paralelos com outros projetos ao redor do mundo. Mais uma vez, o objetivo aqui é enfocar o problema tanto de cima – das políticas – como de baixo – as escolas e professores.

Um dos aspectos fundamentais para essas análises é a presença do Banco Mundial no financiamento desses projetos. Marília Fonseca, pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília vem estudando o Banco Mundial e sua relação com a educação desde o início de seu doutoramento na Universidade de Paris V, em 1987. Seu objetivo foi o de analisar os fundamentos políticos da proposta educacional do BIRD ao realizar as chamadas cooperações técnica e financeira com os países em desenvolvimento. Segundo Marília Fonseca, o Banco Mundial é “responsável por empréstimos que correspondem a pouco mais de 10% da dívida externa brasileira” e, ao longo do tempo, ele “transformou-se de órgão apenas financeiro para órgão político, na qualidade de articulador mundial do globalismo econômico e, nessa ótica, ele financia a área econômica e também articula os setores sociais junto aos países beneficiários.” Mais do que isso, segundo ela, o que observamos nestes financiamentos é que quando o Banco Mundial

passou a financiar o setor social (…) o fez com o mesmo tipo de crédito com o qual financiava a área econômica, numa adaptação complicada e desvantajosa para o setor educacional, porque a área econômica conta com a recuperação de despesas (por exemplo, uma hidrelétrica ou uma ferrovia podem cobrar tarifas) enquanto a educação não visa lucro, nem cobra taxas capazes de compensar o investimento financeiro. Os benefícios esperados de um projeto educacional são aqueles de cunho social, o que implica uma boa performance dos projetos em termos do alcance dos objetivos educacionais.

Exatamente este é, a meu ver, o ponto central da análise que temos que fazer se falamos na introdução das tecnologias da comunicação e informação nas escolas. Como a introdução dessas tecnologias demandam uma soma muito grande de recursos, elas, de certa forma, trazem consigo uma pressão para obtenção de resultados imediatos. Esse tem sido o caso da implantação destes projetos no Brasil e creio que corresponde também ao que vem acontecendo em outros países, havendo uma pressão muito grande por resultados imediatos. Mais uma vez observa-se a repetição de velhos métodos, só que com novas tecnologias. Esta pressão por resultados imediatistas tem feito com que computadores, softwares, multimídias, sejam produzidos e introduzidos como mera substituição dos antigos livros didáticos. O livro Digital Diversions, editado por Julian Sefton-Green apresenta um interessante conjunto de textos analisando a relação do mundo digital com a juventude. Helen Nixon, em seu artigo nesse livro, observa como o mercado, especialmente o das revistas especializadas em vender computadores e produtos de informática, promovem esses equipamentos, evidenciando em suas publicidades conhecidos conceitos como as concepções de família bem estruturadas e os aspectos educativos intrínsecos desses novos produtos. Esse estudo, realizado na Austrália, mostra como estas revistas estão articuladas com o mercado global, uma vez que boa parte delas é ligada a grandes grupos transacionais ou conglomerados midiáticos, como a IDG Company (International Data Group), The Walt Disney Company, entre outros. Além disso, as revistas possuem sessões regulares financiadas por grandes empresas do mundo da informática como a IBM, Microsoft, Olivetti e Intel , p. 34). Para ela, estas revistas vendem a idéia de que os computadores podem ser bem vindos nas casas e nas famílias, convidando os futuros usuários a experimentarem esta realidade. Para fazer isso, as revistas apresentam alguns exemplos de software pré-testados por selecionadas famílias. Famílias essas que são apresentadas a partir de modelos monolíticos, numa fantasia de felicidade. Uma família branca, heterossexual, casada, nuclear, classe-média , p. 34). Nada diferente, portanto, dos tradicionais e já analisados livros didáticos.

Para vender estas novas maravilhas, os antigos representantes de livros passam a ser substituídos pelos promotores de produtos de informática, computadores, CD-ROMs, softwares educacionais, entre outros. Sair distribuindo exemplares destes produtos é difícil e caro e nascem assim as grandes feiras e exposições que ampliam-se e ganham dimensões assustadoras em muitos países, incluindo já o Brasil. Uma análise nos sítios de eventos na Internet permite-nos ter a dimensão deste negócio. Montam-se, então, estratégias para fornecer ao professor a análise desses materiais. Tudo é novo e são necessários esforços para apresentar ao professor a coisa mais fácil. Mais amigável, para usar um jargão da área. Surgem as empresas de consultoria para, de um lado, oferecer a possibilidade de uma terceirização destes serviços e, de outro, para auxiliar na montagem de projetos que envolvam o uso da informática e de outras tecnologias no ensino. Amplia-se de forma assustadora também o número de produtos para o controle do processo educativo.

Para Nigel Pine, diretor executivo do Conselho de Tecnologia Educacional da Escócia (SCET), essas tecnologias estão possibilitando, quando os computadores estão nas escolas conectados em rede, uma mudança no mundo. Uma mudança qualitativa e, para tal, a SCET se propõe a dar condições para que o professor possa efetivamente, ele mesmo, decidir o que deseja adotar em sua escola.

No Reino Unido são inúmeras as feiras que concorrem entre si e a BETT parece ser uma das maiores, existindo há 14 anos, atraindo um público de 21 mil visitantes e apresentando estandes de mais de 360 fornecedores de equipamentos de informática e multimídia para a educação.

Portanto, também aqui observa-se – como não poderia deixar de ser – uma enorme pressão do mercado para a introdução destas tecnologias e isso ocorre como parte das estratégias para a própria ampliação desse mercado. Além disso, como num primeiro momento não se sabia muito bem o porquê e o para que da introdução dessas tecnologias na educação, começamos a ver a proliferação de empresas e de políticas públicas que buscavam dar conta deste acerto de contas com a história contemporânea. Isso acontece em países como o Brasil mas parece ser o lugar comum na introdução das tecnologias na escola em todo o mundo. De acordo com Byrne, Jessel e Yamaguchi, o mesmo aconteceu tanto na Inglaterra quanto no Japão .

No Brasil, o depoimento do Secretário de Educação a Distância, responsável pelo projeto de introdução dos computadores nas escolas públicas (Proinfo) à Folha de São Paulo evidencia essa dificuldade. Pedro Paulo Poppovic, ao ser perguntado sobre porque o MEC estava investindo R$ 480 milhões nesse projeto, o equivalente a 5% de seu orçamento do ano de 1997, afirmava que com

computador e educação é assim mesmo. ‘Objetivo? Eu não sei. Ninguém sabe’ (…) Ele arrisca alguns palpites. Diz que o novo modelo de educação deve se voltar para a busca de informação, pela idéia de que o aluno deve aprender a aprender. Precisamos de pessoas que saibam aprender porque não sabemos que conhecimentos serão importantes amanhã. Identificar e resolver problemas é a questão. Fabricar carro e aviões qualquer país faz’, diz. Daí, o computador, a melhor ferramenta para buscar informação. Muda tudo. Assim como ninguém coloca em dúvida que bancos devam usar computador, é praticamente unânime a idéia de que a escola deve ser informatizada”.

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’Não podemos deixar uma geração analfabeta tecnologicamente enquanto discutimos filosofia’, diz Cláudio Salles, diretor do Proinfo. Poppovic usa um argumento similar para justificar a urgência. ‘É indiscutível que você tem de saber mexer em computador para arrumar emprego. Com o computador na escola, você profissionaliza todo o ensino’, diz.

A simplificação do argumento não deve ser motivo para não analisá-lo. Esse tem sido com freqüência o argumento para a introdução das novas tecnologias na educação. Uma tentativa de colocar a escola em consonância com os chamados tempos modernos. E tem sido esta a idéia em muitos países.

Mais do que isso, as tecnologias estão trazendo à tona também a temática da educação a distância e, mais uma vez, a perspectiva economicista tem dominado o cenário. Agilidade no oferecimento de cursos, relação custo/benefício baixa, grande número de alunos atingidos de uma só vez e rapidamente, entre outras. São sempre essas as grandes referências para a questão e, não só no Brasil, tem-se visto a repetição dos velhos modelos, agora usando novas tecnologias .

O que se vê nos discursos oficiais brasileiros para essa área é, mais uma vez, a escola sendo dirigida de fora e de cima, com os computadores e os novos projetos de comunicação como o TV Escola, sendo mais uma vez instrumentos – mais modernos! – de verticalização do sistema, no sentido de se montarem grandes bancos de dados e programas à distância para serem consumidos, numa apregoada interatividade que coloca professores e alunos apenas num patamar da chamada qualidade mínima. Não se vê nessas políticas, a vontade de promoção de uma formação básica sólida que possibilite professores, usando as tecnologias, readquirirem o seu papel fundamental de lideranças dos processos educacionais. E tudo isso, como afirma Marília Fonseca, em consonância com as orientações do Banco Mundial.

Para a seletividade do ensino, o Banco propõe algumas estratégias conhecidas desde os anos 70. São elas: a avaliação externa da educação através de testes de conhecimento, a descentralização administrativa e a recuperação de custos ou cost recovery, quer dizer, a diminuição dos custos educacionais, inclusive pela cobrança de taxas para os níveis mais altos de ensino e a flexibilização do ensino formal, palavra-chave que será usada no sentido de desformalizar o ensino para facilitar o crescimento do setor privado. Nos documentos de política estratégica do Ministério da Educação, em 1995, a flexibilização já fazia parte de propostas que indicavam a necessidade de tornar as escolas mais flexíveis, oferecendo mais treinamento aos professores e menos formação stricto sensu. Identifica-se, assim, uma consonância com as orientações do Banco, no sentido de privilegiar a formação mais ligeira e mais barata, como a ‘capacitação em serviço, à distância e em cursos mais rápidos’. Essa proposição tem por base as pesquisas internas do Banco mostrando que o desempenho dos alunos não depende mais da formação do professor e sim do que chamam de ‘pacotes instrumentais’, ou seja, do livro didático, do material pedagógico, etc.
Cabe notar que a formação à distância, dentro do limite conceitual do Banco, fundamenta-se em bases restritivas, como o aligeiramento do processo de ensino. É preciso, pois, fazer uma diferença entre a proposta do Banco e aquelas que se definem localmente na perspectiva da atualização tecnológica.

Para o Banco Mundial, aproximar-se do mercado e promover políticas de simples aceleramento do processo. Esse pode ser um dos caminhos mas existem outros. Podemos aproveitar um pouco da experiência de países com culturas diferentes das nossas para refletir um pouco mais sobre a questão. O caso Japonês, relatado por Hill, Jessel e Yamaguchi, pode ser um bom exemplo para pensarmos em nosso futuro. A citação é longa mas creio que ela seja fundamental para a perspectiva deste texto:

As escolas no Japão não têm a mesma responsabilidade que as escolas inglesas de compensar os danos tecnológicos da sociedade. Elas não foram obrigadas por lei a introduzir atividades práticas de resolução de problemas no currículo. Tais práticas são vistas pelos administradores japoneses como fundamentais para a qualidade e confiabilidade da indústria mas eles vêem isso como sua própria responsabilidade e não das escolas. (Aoki and Dore, 1994).
Similarmente, numa perspectiva americana, Sheffer (1986) tem também observado as atitudes aparentemente despreocupada dos japoneses com relação ao papel das tecnologias em suas escolas. Sheiffler acrescenta que, contrário à popular crença dos americanos, uma atitude cultural mais ampla para com as tecnologias é mais influente do que o que é formalmente ensinado nas escolas.
O baixo perfil tecnológico das escolas japoneses sugere que a pressão profissional exerce pouca influência nas escolas.
De forma geral, pode-se dizer que a educação Japonesa não é, de forma óbvia, dirigida ao treinamento (training-driven). A indústria e o comércio esperam prover maior quantidade de treinamento específico ligado ao trabalho. A prioridade da indústria é que as escolas deveriam assumir a responsabilidade de formar jovens que sejam ‘treináveis’”.

Com as variáveis explicitadas, me parece claro, agora, que o argumento de preparação para o trabalho no sentido estrito do termo, não pode servir para o caso brasileiro assim como não parece estar servindo fora do Brasil. Precisamos pensar sobre uma formação mais sólida dos jovens no sentido de prepará-los para esse futuro com as habilidades necessárias para acompanhar e poder influenciar nas rápidas mudanças que estão em curso em todas as áreas do conhecimento.

Tenho insistido, nesta linha, que o elemento rede é um dos fundamentais e alguns países tem experimentado isso, como é o caso da Inglaterra, Suécia, Espanha, Portugal e Chile.

No caso brasileiro, apesar de ter existido uma avanço em várias áreas no sentido de implantação de uma rede acadêmica e educacional, ainda percebo uma não vontade política no sentido de considerar a rede como elemento estruturante destes novos processos pedagógicos.

Ao afirmar isso utilizo como elementos os próprios discursos oficias. Já explicitei isso anteriormente e os documentos continuam a reforçar uma ênfase à utilização de softwares educacionais e o não interesse central na política de conexão.

Analisando, por exemplo, o sítio do Proinfo, podemos verificar que na parte relativa aos documentos, o último documento disponibilizado é de julho de 1997. Fica evidente que nem mesmo no sentido vertical (MEC è professores) existe uma preocupação com o processo comunicativo. Além disso, no conjunto do sítio, não existe qualquer referência sobre todo o processo de discussão da Lei Geral das Telecomunicações (LGT) e do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), que discutirei adiante e que considero como básico em termos de políticas públicas para a área educacional. Mais surpreendente ainda é que no encontro para discutir e traçar as diretrizes do Proinfo com o chamados multiplicadores – os professores e professoras responsáveis pelos NTEs – ocorrido em Brasília de 3 a 7 de maio de 1999, não tenha ocorrido nenhuma discussão à tramitação da referida lei. Nem na programação nem no relato final existe uma linha sequer sobre a conexão das escolas e dos NTEs. Observando mais detalhadamente o programa do encontro visualiza-se perfeitamente a ênfase no uso do software educacional e a forte presença da indústria responsável pela produção de softwares, acontecendo o mesmo que já referi anteriormente sobre as feiras e exposições. Não estou em hipótese alguma referindo-me à negação do uso de softwares educacionais e à necessidade de qualificar professores para seu uso. Quero aqui enfatizar a diferença com que as questões rede e software são tratadas na política educacional brasileira.

Parece-me importante a esta altura, fazer uma rápida análise do processo de implantação da rede Internet no Brasil e dos desdobramentos das políticas de telecomunicações nos últimos anos como último ponto desta nossa peça.

A RNP: um tentativa de construir uma rede acadêmica brasileira

A Internet chegou ao Brasil no início da década de 80 com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), criando a Rede Nacional de Pesquisa (RNP). Algumas universidades já se ligavam à Rede Bitnet desde essa época através da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que mantinha um canal direto com os Estados Unidos, pago pela própria Universidade e disponibilizado para todas as demais universidades do sistema público brasileiro. A partir da RNP deu-se início à montagem das auto-estradas da informação brasileiras, com a criação de Pontos-de-Presença (POPs) nos estados.

Desde o seu início, a Internet no Brasil foi uma rede vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, não tendo o Ministério da Educação – responsável pela manutenção das Universidades públicas – quase que nenhum envolvimento com a sua implementação e manutenção. Do outro lado do processo de implantação da Internet estava o Ministério das Comunicações (MinC) como simples fornecedor de serviço a seu cliente, o CNPq, que pagava à Embratel – empresa do sistema telefônico ligada ao MinC – tarifas plenas para o aluguel das linhas que ligavam os POPs à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) em São Paulo, que coordenava tecnicamente as interligações brasileiras e ao exterior.

Em 1996 iniciou-se o processo de abertura comercial da Internet no Brasil. De lá para cá, a velocidade com que tudo aconteceu foi muito grande e hoje o governo brasileiro já está implantando, seguindo os Estados Unidos, a chamada Internet 2, uma rede mais veloz com aplicações mais específicas e mais ligada ao mundo acadêmico, como no seu início. Reinicia-se o espetáculo mais uma vez.

Também com essa velocidade começa a ocorrer o processo de privatização do sistema de telefonia brasileiro. A aprovação da Lei Geral das Telecomunicações (lei 9.472) em julho de 1997, regulamenta o processo introduzindo mais um complicador para a educação, uma vez que ela foi aprovada, dando início às privatizações, sem a regulamentação do artigo 81 que criava o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST). Antes, com o sistema de telefonia nas mãos do Estado, não se conseguiu um plano de universalização de acesso que garantisse a conexão das escolas e agora, privatizado o sistema, permanece a dúvida sobre como isso será alcançado. Parece-me ser esse o ponto central da questão em função da realidade social brasileira.

Os dados apresentados pela pesquisa realizada pelo IBOPE sobre o perfil dos usuários da Internet é significativo. Com eles se pode observar que, apesar do país ter avançado na questão das comunicações e das tecnologias, aumenta a concentração de poder nas mãos daqueles que têm acesso a essas tecnologias. São cerca de 2,5 milhões os usuários da Internet no Brasil sendo o Distrito Federal e São Paulo os que detêm mais internautas em potencial, já que possuem mais linhas telefônicas e computadores domésticos. Nesse sentido, podemos concluir que são exatamente as mesmas famílias que estão nos grandes centros e que possuem renda familiar mais alta que podem adquirir os computadores e ter acesso à rede. Permanece, portanto, a tendência de manutenção da concentração nos centros mais desenvolvidos e nas classes mais favorecidas.

Complementarmente, pesquisas realizadas pela World Times e pela Information Society Index (ISS) mostram que o Brasil está entre as 55 nações que têm boas possibilidades de usar a tecnologia e o conhecimento para acelerar o seu desenvolvimento econômico. No entanto, considerando-se o ranking mundial, o Brasil não teve boa posição em função dos seus péssimos indicadores sociais.

O jornal O Estado de São Paulo divulgou essa pesquisa e, junto com ela, uma entrevista em que Wilford Welch, diretor da World Times explicou os quatro grandes critérios da pesquisa:

  • infra-estrutura de computadores (número de PCs instalados per capita, número de PCs instalados nas residências, número de PCs vendidos à indústria, comércio e governo, número de PCs instalados em escolas e Universidades, percentual de PCs em rede, gastos em software e hardware);
  • infra-estrutura de informação (número de linhas telefônicas por residência, número de troncos telefônicos, número de televisores per capita, número de aparelhos de rádio per capita, número de aparelhos de fax per capita, número de telefones celulares per capita, cobertura de TV por cabo e ou satélite);
  • infra-estrutura de Internet, um conjunto de critérios isolado pela primeira vez este ano (volume de faturamento do comércio eletrônico, número de usuários domésticos de Internet, número de usuários corporativos de Internet, número de usuários de Internet no setor de educação); e, finalmente
  • a infra-estrutura social (percentual da população entre 10 e 16 anos que está efetivamente matriculada na escola secundaria, mesmo tipo de percentual para a escola superior, número de leitores de jornais diários, liberdade de imprensa e liberdades civis).

Para Welch, “os resultados do ano passado [1997] mostraram um crescimento de 166% da infra-estrutura de Internet, diante de apenas 4% dos outros conjuntos de critérios.”

Portanto, potencialmente, o Brasil caminha para um milênio de novas possibilidades mas, possibilidades apenas em potencial porque com as questões sociais já referidas e do conhecimento de todos nos defrontamos com o desafio de garantir um amplo acesso de todos às redes de comunicações.

Colocar as escolas públicas conectadas à Internet é um dos importantes meios para se fortalecer a produção de conhecimento e de cultura de crianças, jovens, adolescentes, professores e comunidade. É um importante elemento estruturante que pode possibilitar a escola passar do patamar de simples consumidora, para o de produtora de conhecimento e de cultura e, com isso, poder estar inserida nas tais globalizações que estamos nos referindo. Mais uma vez, globalizações no plural.

Se isso é fundamental, é necessário compreender o papel das políticas de telecomunicações e a responsabilidade dos empresários que atuam na área.

Retomando a questão das políticas públicas das comunicações, torna-se necessária a definição clara de um plano para garantir o acesso das escolas e bibliotecas públicas à rede. Um importante passo é a regulamentação do Fundo de Universalização já referido, contemplando essa questão. Retomemos então esse ponto.

A Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), possui em sua estrutura os comitês estratégicos “para realizar estudos e formular proposições ligadas a seus objetivos, princípios fundamentais ou assuntos de interesse estratégico”. Dentro do comitê sobre Infra-estrutura Nacional de Informações (C-INI) existe um grupo responsável pela Educação. Murilo César Ramos, professor da UnB, produziu um documento conceitual interno no final de 1998 e foi enfático na defesa de uma política clara para a relação da educação com as telecomunicações. Creio que vale a longa citação do documento onde Ramos recupera a história dessa relação, desde a Lei N.º 4.117/62, mais conhecida como o Código Brasileiro de Telecomunicações, que, na época já previa que

seria ‘adotada tarifa especial para os programas educativos dos Estados, Municípios e Distrito Federal, assim como para as instituições privadas de ensino e de cultura’ (Art. 104).
Desafio que ficou 31 longos anos no esquecimento até que, em dezembro de 1993, o Decreto presidencial N.º 1.005 estabeleceu a primeira tarifa especial, experimental, a ser utilizada no projeto chamado Televias para a Educação, voltado para o ensino fundamental. Decreto substituído quase exato um ano depois por outro, de nº 1.352, que estendeu a tarifa especial à Rede Nacional de Pesquisa (RNP). Decreto este que seria também deslocado por outro, de nº 1.589, de agosto de 95, que circunscreveu a tarifa especial a linhas dedicadas, para acesso à Internet, tornando-a virtualmente exclusiva do sistema universitário, público e privado.
O que se depreende do longo hiato entre a Lei Nº 4.117/62 e o primeiro Decreto, de 93, e, depois, da rápida saraivada de decretos para tratar de tão singelo, ainda que fundamental, assunto para os destinos do país, é que até os dias de hoje o desafio da Educação não foi acolhido, mesmo que minimamente, pelo setor de telecomunicações.
Isto vai ficar ainda mais evidente com a aprovação, em julho de 1997, da Lei Geral de Telecomunicações que, apesar da sua sofisticação normativa, ignorou totalmente a tarifa especial oportunamente criada pelo legislador de 1962. E, ainda que se possa argumentar que a questão está contemplada no projeto do Fundo de Universalização das Telecomunicações, a polêmica que já começa a cercar a tramitação do referido projeto no Congresso Nacional sinaliza a continuidade do descaso com que o setor de telecomunicações tratou, até hoje, a questão da Educação.

E conclui dizendo

Daí porque, neste Comitê sobre a INI, como mobilizador do tema Educação, elegi como prioritária a questão da tarifa especial (…). Minha esperança é a de que o Brasil não entre no século XXI sem que, finalmente, se dê a sinergia mais perfeita possível entre telecomunicações e educação, resgatando assim a promessa ainda não cumprida da década de 60.

Este documento foi produzido e discutido no final de 1998. Em fevereiro de 1999 a Anatel, através da resolução n° 96, criou o Comitê para a Universalização dos Serviços Telecomunicações (01/02/99), aprovando o regimento interno do Comitê. No mesmo período publicou o Edital de Convocação 01/99, com a especificação e o convite para a indicação de nomes para sua composição.

A Lei Geral das Telecomunicações (LGT) previa que, em 120 dias, o executivo teria que enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei regulamentando o FUST. De acordo com o Deputado Salvador Zimbaldi, em 1997, o Deputado José Pimentel apresentou o Projeto de Lei n  3.808, que instituía o Fundo de Universalização seguido do projeto Poder Executivo (Projeto n  3.938). Em 1998 o Deputado Paulo Bornhausen apresentou um relatório e dois substitutivos, que não foram apreciados pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados. Quase dois anos depois da LGT promulgada, em junho de 1999, mais um relatório substitutivo ao projeto de lei original foi apresentado à Comissão, desta vez pelo deputado Salvador Zimbaldi (PSDB-SP). Aguarda-se agora os comentários às proposições do relatório e ainda poderá haver um longo percurso até sua regulamentação e aplicação. Enquanto isso, segundo Murilo Ramos, “um projeto-piloto centrado no Proinfo está sendo estudado para a aplicação da tarifa especial.

Considerando a velocidade com que as coisas acontecem no mundo contemporâneo, parece-me que, nesta área, existe uma certa lentidão que talvez possa ser interpretada como uma demonstração clara da dificuldade que apontava Ramos na definição das políticas de apoio à educação na sua relação com os sistemas de telecomunicação. Paralelamente, ao se observar como as novas operadoras do sistema de telefonia brasileiro estão dando conta de todo o processo de privatização pode-se, talvez, ficar ainda mais preocupado. Segundo a Folha de São Paulo, de 4 de julho de 1999, “nenhuma empresa de telefonia fixa do Brasil cumpriu todas as metas (19) estabelecidas pela Anatel para o mês de maio. As três grandes holdings (grupos empresariais) que controlam a maior parte da telefonia fixa no país (Telefônica, Telemar e Tele Centro-Sul) deixaram de cumprir as metas em indicadores considerados fundamentais para avaliação da qualidade do serviço, como número de solicitações de reparos (que indica a quantidade de defeitos na rede) e reclamações de erros em contas”.

Paralelo à esta discussão sobre as políticas públicas para a garantia de acesso aos serviços pode-se pensar, também, na responsabilidade do empresariado na diminuição das desigualdades sociais. Pouco se vê na busca de soluções para esses problemas.

A título de exemplo, pode ser interessante observar a situação da Inglaterra, onde existe um projeto de governo com o objetivo de colocar até 2002 todas as escolas conectadas à Internet, com professores capacitados para usá-la. Paralelamente, a iniciativa privada está atuando com agressividade com o objetivo de fortalecer os sistema de ensino, oferecendo livros, computadores e equipamentos de escritório para as escolas, através de projetos e campanhas específicas. Não resta a menor dúvida de que o que move esses projetos e campanhas é o próprio mercado mas, concretamente, eles estão se constituindo em apoio efetivo às escolas e professores e mobilizam a comunidades. Além disso os provedores privados de Internet e sistemas telefônicos também se mobilizam na conquista dos novos usuários e, para tal, oferecem conexão sem custos de assinatura. A pioneira desse sistema de Internet gratuita foi a Freeserve. Ela foi criada como parte da cadeia de lojas de eletrônicos Dixons que vive, justamente em função do serviço gratuito oferecido, um aumento significativo na cotação de suas ações na bolsa de valores. Depois da Freeserve, inúmeros outros provedores começaram a fornecer acesso gratuito e as companhias telefônicas, para atrair usuários, passaram a oferecer também além do acesso, a discagem gratuitamente.

Estou, obviamente, dando ênfase à questão do acesso, das conexões das escolas. E faço isso conscientemente porque se não tivermos políticas que considerem isso prioritário, o que teremos é a manutenção do mesmo sistema centralizado só que, agora, com significativo aumento de custos de manutenção das escolas uma vez que elas estarão equipadas com estas tecnologias. Tecnologias que estarão sendo postas em laboratórios de informática que, continuando assim, terão apenas a função de apoiar as aulas para utilização de aplicativos convencionais, como processadores de textos, planilhas eletrônicas, entre outros. Estes equipamentos rapidamente ficarão obsoletos em função da velocidade de renovação do mercado e provavelmente sem utilidade num curto espaço de tempo.

O acesso à rede é uma condição necessária, mas não suficiente para as transformações que apontamos neste texto. Isso porque se a perspectiva for a de conectar sem se trabalhar na busca da emancipação do professor e do estudante, o que veremos será uma mera repetição daquilo que já vimos – será isso passado?! – acontecer com os livros didáticos e outras experiências de inovação educacional. Quem sabe, num futuro próximo não veremos o Ministério criando comissões para analisar softwares e sítios e, posteriormente, classificá-los com as conhecidas estrelas.

E, se nesta questão, se repetir o que se está fazendo em outros campos do sistema eduacional, certamente isso acontecerá em breve. Maria Cristina Davini, da Universidade de Buenos Aires, mostrou como esta importação de políticas se deu na Argentina, durante a 19ª Reunião Anual da ANPEd em 1996, na sessão Educação Básica e Educação Profissional: novas tecnologias e novas competências. Na 51ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Porto Alegre, em julho de 1999, Valdemar Sguissardi, da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), que estuda o financiamento do ensino superior britânico, criticou este tipo de importação de modelos sem uma adaptação às realidades locais ao analisar as declarações do MEC sobre o modelo inglês de financiamento do ensino superior. Ou seja, as possibilidades de mais importações nesta área podem ser grandes. Ainda na Inglaterra, por exemplo, a questão dos softwares educacionais tem um tratamento que poderia ser útil para pensarmos sobre o nosso futuro nesta área. A Agência Britânica de Comunicação e Tecnologia Educacional (Becta), trabalhando em conjunto com os demais órgãos educacionais do governo britânico, desenvolve programas para dar suporte tecnológico aos professores, em especial para o atendimento da grade curricular nacional em implantação no país. Uma das atividades da Agência é a análise dos softwares disponíveis no mercado. Um grupo de especialistas, indicados por 21 associações profissionais e científicas, elaborou um documento básico com critérios para as análises e o resultado está publicado na Internet, num banco de dados que pode ser pesquisado por áreas, séries, palavras-chaves, título, entre outras formas de recuperação. O leitor encontrará então os dados técnicos do software, uma descrição do mesmo e os comentários dos avaliadores. O interessante neste sítio é que existe um espaço para a ampliação da discussão sobre os softwares e as análises realizadas pelos especialistas. Cada professor que utiliza ou conhece o programa pode acessar a rede e deixar seus comentários sobre o produto. Mas o curioso – e que é fundamental na minha perspectiva – é que esta discussão não ocorre. Verificando em julho de 1999 esse sítio, numa visita aleatória a quase totalidade dos mais de mil softwares analisados, não encontrei nenhum comentário feito por professores. Em troca de mensagens com a equipe da BECTa responsável pela área entre 16 e 19/07/99, ficou evidenciado um não conhecimento por parte do órgão central das causas da não participação dos professores. Mais do que isso, parecia não ser problema da equipe da BECTa a não participação do professorado.

Mais uma vez, repetem-se as velhas sistemáticas. Enquanto isso, de outro lado, produtores e distribuidores de softwares realizam uma pressão aos professores de cada disciplina para que os mesmos passem a adotar esse ou aquele software, da mesma forma como ainda ocorre com os livros didáticos.

Imaginamos esses cenários e queremos montar um espetáculo que não seja uniforme e que não seja inibidor dos movimentos individuais – de pessoas ou grupos. Precisamos pensar, para tal, na necessária ampliação das possibilidades de comunicação. Precisamos pensar, como Castells , na sociedade rede. Mas uma sociedade rede não só para os assuntos econômicos e sim para todos os campos do conhecimento. Precisamos, como afirma Boaventura dos Santos, ver este movimento de baixo para cima, ver a globalização como um processo de ampliação das culturas, das possibilidades de manifestações e produções de culturas e identidades.

O desafio, com esses cenários, é grande e não somente para países como o Brasil, que possui outros enormes problemas para serem enfrentados. Mesmo na Europa, essa é a ordem do dia. Como parte da Conferência Work Life 2000, em um dos seminários ocorridos em Bruxelas, Bélgica, cujo significativo título era: “inovações, melhoramentos ou simples transformações?”, uma das conclusões era:

Os participantes do workshop em Bruxelas tentaram, por exemplo, imaginar o que aconteceria com o conceito de aperfeiçoamento contínuo no ano 2020. Eles mapearem todo um conjunto de idéias sobre o que seria um bom futuro. A maioria das idéias foi deixada de lado ao longo do caminho e os participantes escolheram finalmente a melhor. A proposta vencedora foi a de que a União Européia, a Organização das Nações Unidas, os Estados Unidos e outras grandes organizações deveriam dar para o público em geral livre acesso à todas as suas informações através de uma conexão Internet gratuita e irrestrita.

Quem sabe, nesse cenário, ao pensarmos sobre aquela cidade no interior da Bahia, onde o velho agricultor ainda resiste em aceitar as mudanças do horário do verão, onde o novo tempo, by Swatch, não passa de pura abstração – virtualidade, quem sabe?! – a professora do curso de especialização não esteja com uma certa razão. Afinal, qual o oceano que nos separa deste mundo tão alucinado? Talvez, esta seja a nossa primeira questão.

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