Nelson Pretto e Adriane Halmann (*)

Desde 2005 implantamos na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia os Tabuleiros Digitais (http://www.tabuleirodigital.org/), projeto criado pelo nosso grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologia (GEC – www.gec.faced.ufba.br) com apoio da Petrobrás e da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do governo da Bahia. Os tabuleiros ficam espalhados pelas áreas livres da Faculdade, abertos a todos e com acesso e navegação livres. O que nos chama a atenção é que, diariamente, aqueles móveis parecidos com o das baianas que vendem seus acarajés e abarás pelos quatro cantos da Bahia, estão tomados pela meninada. Os tabuleiros são móveis simples, com banquinhos de madeira, dispostos em ilhas, com quatro computadores em cada e, claro, rodando software livre, numa versão que adaptamos do Kurumin. Toda manhã, desde cedinho, eles já estão ocupados prioritariamente por jovens entre 12 e 18 anos. O que chama sempre a atenção, é que esses usuários não são os alunos da Faculdade mas, muitas vezes, meninos que vestem camisa de uniforme das escolas públicas da região. Huuummm.. será que esses meninos estariam faltando aula para ficar na internet? Claro que isso nos preocupa mas, ao mesmo tempo, pensamos: não somos nós que temos que proibir a entrada deles, mas a escola que tem que avaliar o por quê dessa turma deixar de ir à escola para vir até os tabuleiros. Mais do que isso, pensamos que é muito grande a responsabilidade dos futuros professores que estão aqui na Faculdade sendo formados. De cara, estes professores em formação se deparam com um novo desafio posto: como atuar com essa meninada para compreender melhor o que está acontecendo se, de fato, eles faltam aulas para navegar na internet?
Por outro lado, quanto às escolas, notamos que muitas delas possuem laboratório de informática, só que, muitas vezes, eles estão trancados ou, quando abertos, com um número tão grande de regrinhas que é como se fossem fechados. São grades e cadeados engaiolando um mundo possível que passa a ser virtual – que existe apenas em potencialidade! – para aquele contexto e aquela meninada. Um mundo desconhecido para a maioria dos que habitam aquele tempo-espaço, inclusive seus professores, que também não podem apropriar-se dele, ou não notam a necessidade de envolverem-se com isso.
Vivemos em um tempo-espaço onde fazemos tudo agora, ao mesmo tempo, tempo precioso, que voa. Chamamos essa turminha desse tempo alucinado, de geração alt-tab, numa referência às duas teclinhas do computador que, quando apertadas juntas, colocam para a frente, uma das diversas janelas dos programas de computador, abertas simultaneamente. Diferente dos meios de comunicação tradicionais, especialmente a televisão, que nos fornecem informações de maneira dirigida, sem nos dar alternativas a não ser a de não vê-las, na internet, a coisa pode ser um bocado diferente. No caso da tv, somos consumidores das informações. No caso da internet – que agora só escrevemos com o “i” minúsculo – com os blogs, os fotoblogs e programas de bate-papo, podemos assumir um outro papel: o de produtores de informações, conhecimentos e culturas. São as tecnologias de comunicação e informação, que chamamos de TIC, modificando nossa forma de comunicar e abrindo novas e enormes potencialidades criativas, onde, potencialmente, qualquer um pode produzir e veicular a informação que for do seu agrado, usando a palavra escrita, digitada, mas também sons e imagens. É um mundo de informações que não damos conta, e nem poderíamos, afinal, não somos enciclopédias ambulantes! Exatamente aqui volta à cena o professor e seus novos desafios. Por que ter acesso a tudo isso e o que fazer com tanta informação?
Pensamos, e em nosso grupo de pesquisa trabalhos exatamente nas investigações sobre essas possibilidades, que esse conjunto de informações e tecnologias servem justamente para ajudar a criar uma nova compreensão da realidade, na busca de promovermos profundas transformações no contexto em que vivemos. Essas transformações serão possíveis graças às informações criadas em contextos cada vez mais específicos e disponibilizadas publicamente para serem re-escritas a cada dia por outros sujeitos. Pensamos portanto, em resgatar para a educação a perspectiva de colaboração que foi, cada dia mais, sendo afastada pela forte presença de uma lógica neo-liberal de pensar a educação e a escola como mercadoria. Talvez o grande exemplo do momento sejam os sítios wikis na internet, locais onde várias pessoas se reúnem para construções colaborativas, fazendo com que cada um desses meninos ou adultos possam criar um tópico interessante e, outro dia, outra pessoa, tenha um complemento, uma provocação ou uma resposta para enriquecer o seu tópico inicial. Existem vários mas lhe sugerimos visitar o wikispace para você ter uma idéia dessas possibilidades (http://www.wikispaces.com). Aproveite, entre nesse texto que você está lendo aqui impresso e já o postamos lá no wikispace exatamente para que você possa modificá-lo. Escreva sobre ele e, juntos,vamos descobrir outras possibilidades de produção colaborativa ( http://nelsonpretto.wikispaces.com/NHnaescola).
Como muito bem disse Mário Prata em um delicioso livro, Minhas tudo, “nunca uma geração de jovens brasileiros leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou ele está lendo ou escrevendo.”
Portanto, escrever, produzir, criar. E também ir ao encontro das informações, já que as possibilidades são inúmeras. Que tal fazer uma visitinha a um museu interativo durante a aula de física? Ou quem sabe bater um papo com alunos do Paraguai para entender como foi a eleição do seu novo Presidente e como isto afeta a nossa produção de energia? Quem sabe buscar projetos de educação ambiental e, com isso, articular sua comunidade para modificar o contexto local, além de produzir uma nova página na wikipédia atualizando os dados destas iniciativas? Claro que não acreditamos que dar receitas do que e como fazer seja o nosso papel e, além disso, é se apropriando das tecnologias, no cotidiano da sua escola, que cada professor, no coletivo, vai descobrindo novas e interessantes maneiras de usar a internet, o computador e todas as tecnologias que deveriam estar disponíveis para a escola.
Acreditamos que, articulando de forma intensa o uso e dando mais liberdade de navegação para a meninada, teremos uma maior abertura para o que há de interessante no ciberespaço e, com isso, poderemos transformar o currículo escolar, a escola e seus agentes. Agir de forma criativa, animados e integrando todas as possibilidades é, seguramente, uma importante frente a ser aberta na educação. Para isto, é necessário que estejamos abertos às novas práticas possíveis, novos espaços a serem explorados, tendo a meninada como aliada desses grandes desafios.
Foi este mundo que aqueles garotos que encontramos no Tabuleiro Digital ganharam ao descobrir que podiam quebrar o muro da escola, questionar o que lhe foi colocado. Eles descobriram que poderiam não só sentar no banco escolar, mas construir um outro mundo possível.

(*) Nelson Pretto, professor, e Adriana Halmann, doutoranda, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.