Artigo publicado na Revista Análise & Dados, Salvador/Bahia: SEI v. ago.99

Cristiana Serra *

Nelson (De Luca) Pretto **

… começa aqui meu desespero de escritor.(…); como transmitir aos outros o infinito Aleph, que minha tímida memória mal e mal abarca? Os místicos, em transe semelhante, gastam os símbolos: para significar a divindade, um persa fala de um pássaro que, de algum modo, é todos os pássaros; Alanus de Insulis fala de uma esfera cujo centro está em todas as partes e a circunferência em nenhuma; Ezequiel fala de um anjo de quatro asas que, ao mesmo tempo, se dirige ao Oriente e ao Ocidente, ao Norte e ao Sul. (Não é em vão que rememoro essas inconcebíveis analogias; alguma relação elas têm com o Aleph.)

Jorge Luis Borges, O Aleph

Talvez nos dias de hoje Borges não tivesse tanta dificuldade em encontrar uma metáfora para descrever o Aleph. Todas as analogias sugeridas pelo escritor argentino nos remetem à configuração do ciberespaço, esse grande hipermídia planetário onde não existe gestão centralizada. Um espaço caótico, polidirecional e auto-organizante. Uma espécie de raiz sem centro ou, quem sabe, de muitos centros, que se expande para todos os lados de forma complexa. Cada ponto da rede nos conecta a outros pontos que, por sua vez, também nos conectam indefinidamente a outros tantos. Navegar não é mais escolher um plano, programá-lo e simplesmente executá-lo. O ato de navegar é, em si mesmo, um ato impreciso. De múltiplas conexões e possibilidades.

Fala-se em milhões de páginas na Internet. Até mesmo este número é difícil de precisar, em função da velocidade com que se pode colocar um conjunto de informações na rede, publicando-as imediatamente em diversos sítios públicos, gratuitamente. Nem mais conhecimento da linguagem denominada HTML (HyperText Markup Language) é necessário. Um sítio de muitas páginas pode ser construído quase que simplesmente como se estivéssemos escrevendo um artigo num computador, usando um processador de textos qualquer.

Os sítios que abrigam páginas gratuitas proliferaram na rede nos últimos anos. São serviços disponibilizados para aqueles usuários que já têm acesso à rede através de algum computador e que desejam publicar suas páginas sem sofrer nenhum tipo de controle do dono do provedor, seja ele público ou privado. O pioneiro foi o Geocities <http://www.geocities.com> e hoje já encontramos tantos outros como o Yahoo <http://www.yahoo.com>, Excite <http://www.excite.com>, TerraAvista <http://www.terravista.pt>, Cadê <http://www.cade.com.br>, ZipMail <http://www.zipmail.com.br >

Mas, enfim, qual o número de páginas na rede? Chegar a este dado pode ser uma simples curiosidade, mas também é importante para provedores, usuários e pesquisadores que tenham o objetivo de entender um pouco mais o comportamento da Web. Mas a tarefa não é fácil. A organização W3C <http://www.w3.org> desenvolve pesquisas, analisando o comportamento da parte gráfica da Internet, conhecida como World Wide Web ou simplesmente Web ou W3. Uma de suas pesquisas foi justamente verificar o crescimento do número de usuários da rede. Durante a primavera de 1998, dois grupos, Research Institute (NEC) e Systems Research Center (DEC) trabalharam nessa pesquisa e empregaram a mesma base técnica, mas chegaram a diferentes números. Segundo a NEC, existem na rede 320 milhões de páginas, enquanto que, de acordo com a DEC, este número é de 275 milhões.(1)

A diferença encontrada é significativa e demonstra claramente a complexidade de análise do comportamento da Web. Para nós, no entanto, mais significativa é a análise da diversidade da WEB. Este mesmo grupo, pesquisando “onde nos levam os cliques na Internet,” chegou a uma conclusão que “pode surpreender você”, como eles mesmos ressaltaram em seu relatório: “50% dos cliques levam apenas 1% de sítios visitados e 80% dos cliques levam a apenas 26% dos sítios”.(2)

O gráfico a seguir, extraído desse documento, apresenta o comportamento dos cumulativos “cliques” e o número de sítios encontrados nessa pesquisa, possibilitando uma melhor visualização do fenômeno.

Fonte: http://www.w3.org/TR/NOTE-WCA

Mais do que surpreendente, tal resultado é preocupante. Preocupante porque a Internet tende a se tornar o maior repositório do conhecimento humano, embora ainda mantendo o mesmo estilo de concentração na produção do conhecimento e na divulgação de informações dos chamados tradicionais meios de comunicação de massa. Não chegamos a afirmar que temos o mesmo sistema de broadcasting, de distribuição de informações via meios centralizados, como vemos no caso dos sistemas de televisão. No entanto, nos parece um importante indicador para que possamos pensar na pouca diversidade de sítios sendo localizados por estas buscas, indicando-nos, consequentemente, a necessidade de um repensar a sistemática de produção e divulgação de sítios que expressem as diferentes culturas e valores locais.

Mesmo assim, achamos na rede informações sobre um universo muito amplo de temas e assuntos. Encontramos, embora talvez não sendo os mais procurados e divulgados, desde sítios sobre massas de ar na Ásia meridional à teologia na Idade Média, de paleontologia à poesia concreta, da arte indiana às teorias anarquistas. Fica claro que esse crescimento vertiginoso de páginas e usuários gera ansiedade e nos leva a perguntar se não estaríamos nos afogando nesse oceano informacional. Ao mesmo tempo que nos leva a pensar sobre a pretensão iluminista de abarcar todos os saberes da humanidade na busca de grandes sínteses, pensamos também, como Pierry Lèvy, que “a emergência do ciberespaço não significa em absoluto que ‘tudo’ esteja enfim acessível, mas que tudo está definitivamente fora de alcance.” (Lèvy, 1999).

A Internet está muito longe da idéia de enciclopédia imaginada por Diderot e D’Alembert. Poderíamos até pensá-la como uma “enciclopédia aberta”, apesar do evidente paradoxo aí presente. O caráter de abertura e não-totalização contradiz a etimologia desse termo, que surge do desejo de exaurir todo o conhecimento do mundo, encerrando-o em um círculo, em um mesmo espaço físico.

Bilbioteca = [Do gr. bibliothéke, pelo lat. bibliotheca.] S. f. 1. Coleção pública ou privada de livros e documentos congêneres, organizada para estudo, leitura e consulta. 2. Edifício ou recinto onde se instala essa coleção.

Novo Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio Buarque de Holanda Ferreira

Exatamente por conta desse universo de informações que se amplia e se transforma a cada dia é que Lèvy questiona: “O que salvar do dilúvio? O que colocaremos na arca?”. Imaginar que pudéssemos construir uma arca que contivesse o “essencial”, segundo esse autor, seria justamente ceder à ilusão de totalidade. Ele diz: “à imagem da grande arca, devemos substituir a flotilha de pequenas arcas, botes ou sampanas, uma miríade de pequenas totalidades, diferentes, abertas e provisórias, segregadas por filtragem ativa, perpetuamente retomadas pelos coletivos inteligentes que se cruzam, se chamam, se chocam ou se misturam nas grandes águas do dilúvio informacional” (Lèvy, 1999) Dilúvio, urge que reiteremos, ainda centrado nos grandes e poucos produtores.

Buscar informações espalhadas na rede era, até bem pouco tempo, um processo de tentativa e erro. Este processo de busca e acesso às informações foi denominado de navegação. Navegação por mares de poucos horizontes, onde pode não haver ponto de partida nem porto de chegada definidos a priori. Cada usuário, cada navegante, segue seu próprio rumo e toma diversos atalhos. Mas optar por permanecer à deriva não é uma tarefa fácil. Procura-se, então, encontrar – e, na sua ausência, criar – faróis, sinalizadores, mapas e bússolas, que possam servir de guia nesse oceano informacional. Como os velhos marinheiros, aventureiros que saíam em busca do desconhecido, com informações imprecisas sobre a rota a ser percorrida e o desejo do novo presente. Ao navegarem, ao descobrirem, criavam e alimentavam os mapas. O início das navegações, do surfar na Internet, também era caracterizado pela absoluta imprecisão. Isso sem falar na inicial falta de informações em outra língua que não o inglês, uma vez que o que se via nos primórdios da Internet era, praticamente, sítios somente em inglês.

Desvendar, criar mapas, orientar as navegações, estas eram – e ainda são! – palavras-chave nos primórdios da Internet. Foram assim sendo desenvolvidos inúmeros instrumentos para auxiliar esse processo. O objetivo, como sempre, era o de sistematizar dados. O primeiro passo foi a criação de ferramentas de busca automática, como o Yahoo!, Cadê, Altavista, que cada vez mais se sofisticaram e passaram a dar origem a outros mecanismos para a localização de informações na Web. Mecanismos que usam as próprias ferramentas de busca como sua base, numa espécie de metabusca. Nesta categoria temos o pioneiro no Brasil, Metaminer (mineiro mesmo, mas que segundo os seus autores deve ser lido como se fosse em inglês!), o Start Point TM, 37.com, entre outros. Aqui, em um mesmo sítio, pode-se realizar a busca usando um conjunto de outros instrumentos de busca, simultaneamente.

Yahoo <http://www.yahoo.com>

Cadê <http://www.cade.com.br>

AltaVista <http://www.altavista.com/ >

Metminer <http://miner.uol.com.br/ >

Start Point <http://www.stpt.com/ >

37.com <http://37.com>

Esses instrumentos de busca ajudam na descoberta dos sítios, mas também se constituem em elementos auxiliares para se perseguir o ideal de racionalização do conteúdo disponível na rede. As chamadas bibliotecas virtuais são criadas, então, como mais um passo na busca de facilitar essas navegações e podem ser identificadas como “a flotilha de pequenas arcas, botes ou sampanas” de que nos fala Lèvy. A partir de agora, passamos a examinar e caracterizar com um pouco mais de detalhes, essa miríade de pequenas totalidades que começam a surgir na superfície não-totalizável do ciberespaço.

Cibercopistas e ciberbibliotecários

Duas tendências vão marcar o aparecimento das bibliotecas virtuais. De um lado, a inicial catalogação do material existente nas bibliotecas, formando os bancos de dados que, em seguida, passam a ser disponibilizados na rede. De outro, o início da digitalização de livros e textos impressos já disponíveis nas bibliotecas tradicionais.

O surgimento da imprensa, inventada por Gutemberg (1397-1468) no século XV, a partir de várias outras descobertas técnicas que estavam sendo feitas nesta área, foi “estimulando e incentivando a produção literária e científica, uma vez que aumentava a rapidez de impressão e, consequentemente, de circulação dessas informações” (Pretto, 1996, p. 55). Desde então, a informação passou a ser divulgada e, principalmente, produzida num ritmo exponencial que nos leva a imaginar que as bibliotecas tradicionais estão à beira do seu limite de saturação.

“Estima-se que as maiores bibliotecas do mundo estão duplicando de tamanho a cada 14 anos, a uma taxa de 14.000 por cento a cada século. No início dos anos 1300, a Biblioteca da Sorbonne, em Paris, continha 1228 livros e era considerada a maior da Europa. Hoje, existem várias bibliotecas com um acervo bem superior a 8 milhões de livros cada uma.” (Wurman, 1991, p. 222)

Cada dia que passa as bibliotecas deixam de ser lugares quase sacros para o depósito de materiais preciosos e passam a incorporar novas mídias, ampliando de forma considerável seu acervo e acesso. A própria concepção espacial está sendo transformada. As bibliotecas vêm-se tornando espaços abertos, onde o(a) leitor(a) vive intimamente com os livros, discos, CDs, fitas, mapas, slides.

Umberto Eco, em O Nome da Rosa – o livro e depois o filme – descreve com detalhes a biblioteca de uma abadia no século XIII, onde os livros eram guardados a sete chaves. Os crimes temperam a descrição do ambiente. Malaquias, o bibliotecário, cuida do raro e valioso acervo. O velho cego, Jorge de Burgos, completa a cena. O monge Guilherme de Baskerville – no filme interpretado por Sean Connery – chega com o noviço Adson von Melk – no filme, interpretado por Christian Slater – e encanta-se com o que vê. É o acesso aos livros, o acesso ao saber, que estimula o noviço a refletir sobre a história de sua ordem e sobre o destino dos livros:

Eis, eu me disse, as razões do silêncio e da escuridão que circundam a biblioteca, ela é reserva de saber, mas pode manter esse saber intacto somente se impedir que chegue a qualquer um, até aos próprios monges. O saber não é como a moeda, que permanece fisicamente íntegra mesmo através das mais infames trocas: ele é antes como um hábito belíssimo, que se consome através do uso e da ostentação. Não é assim de fato o próprio livro, cujas páginas esfarelam-se, as tintas e os ouros se tornam opacos, se muitas mãos o tocam? (Eco, 1983, p.217)

Páginas que trazem emoções, informações, provocações e, até mesmo, veneno, como no caso do romance de Umberto Eco. Preciosas páginas que estimulam o curioso pensamento de Adson. Para ele, a preservação do saber estava condicionada à sua não-disseminação. E, hoje, com o recurso da digitalização, não só fica aumentada a possibilidade de circulação, como tende a desaparecer esse princípio de raridade. Cópia e original se confundem. Inverte-se portanto, o raciocínio do noviço: as obras são digitalizadas inicialmente por razões de conservação e, logo, passam a viabilizar a sua socialização. No entanto, isso não se dá de forma direta, linear e automática. O movimento é complexo aqui também e, inclusive, exige a presença de novos profissionais para trabalharem com este novo campo, encarregados agora da tarefa de transformar os “átomos em bits” e armazenar o conhecimento produzido para as próximas gerações: os cibercopistas.

De um lado, as maiores bibliotecas do mundo estão tendo seus acervos digitalizados, como é o caso da Biblioteca do Congresso Americano, da Biblioteca Nacional da França e da Biblioteca do Vaticano.

Biblioteca do Congresso Americano <http://www.lcweb.loc.gov/homepage/lchp.html>

Biblioteca Nacional da França <http://www.bnf.fr>

Biblioteca do Vaticano <http://www.vatican.va/biblioteca_vatic/index.html>.

Outras iniciativas locais vão aumentando este espectro. No caso da Bahia, podemos constatar que boa parte das principais universidades públicas baianas já está disponibilizando na Internet as referências de seu acervo bibliográfico tradicional.

O processo de informatização do sistema de bibliotecas da Universidade Federal da Bahia demandou um trabalho coletivo, envolvendo a administração central, a biblioteca central e todas as demais bibliotecas descentralizadas. O processo teve início em 1995, ocorrendo paralelamente ao processo de informatização de toda a UFBA. Um dos primeiros e difíceis passos foi a definição da plataforma que seria utilizada, evitando-se com isso a repetição de alguns equívocos já identificados em outras universidades do país. Simultaneamente começaram a ocorrer a qualificação de pessoal e o re-pensar de práticas acadêmicas e administrativas no campo das bibliotecas. O acervo começou a ser cadastrado na nova base de dados e já pode ser acessado interna e externamente à UFBA, através da Biblioteca Central

<http://www.ufba.br/instituicoes/ufba/orgaos/biblioteca_central>, com links para as demais unidades, <http://www.bib.ufba.br/scripts/odwp090c.dll?proflist>.

Antes disso, o catálogo da Universidade Estadual de Feira de Santana <http://www.uefs.br> já estava disponível para consulta em <http://200.223.167.3/scrpts/odwp000b.dll?DBLIST=uefs_por>e a Universidade do Estado da Bahia <http://www.uneb.br> também providencia a disponibilização do seu banco de dados bibliográficos.

De outro lado, merecem destaque alguns projetos internacionais que avançam na recuperação de livros históricos, paralelamente à grande discussão sobre o direito de autor (copyright). O Projeto Gutemberg é um destes e, talvez, o mais importante, com milhares de livros cadastrados e digitalizados <http://www.gutenberg.net>. Também nesta linha há o Bibliofind <www.bibliofind.com>, que, segundo a jornalista Maria Ercília, da Folha de São Paulo, “chega a dar vertigem, com seus nove milhões de livros usados e raros”.(3)

Outros grandes bancos de dados começam a surgir ampliando o conceito de biblioteca. Podemos destacar o caso dos dicionários, que tem como grande exemplo o Web of Online Dictionaries, com links para 800 dicionários, em 160 línguas. Se ampliamos para outras mídias como filmes, CDs, vídeos, encontramos, por exemplo, o Internet Movie Database, o Humanities Media Center, Film and Video Library, entre uma infinidade de outros exemplos.

Web of Online Dictionaries <http://www.facstaff.bucknell.edu/rbeard/diction.html>

Internet Movie Database <http://www.imdb.com>

Humanities Media Center <http://128.59.207.236:591/video/filsearch>

Film and Video Library <http://www.lib.umich.edu/libhome/FVL.lib/fvl.html>

No entanto, esse conjunto de sítios até aqui mencionados ainda se constitui numa transposição e adaptação do que já está impresso e disponível, publicado nos chamados meios tradicionais. Outro importante aspecto desta questão é a grande quantidade de artigos e periódicos eletrônicos já produzidos exclusivamente para a rede. Assim, a atividade tipicamente gutemberguiana de catalogação, indexação e compilação, estende seus domínios e ganha novas possibilidades na Internet. Junto aos cibercopistas, teremos agora ciberbibliotecários.

Bibliotecas?

Assistimos, portanto, a uma sinfonia de vários movimentos, que vai ampliando de forma considerável a informação disponibilizada no mundo todo. Como já dito anteriormente, o primeiro movimento foi – e ainda está sendo! – o de simplesmente transpor o mundo não-digital para rede. Criaram-se cursos on-line, que reproduzem escolas reais, construindo-se sítios onde encontramos portarias, secretarias, auditórios, salas de aula e, claro, bibliotecas. Estas últimas, espaços onde os livros estão depositados. Só que agora os espaços são medidos em bytes e não em metros quadrados. E os livros não são mais as matérias e os átomos, mas elementos de informação, os números 0 e 1, on ou off, que compõem a unidade computacional binária. O segundo movimento – adagio? – já em andamento, embora de modo um tanto incipiente, é o da produção de novos textos, hipertextos, hipermídias, com uma lógica diferenciada, ainda em construção.

Como uma espécie de submovimento, de intermezzo, surgiram as chamadas bibliotecas virtuais. Sem dúvida, um nome que precisa ser repensado neste novo contexto.

O que entendemos por biblioteca virtual é algo diferente do que costumamos definir como biblioteca desde a Antiguidade. Esse termo não é o mais apropriado, mas terminou sendo adotado, quase que universalmente, como um nome fantasia para aquilo que entendemos ser mais adequadamente um centro de referência digital.

No caso das bibliotecas tradicionais, o que prevalece é a idéia de coleção, ou seja, de acúmulo de informação, por acréscimo de novos exemplares. O conteúdo presente na rede, no entanto, está em constante mutação. É muito comum encontrar em vários sítios a expressão em construção, que, pela própria natureza da Internet, é uma expressão incoerente. Não faz sentido dizer que o sítio está em construção, uma vez que é absolutamente evidente que, por ser um sítio na rede, ele, potencialmente, estará sempre em construção.

Um livro, depois de publicado e adquirido pelo leitor passa a ser sua propriedade. O autor nada mais pode fazer sobre o que nele está escrito. Na rede tudo é diferente. Hoje encontra-se um texto que amanhã pode estar modificado, no exato mesmo lugar. Algumas vezes, sem nem sequer uma referência da modificação. A dinâmica, portanto, não se dá somente por simples acréscimo, mas pela renovação contínua. O próprio ato de citar um documento lido na rede exige novas normatizações que estão em discussão permanente. Um dos aspectos fundamentais nestas normas, que estão em processo de elaboração, é o da necessidade de se citar a data do download, da cópia do documento, quando sua origem é a Internet.

A longo dos anos buscou-se estabelecer critérios acadêmicos e editoriais para o referenciamento e citação de obras em outros trabalhos. Várias normas internacionais são adotadas e, no caso do Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) <http://www.abnt.org.br/ > possui um sistema de referimento e orientação para a questão, com vários comitês técnicos trabalhando permanentemente no tema.

Com a Internet e a quantidade cada vez maior de documentos que citam documentos da rede, alguns autores começam a buscar novos elementos e regras para estas citações. No texto A Internet como ambiente de pesquisa: problemas de validação e normalização de documentos online, Marcos Palácios (palacios@ufba.br) aponta alguns destes elementos.

“A citação de arquivos disponíveis na WWW deve conter:
Nome do autor;
Título completo do documento, entre aspas;
Título do trabalho no qual está inserido, em itálico (quando aplicável);
Data (mês e ano) da disponibilização ou da última atualização (quando disponível);
O endereço (URL) completo, entre parênteses angulares;
A data de acesso, entre parênteses.” (Palácios, 1996, p. 53)

Tudo é apenas uma questão de tempo. Como em todo período de transição, tendemos a utilizar os conceitos antigos, mesmo que não correspondam propriamente às novas situações. Também assim aconteceu com o programa PROSSIGA do CNPq <http://www.prossiga.br/rei.html> ao criar as “bibliotecas virtuais” que, mesmo mantendo essa denominação, foram concebidas segundo uma perspectiva mais abrangente. Nos sítios do Prossiga encontramos informações sobre cursos, eventos, projetos realizados e em andamento, instituições de pesquisa e uma série de referências que não estariam normalmente disponíveis em uma biblioteca convencional. Mais do que isso, no projeto de uma das bibliotecas, a Biblioteca Virtual de Educação a Distância (BVEAD), coordenada pelo nosso grupo, buscou-se criar um espaço maior, que viabilizasse a produção e divulgação de documentos e informações de forma mais coletiva. Isso, potencialmente, é o objetivo das Polêmicas Contemporâneas.

A Biblioteca Virtual de Educação a Distância (BVEAD) <http://www2.prossiga.br/edistancia/index.html> é um projeto integrado ao Programa PROSSIGA do CNPq em pareceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), através da Faculdade de Educação e do Instituto de Ciências da Informação. Como parte da BVEAD, as Polêmicas Contemporâneas se constituem em um espaço reservado para discussão de textos e questões relativos às diversas vertentes da temática da biblioteca. A discussão é encaminhada a partir de um texto escolhido previamente e ocorre em uma lista específica, a polemicaead@ufba.br.

Para se inscrever na lista basta mandar uma mensagem para listproc@ufba.br, sem subject, e no corpo da mensagem colocar apenas “SUBSCRIBE POLEMICAEAD Seu Nome” (sem as aspas). Cada usuário deve substituir “Seu Nome” pelo seu próprio nome. Espera-se, com isso, poder ter uma produção mais coletiva de conhecimento, uma vez que está no objetivo da BVEAD a sistematização destas discussões e a sua incorporação à própria biblioteca.

Neste sentido é que dizemos que o conceito de biblioteca virtual é limitante, pois, de certo modo, imagina a utilização da Internet exclusivamente como uma fonte para a consulta a bancos de dados e listas bibliográficas. No entanto, imaginamos a Internet como sendo muito mais que apenas um meio de informação. Ela é – ou melhor, deveria ser! – um meio para a troca de informações, ou seja, um ambiente comunicacional. E é por isso que pensamos na possibilidade de ampliação deste conceito e na constituição de um espaço que não só permita o acesso ao material de pesquisa de uma determinada área, mas também que possibilite o intercâmbio de experiências, a ação conjunta e a produção coletiva do conhecimento.

No caso específico do PROSSIGA, tenta-se avançar nesta dimensão comunicacional, através da criação de interfaces abertas que permitam a interação com e entre os usuários. Além do espaço já referido das Polêmicas Contemporâneas da BVEAD, todas as demais Bibliotecas trabalham com essas ferramentas, sendo a mais básica de todas o sistema de correio eletrônico, que pode se usado para enviar críticas, sugerir links e manter uma comunicação com a equipe responsável pela organização e atualização do sítio. Também estão disponibilizadas salas de chats e listas de discussão, buscando estimular as pessoas que compartilham os mesmos interesses – mesmo estando em espaços geográficos distantes – a formarem grupos e interagirem conjuntamente no ciberespaço, propondo novos textos e novas referências.

Separar o joio do trigo?

Na rede não há fronteiras. Nem reais, estabelecidas pelos limites físicos, nem virtuais. Um link acessado em uma biblioteca virtual nos leva instantaneamente a outro lugar, que, por sua vez, também é um não-lugar. O grande diferencial do hipertexto informatizado é justamente a velocidade e a perda da noção espacial. A passagem de um ponto a outro ocorre automaticamente ao clique do mouse. Ao contrário do que acontece quando consultamos os tradicionais índices remissivos, a referência é imediata e, em princípio, o texto vem até nós onde quer que estejamos.

Como já dito, a Internet soluciona o problema do armazenamento de informação. No entanto, há muito o que se resolver no que se refere aos mecanismos de processamento. A criação de bibliotecas virtuais está sendo, em nossa perspectiva, um primeiro passo nesse sentido. Sem mapas que apontem para determinados caminhos, achar uma informação específica na rede é tão difícil como encontrar uma agulha em um palheiro. Mesmo dividindo o grande palheiro informacional (a Internet) em pequenos palheiros (as bibliotecas virtuais), ainda assim não resolvemos o problema de como acharemos nossas agulhas.

Palheiros à parte, a primeira tarefa é separar o joio do trigo, sem, obviamente, considerar que necessariamente todo joio é ruim e todo trigo é bom. A idéia básica de que todos possam disponibilizar e acessar o que desejarem leva a extremos, ou seja, significa termos um conjunto de informações que tende ao infinito. Dessa forma, essas bibliotecas virtuais podem ser utilizadas como um artifício para facilitar a navegação daqueles que não querem, a todo momento, percorrer tudo outra vez. Seguindo-se alguns percursos por outros já realizados, poupa-se energia e economiza-se tempo.

Muitos autores consideram que existe na rede muito lixo informacional. O que é esse lixo informacional? Trata-se de uma discussão difícil, mas podemos fazer alguns exercícios de aproximação. Não resta dúvida, nos parece, que sítios que contêm informações imprecisas, estáticas, que não são submetidas a uma freqüente atualização ou, ainda, aqueles que possuem informações simplesmente copiadas de outros mídias, talvez possam ser enquadrados nesta classificação.

Poderíamos até afirmar que a função das bibliotecas virtuais seria justamente “garimpar” este lixo informacional. Aí nos deparamos com um grande problema. Afinal, a filtragem de informações pode ser também um meio empregado para privilegiar determinados interesses, priorizar certos pontos de vista, confundindo-se em alguns casos com a censura. Não devemos reproduzir na rede os convencionais mecanismos de legitimação do conhecimento e muito menos estabelecer critérios de seleção que definam o que é bom ou ruim para o pesquisador ou para o simples usuário. O que se pretende é fornecer mais detalhes, de modo a possibilitar que o navegador saiba que tipo de informação encontrará pela frente. Assim ele pode evitar determinadas rotas e não perder tempo visitando ilhas ou continentes que não lhes pareçam interessantes.

Os recursos de busca por palavras-chave, há muito utilizados nos fichários das bibliotecas tradicionais, são extremamente necessários, mas não suficientes quando transpostos para a rede. O resultado de uma busca, através da palavra “computador”, por exemplo, levará a um conjunto muito grande de informações que certamente não ajudará em nada o usuário. Criar categorias específicas pode ser útil para aqueles que não sabem exatamente o que querem procurar. Neste sentido, tomando como exemplo a Biblioteca Virtual de Educação a Distância, as informações foram classificadas e categorizadas. As categorias estão subdivididas por separadores e a todas, inclusive às subdivisões, são aplicáveis as chamadas palavras-chave. Na BVEAD podemos encontrar, por exemplo, as categorias artigos, cursos, dicas de financiamento, eventos, instituições de ensino e pesquisa, legislação, entre outras. Dentro destas categorias existem separadores, em diversos níveis, sendo o primeiro o que distingue sítios brasileiros e estrangeiros. Vejamos alguns exemplos: na categoria evento, o ano de realização funciona como um separador. Dentro de legislação temos as seguintes subdivisões: municipal, estadual ou federal. Dessa forma, o usuário pode, através da busca, chegar mais perto das referências necessárias para seguir seu próprio fluxo. Ao chegar à referência, uma breve descrição do sítio é apresentada, de tal forma que, mais uma vez, o usuário pode analisar se interessa ou não fazer a conexão com as páginas propostas. Pensamos que, com isso, amplia-se o espectro de acesso às informações e, assim, podemos contribuir para a construção de uma nova tipologia para a Internet.

Quem sabe o ciberespaço realmente possa materializar a utopia da “inteligência coletiva” proposta por Lèvy. “Uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências.” (Lèvy, 1998, p.28) As bibliotecas virtuais podem dar sua parcela de contribuição a essa proposta, na medida em que se consolidem como centros de referência digital sobre aquilo que vem sendo produzido em determinada área de conhecimento. E, para isso, todo saber precisa ter o seu valor, seja ele o saber do especialista ou o do cidadão comum. A produção do conhecimento deve ser o resultado de um processo crítico, público e comunal, no qual todos tenham participação. A rede pode representar, portanto, a possibilidade concreta de otimização desse processo.

Notas:

1 Documento disponível em: <http://www.w3.org/TR/1999/NOTE-WCA-19990319>. (Download em 11/05/99).

2 <http://www.w3.org/TR/NOTE-WCA/> Tradução nossa. (Download em 11/05/99).

3 Folha de S. Paulo, Coluna Netvox: O fim do vendedor de enciclopédias. Maria Ercilia. 17/3/99

Referências Bibliográficas:

BORGES, Jorge Luís. O Aleph. Trad. Flávio José Cardoso. 11. ed. São Paulo: Globo, 1997.

ECO, Umberto. O nome da rosa. Trad. Aurora Bernadini e Hoemo Freitas de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

LEVY, Pierre. A inteligência coletiva. Por uma antropologia do ciberespaço. Trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 1998.

_______. Educação e Cibercultura. <http://portoweb.com.br/PierreLevy/educaecyber.html> (01/06/99).

PRETTO, Nelson. Uma escola com/sem futuro. Campinas: Papirus, 1996.

PALÁCIOS, Marcos. A Internet como ambiente de pesquisa: problemas de validação e normalização de documentos on-line. Revista da FAEEBA. Salvador: UNEB/Faculdade de Educação, v. 5, n. 6, jul./dez. 1996.

SCHRAMM, Wilbur, PORTER, William apud WURMAN, Richard S. Ansiedade de informação. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1991.

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* Cristina Serra é Jornalista e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA.

E.mail: cserra@e-net.com.br

** Nelson (De Luca) Pretto é professor da Faculdade de Educação da UFBA. Doutor em Ciências (Comunicação) pela USP. Pós-Doutoramento no Centre for Cultural Studies/Goldsmiths College (ago.98-jul99) <http://www.goldsmiths.ac.uk/cultural-studies>. Bolsista do CNPq. Home-page <http://www.ufba.br/~pretto> Email: pretto@ufba.br