Nelson Pretto

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Para Licia Beltrão, competente na articulação das linguagens contemporâneas, com carinho.

Aplausos, claro… alguma dúvida?
A primeira razão para essa afirmação é simples: não devemos pensar nunca em censura, tanto para este tema como para qualquer outro. Educação é diálogo. É conversa, muita conversa, conversa boa que respeita o interlocutor. Temos que tratar de compreender, no caso da linguagem dos jovens, o que ela significa e como foi assim se constituindo, mesmo porque nada disso acontece do nada. Essa geração nascida no digital, tem outra forma de se relacionar com as tecnologias e com o mundo.
Por outro lado, essa outra (nova?) linguagem está intimamente relacionada com as tecnologias que são desenvolvidas historicamente pela humanidade. Somos parte desse processo de produção e criação dessas e de tantas outras tecnologias e culturas. Claro que as condições sociais e econômicas dos países e dos diversos grupos sociais fazem com que esse envolvimento e apropriação se dê de forma muito diferenciada. Assim, ao nos apropriarmos das tecnologias, ao tempo em que a utilizamos a transformamos, e é justo isso o que a juventude vem fazendo, criando novas linguagens e novas formas de expressão.
Chamamos essa turma de geração Alt+Tab (PRETTO, 2008), numa referência às duas teclinhas do teclado que possibilitam que sejam abertas várias telas do computador ao mesmo tempo, possibilitando que diversas coisas possam ser feitas simultaneamente. Assim, num mesmo momento, a meninada recebe informações e produz tantas outras, elabora conhecimentos e, principalmente, cria. E eles criam e re-criam muito. Inventam e re-inventam. Remixam tudo. Criam nas vestimentas, no uso dos adereços e utensílios pendurados no corpo (RUSKHOFF, 1999), na forma de ouvir e fazer música, na forma de riscar e rabiscar as telas, papeis e muros. Em outras palavras, trabalham com diversas linguagens, aquelas já instituídas e as novas que vão nascendo dessa relação com as tecnologias.
O sociólogo argentino Luis Alberto Quevedo acredita que esses meninos “vão criar as linguagens deles [e por isso] temos que admitir que existe uma multiplicidade de linguagens e que a escola deve estar atenta a essas linguagens”. (Quevedo, 2008). Ao fazer esse comentário ele se referia ao uso dos telefones celulares, que hoje possibilitam uma comunicação instantânea, formando verdadeiras redes.
Os celulares, mas não só estes, foram criados, apropriados e transformados por diversos mecanismos que têm, potencialmente, favorecido um outro tipo de escrita, assim como os blogues, wikis e twitter. Este, ao condicionar uma escrita de até 140 caracteres, obriga ao uso de uma linguagem mais enxuta. Nos celulares, por sua vez, com os SMS (do inglês Short Message Service – serviço de mensagens curtas), os textos precisam ser mais ainda reduzidos, obrigando o uso daquelas abreviações que irritam tanto professores e pais.
Sistemas como os wikis – para quem não sabe, espaços na internet onde textos podem ser criados coletivamente – vêm estimulado o crescimento de uma escrita colaborativa, algo que vinha sendo posto de lado nesta sociedade de competição generalizada. O mais conhecido wiki é a enciclopédia on line Wikipedia, que já está traduzida em mais de 260 línguas e possui cerca de 3 milhões de verbetes em inglês e quase 500 mil em português, escritos de forma colaborativa, tudo isso, usando o wiki.
Este texto que você está lendo impresso nesta revista, por exemplo, está também disponível num wiki público brasileiro chamado Wikispace, de forma que você pode continuar a (re)escrevê-lo (http://nelsonpretto.wikispaces.com/Revista+Presente), ampliando a relação autor-leitor, de forma colaborativa.
Para a educação, o fazer colaborativo tem imenso valor e precisa ser resgatado, juntamente com a generosidade, ambos em estreita relação com o que ficou conhecido como “ética hacker”, a ética dessa turma que criou a internet e que está produzindo e fazendo circular informações de forma aberta e livre pelo mundo afora. Os meios para tanto são inúmeros e justo neles temos as recriações linguísticas que, se de um lado merecem todo o nosso aplauso, de outro realmente demandam esforços para a sua compreensão.
A partir do uso dessas tecnologias na escola e da compreensão de que o seu significado não se limita ao seu uso instrumental (PRETTO, 1996, 2008), podemos compreender na prática que as linguagens utilizadas estão associadas ao seu suporte, ou seja, à tecnologia específica que se lançou mão (lápis, papel, tela, gravador, rádio, vídeo, computador) no processo criativo.
Essa relação com a tecnologia na maioria das vezes é um pouco complicada. Num passado recente, que ainda é muito presente, fazíamos crítica ao uso da televisão para educar através de aulas televisioanadas, com um professor falando para uma câmera. Esses projetos de educação pela televisão, com esse formato, na verdade o que fazem é destruir a característica fundante do fazer televisivo e os resultados, na maioria das vezes, são aqueles programas muito chatos e que, para nosso azar são chamados de educativos.
No que diz respeito às outras tecnologias de que aqui estamos tratando, temos que ter os mesmos procedimentos e cuidados, ou seja, é importante tratar do tema com a juventude, no sentido de fazê-la compreender a natureza de cada um dessas linguagens e dos suportes que são utilizados para produzi-las.
Porém, para aqueles que imaginam que essa discussão se restringe aos jovens, vale resgatar o trabalho de Karin Knorr Cetina e Urs Bruegger (2002), no qual analisam o que chamaram de “microestruturas globais”, a partir da observação das transações interbancárias planetárias, a partir da conversa de dois operadores do mercado de valores mundial. Nas telas dos seus computadores interligados, o tipo de escrita utilizado pode parecer esquisito neste texto, mas lá nada de estranho sinaliza, a não ser o fato de que bilhões e bilhões de dólares circulavam da conversa entre eles, o que, quem sabe, já era o prenúncio da crise financeira atual. Mas a crise não é o nosso tema aqui, apesar de estar mexendo com todos. O que importa agora, é ver a tela com a conversa dos dois operadores, um em Zurique, na Suíça, e outro em Londres, na Inglaterra:

1 FROM GB3 <Name of Bank>INTL LONDON * 1301GMT 251196*/3514
2 Our terminal: GB2Z Our user : <Name of Spot Dealer>
3 # TEST BACK LOWER RATES NOW…..
4 #
5 #INTERRUPT#
6 CAN I GIVE YOU 15 MIO USDCHF PLS
7 # SURE 83
8 GTEATEE TREE GREAT. TKS
9 # WELCOME….
10 # BUYING DM SFR HERE….
(CETINA e BRUEGGER, 2002, p. 943)

Dez linhas e uma negociação de 15 milhões de dólares. O importante para nos é constatar que a linguagem ali utilizada foi absolutamente adequada para o meio e para os seus fins.
Contudo, os exemplos econômicos às vezes são muito áridos. Outro tipo de apropriação das tecnologias, mais especificamente da internet, é o dos blogues, também este um fenômeno mundial não apenas para os jovens. Com rigor na ponta da língua ou melhor, do dedo, o escritor português José Saramago mantém o seu blogue (que hoje é o delicioso livro O Caderno, da editora Caminho, Portugal), para por na “página infinita da internet suas idéias sobre o mundo” (pag. 19).
Caetano Veloso manteve por um tempo determinado o seu rigorosamente bem escrito blog Obra em Progresso, durante o período de criação do seu disco zii e zie, lançado em abril de 2009 (e o blog fechado, para tristeza de muitos seguidores!). Aliás, é desse blog de Caetano que pego o mote para continuar a discussão aqui proposta. Em um dos seus posts, ele publicou um belo longo texto, que suscitou uma grande polêmica, sobre a importância da língua culta e da educação (VELOSO, 2009). E é este justo o nosso X da questão, pois não tenho dúvida de que necessitamos de uma sólida formação para a juventude, o que somente dar-se-á se, ao mesmo tempo, fortalecermos essas linguagens – inclusive recriando-a e estimulando a escrita a la “blz, to aki lgdo en vc” – e possibilitarmos um diálogo profundo com a língua culta.
Penso que não podemos desconsiderar essa forma de expressão mais aligeirada que, mais do que real, é fundamental, pois, como já disse, está associada ao meio tecnológico na qual é utilizada. Mais ainda, isso tudo articula-se a outras linguagens que também estão presentes e se intensificam de forma vertiginosa, como a dos vídeos, áudios, a produção multimídia e todas as demais formas de expressão contemporânea.
Assim, podemos falar em formação da juventude – e aqui temos que falar explicitamente em formação e não em treinamento – quando articulamos de forma intensa todas essas linguagens com a rica produção cultural histórica da humanidade.
E para que tudo isso aconteça não há melhor lugar do que a escola. Escola enquanto espaço físico mesmo, espaço do encontro das pessoas, das gentes que se tocam e se encantam umas com as outras. Só que, para tanto, temos que retomar um do meus temas preferidos: o papel dos professores. Essa escola a que nos referimos necessita de professores qualificados, bem remunerados, com adequadas condições de trabalho e animados para que, também eles inseridos no universo da cibercultura, possam dialogar intensamente com as tecnologias e a juventude.
Professores e estudantes, numa negociação permanente de linguagens e culturas, vão, assim, produzindo mais conhecimentos e mais culturas, relacionando o saber produzido naquele espaço específico com o que fora produzido historicamente. Desse modo, de mera consumidora de informações, a juventude passa à condição de intensa produtora de culturas e conhecimentos.
Tenho usando, de forma recorrente, um delicioso texto do escritor Mário Prata, no seu livro Minhas Tudos, que conta o seu envolvimento com a internet e sobre a produção literária dos jovens.
Mario Prata:

Quando eu ouvia um pai ou mãe dizendo “meu filho fica horas na Internet”, todo preocupado, eu também ficava. Até que, por força do meu trabalho, comecei a navegar pela dita suja.
E descobri, muito feliz da vida, que nunca uma geração de jovens brasileiros leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou ele está lendo ou escrevendo. E mais: conhecendo pessoas. E amando essas pessoas.
Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu tanto. E se comunicou tanto. E leu tanto. E amou tanto.
[…]
Essa geração vai dar muitos e muitos ESCRITORES PARA O Brasil. E muita gente vai se apaixonar pelo texto e no texto.
Existe coisa melhor para um escritor do que concluir isso? (PRATA, 2001, p. 14-16)
Blz.. opppsss… Beleza, acho que aqui não temos mais nada a dizer. Deixemos que o diálogo se estabeleça.

Referências

CETINA, Karin Knorr e BRUEGGER, Urs. Global Microstructures: The Virtual Societies of Financial Markets, American Journal of Sociology, 2002 107:4, 905-95.
PRATA, Mário Minhas Tudo, Editora Objetiva, 2001.
QUEVEDO, Luis Alberto El teléfono móvil se está transformando en un medio de comunicación, Educared, http://www.educared.org.ar/biblioteca/dialogos/entrevistas/entrevista_aquevedo.asp, 2008, acesso em 16.05.2009.
PRETTO, Nelson De Luca. Uma escola sem/com Futuro: educação e multimídia, Campinas, Pairus, 1999.
_ Escritos sobre educação, comunicação e cultura, Campinas, Pairus, 20089.
RUSHKOFF, Douglas. Um jogo chamado futuro: como a cultura dos garotos pode nos ensinar a sobreviver na era do caos, Revam, 1999.
SARAMAGO, José. O Caderno, Lisboa, editora Caminho, 2008.
VELOSO, Caetano Obra em Progresso, http://www.obraemprogresso.com.br/2009/02/21/carnaval, acesso em 25/02/2009.

Agradecimento especial a Ivone Sombra, pela colaboração na discussão do tema e cuidadosa revisão do texto final.

Pós-escrito
Ao terminar de escrever esse artigo, recebi a indicação desse belo trabalho A revolta das palavras digitais (em http://e-livros.clube-de-leituras.pt/elivro.php?id=arevoltadaspalavrasdigitais), que complementa bem o nosso texto.