Crise (permanente) na Cultura

Sexta, 9 de setembro de 2011, 11h28

 

Oito meses do governo Dilma e o Ministério da Cultura continua a ser destaque. Triste destaque, diga-se de passagem. Diferente dos oito anos da gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira. A evidência nestes meses vai para a falta de uma política cultural que enfrente os desafios contemporâneos e que amplifique e aperfeiçoe o caminho aberto e construído durante o governo Lula.

Na semana última, a saída da secretária de Cidadania e Diversidade Cultural, seguido de um ti-ti-ti em torno de outras demissões e desentendimentos, tomou conta das redes sociais.

Desde o anúncio da indicação do nome de Ana de Holanda foi intensa a discussão em função da insatisfação sobre a sua nomeação para o MinC, especialmente nas redes sociais e, logo depois, na mídia em geral. Tão logo assumiu, antes mesmo da equipe toda montada, o novo-velho MinC retira o selo Creative Commons (CC) de sua página e cria a primeira grande crise. Ato simbólico e que gerou imediata reação de brasileiros e estrangeiros. Isso porque, ao longo dos oito anos anteriores, o que se viu foi uma política cultural que transcendeu a dimensão da cultura pura e simples e foi muito além da ideia de cultura-espetáculo.

O selo CC foi apenas – e importante, claro! – marca daquele período e política. Merecem destaques os apoios à criação de videogames nacionais, a implantação dos Pontos de Culturas que, literalmente, explodiram numa rica produção cultural que tomou conta do país a partir dos mais de 3 mil pontos instalados, as profundas discussões sobre a legislação de direito autoral, sobre uma nova forma de se apoiar a produção de cultura com dinheiro público, o Procultura, as ações no campo da diversidade cultural, entre outras. Merece um destaque ainda – e para mim muito importante! – a cultura digital que, não só entrou na pauta do país, como ganhou espaço internacional.

Ações concretas foram iniciadas, como a implantação do importante Fórum de Cultura Digital, acompanhado da criação de um espaço (domínio) na internet especificamente dedicado ao tema (culturadigital.br). Aqui, um detalhe que pode parecer pequeno para muitos, mas que é de fundamental importância e revela a grandeza da iniciativa: a própria escrita deste domínio, não tendo um “.gov”, um “.com” ou nem mesmo um “.org”… é a indicação explícita – chancelada com clareza pelo Comitê Gestor da Internet – de que a cultura digital é aspecto estruturante do mundo contemporâneo, tendo um enorme significado simbólico. Foi assim se constituindo uma política de Estado, conferindo a importância que lhe é devida nesse momento histórico.

Ao longo de todo o início do governo Dilma, as reações às mudanças em andamento no MinC foram acompanhadas atentamente por integrantes dos Pontos de Cultura, por pesquisadores, professores e ativistas que defendem uma radical mudança na legislação do direito autoral em tempos de cultura digital, por muitos artistas que estão compreendendo a importância de políticas públicas que avancem na perspectiva de intensificar a produção cultural a partir da diversidade da sociedade brasileira e, com isso, fazendo com que o país assuma uma posição de vanguarda no cenário mundial.

Na última semana, por conta da nova crise, circulou pela rede uma “Carta Aberta da Sociedade Civil”, que assim se inicia: “A cultura do Brasil, seus produtores e agentes em sua mais rica diversidade, se engajou desde o começo do governo Lula no projeto de universalização do conhecimento, do acesso à produção de bens culturais e na distribuição do poder simbólico, econômico e político. Em outras palavras: construir agora o Brasil do futuro, apostando no desenvolvimento e na inclusão, contando com a ‘inteligência popular brasileira’ e a imaginação dos povos dos Brasis”.

O que se pede, com absoluta razão e clareza, é a correção nos rumos do MinC. E indica a necessidade de uma repactuação para que seja possível a retomada dos rumos já apontados. O que se está vendo é uma total desconsideração do que foi aprovado pelas Conferências de Cultura que aconteceram ao longo dos últimos meses do governo Lula e que se materializaram no Plano Nacional de Cultura.

Há, claramente, uma crise de legitimidade do Ministério da Cultura. Para além das questões específicas da Cultura, existem ações outras que demandam uma forte articulação entre o MinC e outros ministérios, a exemplo do MEC. Para ficar apenas em um exemplo, quando este último anuncia a sua disposição de investir na compra de tabuletas (tablets) para os alunos das escolas brasileiras, muitas questões envolvendo as duas áreas surgem: o que isso significa os jovens brasileiros, com um dispositivo móvel na mão, produzindo áudio, vídeo, imagem, em termos da produção autoral brasileira? Como viabilizar uma produção que não seja apenas aquela feita por autores consagrados cujos produtos passariam a ser “adquiridos” e distribuídos num modelo “broadcasting”, similar ao que hoje combatemos no sistema de comunicação eletrônica? Como ficará a adoção dos formatos abertos para essas produções? Como viabilizar que as produções emanadas dos Pontos de Cultura cheguem às escolas e aos alunos, seja através de tabuletas, do UCA, ou de qualquer outro dispositivo digital?

Estas são apenas algumas questões que nos vêem à mente e que precisam de um MinC atuante, forte, aberto e democrático.

Essa não não é uma construção simples. Demanda uma visão muito ampla de política pública que transcenda um ou outro ministério. Demanda abertura para politicas e projetos que atuem para muito além de suas próprias áreas e com intenso diálogo com a sociedade civil.

 

Link para o Terra Magazine | Replicado no Jornal da Ciência de 12.09.2011: clique aqui |

 

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