“UFBA, 77: e agora?” – artigo de Nelson Pretto em A Tarde 27/06/2023.

A Tarde: pdf do artigo

Em 2 de julho de 1946 foi criada a Universidade Federal da Bahia (UFBA) sob o mando de Edgard Santos, um médico aristocrata baiano que entendia o papel da cultura na formação da sociedade. No próximo domingo celebramos, junto com as festas da independência do Brasil na Bahia, seus 77 anos. Com Edgard e seu longo reitorado de 16 anos, a UFBA vibrava e vivia em simbiose com a sociedade baiana. Os anos foram passando, enfrentamos um golpe civil-militar em 64 e, com muito sofrimento e perdas, chegamos à Constituição de 88, com forte participação da comunidade da UFBA na sua elaboração. O país vem se democratizando e o ensino superior público foi ampliado de forma significativa nos governos Lula e Dilma. Só na Bahia passamos de sete instituições públicas de ensino superior para 12 (UFBA, UNEB, UEFS, UESC, UESB, UFRB, UFSB, UFOB, UNIVASF, UNILAB, IFBA e IF baiano).

Passada a pandemia da Covid19, estamos agora impactados por esse futuro presente no qual seguimos em marcha contínua como se fosse possível voltarmos ao que alguns insistem em chamar de normalidade. Que normalidade? A universidade, em todo o mundo, está esvaziada. De alunos, de professores e, o pior, de ideias. A universidade não encanta mais as juventudes. Eles(as) já não se interessam tanto pelo ensino superior, exceto pelo diploma, isso para aqueles que conseguem chegar ao fim: a evasão nas universidades privadas é de 59% e nas públicas 40,9%. E mesmo com diploma, ele nem mesmo será garantia de um futuro promissor: mais de 5,4 milhões de brasileiros com ensino superior não conseguem emprego.

O tema do esvaziamento dos nossos campi virou rotina na UFBA após o retorno das atividades presenciais. Vejo o mesmo aqui pela Espanha e também em outras universidades brasileiras, conforme recente artigo dos colegas Pierre Lucena e Silvio Meira (UFPE).

Esse dramático momento da universidade é também uma grande oportunidade para repensarmos como estamos produzindo ciência, cada vez mais centrada numa lógica produtivista que nos afasta do próprio pensar e de outros saberes da humanidade. É o que vem sendo conhecido como “ciência rápida” em oposição à proposta de uma ciência lenta (slow science). Ou, nas palavras de Antonio Lafuente (CSIC/Espanha), de uma SlowU (Universidade Lenta), mais centrada no fazer, no prototipar e na produção em comum para o bem comum. Hoje, pode parecer estranho conectar o tema da slow science com a questão da universidade, mas, quem sabe, essa possa ser a oportunidade, como afirma Isabelle Stengers, “de cultivar outras formas de valorização dos conhecimentos, que a conectem com o que ela soube evitar: a diversificação do mundo e a prova do que seria uma relação democrática com o conhecimento.”

Está mais do que na hora de pensarmos coletivamente o que queremos para a nossa UFBA de hoje e de um amanhã promissor. Assim, sem saudosismo ou apesar dele, celebrar o seu rico passado de 77 anos.

Replicado no Jornal da SBPC, clique aqui.

NelsonPretto

Professor (e ativista) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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