Quero ser um alienígena

terra

Quero ser um alienígena

Sexta, 13 de janeiro de 2012, 21h40

Nelson Pretto
De Salvador (BA)

Iniciamos 2012 com muitos planos e promessas de mudanças, que vão dos regimes e da malhação dos gordinhos ao compromisso de um melhor estudo dos estudantes, passando pela promessa de menos trabalho dos professores das universidade públicas, estressados pelas políticas produtivistas que assolam nossas universidades e alucinam todos nós.

Enfim, o final e o início de um novo ano é sempre um tempo de pensar sobre os rumos da vida e planeta. Momento de se fazer conexões com o passado, com o presente e com o futuro.

Neste período de férias, tenho o privilégio de estar em lugares que ainda me permitem olhar um pouquinho para os céus, para as estrelas, planetas e tudo mais que consigo ver lá em cima, alem dos aviões de carreira. Fazer algo que, hoje, a meninada urbana só consegue ver pela internet através do googlearth ou similares. Não que eu ache isso algo condenável, muito pelo contrário. São maravilhosas todas estas possibilidades trazidas pelos games e projetos que colocam o céu bem pertinho, na iluminada tela do nosso computador ou telefone celular. Termos a oportunidade de observar um céu estrelado, ao vivo e ali em cima, ou numa telinha aqui na nossa mão, é algo absolutamente fenomenal. É poder contemplar as estrelas e o firmamento, sozinhos ou na companhia de gente querida como os filhos. Uma contemplação que tem muita poesia, mas também, muita ciência. Compreender o que é cada um destes astros, como funciona o universo que vivemos e, mais do que tudo, refletir sobre o nosso papel no mundo contemporâneo, é um exercício muito rico para o entendimento da grandeza do universo e da nossa pequeneza neste espaço e tempo.

Lembro sempre do meu pequeno Davi, que lá pelos seus quatro ou cinco anos, comigo neste mesmo lugar onde hoje estou, que por sorte ainda tem um pouco menos luz do que as grandes cidades, quando admirávamos o céu de uma linda e estrelada noite. Estávamos só nós no gramado, nós dois mirando o céu, deitados no chão e olhando para cima com muita atenção, simplesmente contemplando tudo aquilo, seguindo cada rastro, cada luz, cada movimento ou simplesmente admirando o que parecia estar parado. Era um momento especial pois era o dia que Marte estaria mais perto da Terra e, portanto, mais iluminado, mais exuberante no meios de tantas outras estrelas que lá “piscavam”. Estávamos nesse lugarzinho escuro, silenciosos e respeitosos com o firmamento, quando ele disse ao meu ouvido: “Nelson, você sabe o que eu quero ser quando crescer?” e, meio que sem esperar minha possível resposta que, certamente eu não daria, respondeu de pronto: “um alienígena”!

Ah, querido e pequeno Davi, confundia alienígena com astronauta, típico dos momentos de aprendizagem das primeiras palavras mais difíceis do nosso vocabulário. Mas essa pequena confusão me fez pensar se, na verdade, num ato até premonitório, não estaria ele querendo mesmo ser um alienígena e não apenas um astronauta que, com um olhar já contaminado dos terráqueos, não teria condições de perceber – sem a dita objetividade característica da ciência moderna – o quanto estamos destruindo o planeta. Quem sabe não queria ele, com a ingenuidade dos seus quatro ou cinco anos, ser mesmo um alienígena, que lá de fora pudesse olhar para cá, para o nosso comportamento e, certamente, ficar espantando com as bobagens que fazemos nesse tão belo planeta e universo. Destruímos tudo: as árvores, as águas, os céus. Espalhamos lixo, plástico, consumimos de forma desorientada e tanto mais. Tudo numa visão imediatista, como se desejássemos resolver os problemas de hoje sem pensar um tiquinho nos de amanha.

Este é o ano da Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (www.rio20.info), que acontecerá em junho no Brasil, trazendo para cá autoridades, ambientalistas e ativistas de todo o mundo, para discutirem os rumos do planeta, 20 anos depois de da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED) que ocorreu no Rio, e 10 anos após a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (WSSD), ocorrida em Johanesburgo em 2002.

Não sei se podemos ter grandes expectativas, mas se mantivermos nosso comportamento ativista, inspirado pelos movimentos de 2011 como a “Primavera Árabe”, “Ocupa Wall Street” e similares, seguramente poderemos pressionar as nações participantes da Rio+20 a assumirem compromissos mais fortes com uma “economia verde para o desenvolvimento sustentável do planeta”, tema da Conferência.

Serão muitas as reuniões e atividades que antecederão o mega evento de junho e, junto com ele, um grande conjunto de eventos paralelos estará acontecendo. Certamente, em muitos deles, a temática da educação estará presente.

Lembro de novo do meu Davi e penso aqui comigo se, quem sabe, conseguíssemos olhar um pouco mais longe, não perceberíamos que nosso sistema educacional está mal das pernas, mas não por conta da menina não saber meia dúzia de teorias, mas por que essa escola não está conseguindo fazer essa turma jovem pensar e agir como cidadãos com a capacidade de criar e não apenas de reproduzir. Uma escola que estimule a turma pequena a olhar um pouco mais para os céus.

Nossa escola, também ela, virou excessivamente imediatista. Perdemos, ao mesmo tempo, a poesia e a ciência, e nos afundamos nas fórmulas e na memorização de conceitos. Perdemos a capacidade de pensar e admirar, o firmamento, o planeta e os próprios seres humanos.

 

Nelson Pretto é professor e já foi diretor (2000-2004 e 2004-2008) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Membro titular do Conselho de Cultura do Estado da Bahia. Físico, mestre em Educação e Doutor em Comunicação.
Terra Magazine
Leia esta notícia no original em:
Terra – Brasil
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5556175-EI17985,00.htm

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Deixe um comentário