A SBPC e a ciência na Bahia

O circo está armado. Era julho de 1981 e estávamos, sob o comando de Maria Brandão, então secretária regional, iniciando mais uma reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Éramos uma verdadeira multidão de participantes, muito por conta do crescimento da entidade, alavancado, entre outras coisas, pelo seu importante papel de resistência à ditadura militar e pela luta em defesa da democracia. Desde meus primeiros anos de universidade, ainda na década de 70, estava eu por lá, um jovem e barbudo estudante de Física, militando na histórica SBPC. Lutávamos em defesa da ciência, da educação, da cultura em nosso país. Era um momento muito duro, de muita repressão, e vivemos isso plenamente, especialmente na reunião do Ceará, proibida pelos militares e transferida para a PUC/SP, e as de Brasília, com os trágicos cercos pelo exército ao bar Beirute, reduto animado da esquerda.

O circo de 81 representou a ciência das massas e para as massas. Não era só o espaço para as atividades culturais, que eram muitas e animadas, mas o espaço dos grandes debates acadêmicos e, principalmente, políticos. O campus de Ondina da UFBA estava tomado por barracas de comidas e bebidas, gentes barbudas e cabeludas, cientistas anônimos e famosos, que ao passarem levavam junto uma legião de admiradores. Estes, atentos, lotavam as salas nas animadas conferências. Quanto o famoso era muito famoso, e o tema muito quente, a sala se tornava pequena. Imediatamente começava a gritaria: circo! circo!, indicando a necessária e imediata transferência para o grande palco daquela 33ª Reunião Anual. Emocionante!

Lembro também da histórica luta que travamos para a confecção do cartaz da reunião anual. Como sempre, São Paulo comandava e não aceitava que o cartaz fosse elaborado aqui na Bahia, o que defendíamos com unhas e dentes. Tínhamos criadores competentes e nosso desejo era de que o cartaz oficial tivesse a nossa cara. Conclusão: dois cartazes. O nosso, elaborado por Carlos Sarno, estampava a imagem de pessoas enfiando suas cabeças em buracos de um muro e saindo com elas… quadradas. Queríamos uma ciência redonda! Queríamos uma ciência redonda, que rolasse e levasse consigo uma multidão de jovens cientistas que não pensassem de forma quadrada, muito menos enquadrada. Uma ciência e uma entidade que compreendessem que fazer ciência é fazer política.

Em 2001, com a cidade sitiada pela greve das polícias civil e militar, recebíamos mais uma vez a SBPC na Bahia, e a Faculdade de Educação, da qual eu era diretor, com Mary Arapiraca (vice), abrigava quase mil estudantes inscritos. Foi uma loucura, mas não abríamos mão de lá recebê-los, porque, para nós, “lugar de jovem é na educação” e, com esse mote, montamos a infra para o alojamento desta animada turma.

Pois estamos de novo envolvidos na SBPC. Em Goiânia, esta semana passada, está acontecendo a 63ª Reunião Anual, na qual fui empossado como secretário regional para os próximos dois anos, juntamente com os colegas Alberto Brum e Edílson Moradillo, todos da UFBA. Teremos muitos desafios pela frente, sobretudo na Bahia, onde a ciência e a tecnologia vêm sendo tão mal tratadas. Nossa luta local não será pequena, mas estamos, como sempre, animados. Já assumimos o compromisso de montar para próxima eleição uma secretaria com colegas das demais universidades e centros de pesquisa do Estado, para que, assim, a SBPC aqui seja, de fato, da Bahia e não só da UFBA.

Temos muitas coisas a fazer. Uma delas, seguramente, vem de um aspecto pitoresco da SBPC na Bahia. As reuniões anuais aqui aconteceram em números cabalísticos: a 11ª foi em 1959, a 22ª em 1970 e a 33º em 1981. Perdemos a 44ª para São Paulo em 92, e recebemos “antecipadamente” a 53ª em 2001, sem ter esperado 2003 para sediar a 55ª. Seríamos o Estado da 11ª, 22ª, 33ª ,44ª, 55ª reuniões anuais! Quem sabe, não podemos ter a 66ª em 2014, junto com a abertura da Copa em Salvador. Esta pode não ser a mais importante das nossas lutas e metas, mas, no mínimo, é uma meta simbólica e, porque não dizer, divertida.

 

Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da UFBA – nelson @pretto.info

Publicado em A Tarde, de 14.07.2011, pagina 02.

Replicado no Jornal da Ciência da SBPC. clique aqui.

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