Nelson Pretto – professor associado da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info
Perdi recentemente um amigo muito querido. Ninguém esperava que Pi fosse nos deixar assim, tão abruptamente. Momentos de choque nos levam, de imediato, a pensar sobre a vida e não apenas sobre a morte.
Cemitérios são lugares especiais e, confesso, tenho certa admiração por eles – como lugares da arte, da arquitetura, da tristeza e, ainda, pela possibilidade que nos trazem de, na dor da perda, refletir sobre a vida. Outro amigo muito atento, Jairo, já havia percebido isso, tanto em nossas conversas ao vivo como nos meus Smogs – crônicas de viagens que escrevi durante meu tempo em Londres. O fato é que nunca em outros tempos estive neles com tamanha frequência, a me despedir de pessoas queridas.
Desta minha última vez, por ocasião da última homenagem a Antônio Paulo Lopes Freire – o nosso Pi – muito me impressionou a quantidade e diversidade de amigos que ele mantinha e o carinho com que todos, absolutamente todos, nutriam por ele. A consternação e perplexidade eram sentimento geral. Estava diante de nós, inerte, o outrora menino ali de Nazaré, o colega de escola e de bairro, o pai, irmão, marido, o médico e, principalmente, o homem que agora nos aprontava a sua última estripulia, aplicando-nos certeira rasteira, saindo das nossas vidas sem aviso prévio.
Pi representa um tipo de gente que tem se tornado raro neste nosso corrido e alucinado mundo. Um moleque gaiato, na sua sábia simplicidade de viver, de não complicar desnecessariamente as coisas, de não perder fácil o bom humor, com um aguçado dom da crítica e da piada, sempre juntas, não necessariamente nesta ordem.
Expressava ele, a todos, exatamente o que pensava, sempre de um jeito simpático/provocador que surpreendia o interlocutor, mas ao mesmo tempo seduzia. Sua leveza era desconcertante em tempos sisudos. Soube o meu amigo não se deixar contaminar pela hipocrisia, grosseria, arrogância, prepotência, pressa e competitividade desmedida, sintomas tão inerentes à nossa cambaleante sociedade. Ele era um daqueles tipos de gente que não perdia a piada por nada e, por isso, levava a vida com uma leveza que o fazia ser adorado principalmente pelos seus pacientes mais velhinhos. E complementa o amigo Caca: “e também pelos filhos dos amigos, que o adoravam!”.
No cemitério, pensei imediatamente em outra amiga, Denise, que adora ler a coluna “obituário” da revista The Economist, onde se faz pequena biografia dos que se foram. Ela apenas repete um hábito que os ingleses muito apreciam, mas que para nós causa até estranhamento. Eu também estranhava, mas fui me dando conta de que havia ali belos escritos sobre a vida e a amizade.
Com essa conjugação de reflexões e lembranças de tantos amigos, fiquei pensando: por que não escrever, também eu, algo tipo obituário, desta vez para homenagear a todos os amigos vivos e, particularmente, para celebrar a importância da amizade e a memória do querido Pi que acabou de nos deixar? Assim fiz. Pi, tenha certeza que vamos aqui continuar aprontando muito em ode à simplicidade da vida e à amizade, em sua homenagem.
Publicado no Terra Magazine de 13/08/2010. Veja lá.