Artigo em A Tarde: Em cinzas mais um pouco da nossa história

Em cinzas mais um pouco da nossa história

Nelson Pretto. Professor da Faculdade de Educação da UFBA. Conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciências (SBPC). nelson@pretto.pro.br

Acabamos de perder 200 anos de história, abrigada em mais de 20 milhões de itens do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, que ardeu em chamas na noite último domingo. Mais uma tragédia, como sempre anunciada.

Nos últimos dez anos, pelo menos oito grande catástrofes destruíram nossos significativos patrimônios culturais, alimentados pela ineficiência e irresponsabilidade do poder público. São de recente memória as labaredas que consumiram o Memorial da América Latina, a Cinemateca Brasileira e o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.

O Museu Nacional foi fundado em 6 de junho de 1818 por D João VI, no mesmo ano que, aqui em Salvador, instalava a Escola de Cirurgia da Bahia, no antigo Colégio dos Jesuítas, de 1553.

Arde no peito ver aquele fogaréu se alastrar pelo Museu Nacional, queimando totalmente o magnífico prédio principal, transformando preciosidades históricas em cinzas. Assistimos, perplexos, a manifestação visível do descaso de nossas políticas públicas que insistem em considerar que os recursos destinados à cultura, educação e ciência são gastos e, não, investimentos.

A SBPC está, desde os primeiros momentos da tragédia, acompanhando os colegas pesquisadores do Museu Nacional e, por eles, sabemos das perdas, que foram de grande monta, principalmente nas coleções situadas no prédio principal.

Ainda não temos noticia precisa sobre o estado do crânio de Luzia, o mais antigo registro de um ser humano nas Américas, encontrado em Lagoa Santa (MG). Estima-se que essa peça tenha mais de 11 mil anos. Resistiu ao tempo mas, terá resistido à tanta irresponsabilidade?

Sabemos que ainda está por lá, no meio dos escombros, a enorme pedra de 5 toneladas, o Bendengó, meteorito que caiu no sertão da Bahia, perto de Monte Santo. Ele foi achado em 1784, sendo transferido por ordem de D. Pedro II para o Museu Nacional em 1888.

A sociedade brasileira está perplexa e, em tempos de campanhas eleitorais, certamente vamos ouvir muitos falarem sobre a necessidade de preservação de nossa memória, que perdeu um significativo pedaço com este incêndio. O futuro pode ser muito pior se não for revogada a EC95, que congelou os gastos públicos por 20 anos. Por isso cobramos dos(as) candidatos(as) manifestações explicitas sobre a sua revogação.

Ao mesmo tempo, no plano local, precisamos olhar para o nosso patrimônio. Preocupa-me, sempre, a Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus, magnífico patrimônio cultural com mais de cinco milhões páginas de documentos na sua biblioteca, pinacoteca com mais de 200 retratos e um excepcional mobiliário de época. Temos o também o Museu de Arte Sacra, com um significativo acervo e, tudo isso, requer muito cuidado e investimentos.

Precisamos, em todos os tempos, preservar para conhecer o nosso passado, para que possamos viver o presente e construir o futuro.

em A tarde de 04/09/2018, pag. A3. Clique aqui para o pdf da página do jornal.

 

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