A leitura está de luto
Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da UFBA. Email: nelson@pretto.pro.br
[artigo publico em A Tarde de 13/06/2015, pag. 02. Clique aqui para o o pdf]
A notícia correu veloz: a Jornada de Literatura de Passo Fundo foi cancelada.
A reação de escritores, professores, jovens e crianças, foi de indignação. É inacreditável que um evento da magnitude da Jornada seja cancelado, mesmo em tempo de crise. Nesses momentos, lamentavelmente, sempre quem mais sofre é a cultura, considerada um artigo supérfluo, um mero adorno.
Estive na última jornada, em uma atividade no palco principal, numa enorme tenda, com dezenas de milhares de pessoas, para debater a convergências das mídias. Foi uma maravilhosa conferência-festa! Tudo para celebrar a leitura.
Isso mesmo, a Jornada de Passo Fundo tem sido uma verdadeira celebração à leitura e, o melhor, sem preconceitos. Lá, obviamente, fala-se muito em livro, no seu tradicional suporte impresso. Mas muito mais do que isso, a programação sempre vai além, com atividades considerando outros suportes, como tablets e celulares, e o que mais me impressionou, compreendendo plenamente as novas linguagens contemporâneas, os códigos, oferecendo à meninada oficinas para programação de computador e robótica, numa verdadeira “Escola Hacker”.
Essa é a jornada que está sendo destruída. Mas não nos calamos, fizemos na internet um manifesto que você ainda pode assinar, chamando a atenção “para o descaso sofrido pelas Jornadas Literárias de Passo Fundo, na pessoa de sua criadora Tânia Rösing, que, após trinta de anos de luta pelo fortalecimento do livro e da leitura, por falta total de apoio e de sensibilidade do Ministério da Educação, do Ministério da Cultura, das secretarias estadual e municipal de cultura de sua região e de patrocinadores, teve que cancelar a edição deste ano”.
Continuamos, no manifesto, a indicar o significado deste evento-processo: “em mais de três décadas, as Jornadas firmaram-se como um dos mais importantes eventos do país de incentivo à leitura e à escrita, reunindo nomes consagrados e aproximando autores, artistas e intelectuais aos leitores para, juntos, debaterem as mais diversas temáticas relacionadas à literatura. O número de participantes em uma mesma edição chegou aos mais de 35 mil, e, no somatório das três décadas, superou 180 mil”.
A preparação das crianças e jovens acontece muito antes do evento propriamente dito, dentro das escolas públicas, onde professoras animadas leem com seus alunos os autores que estarão presentes na Jornada, em carne e osso. Vale lembrar de que a cidade de Passo Fundo tem o maior índice de leitura do país (6,5 livros/ano/habitante contra 1,2 do Brasil), fruto, seguramente, desse belo trabalho. O evento é, portanto, o ápice de um processo que envolve encontros com autores, professores e estudantes. Os alunos leem e discutem os livros e vão ao evento incentivados a dialogar com seus escritores preferidos.
É lamentável que um trabalho importante como esse seja cancelado. Como diz o escritor gaúcho Carpinejar, “o reitor José Carlos Carles de Souza será conhecido como o gestor que terminou com o sonho da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo. Não é um bom epitáfio.”