Artigo meu em A Tarde de hoje, dia 03.05.2013, pagina 02. Clique aqui para para o pdf da página do jornal.
Ilustração de Cau Gomez, genial!
A labuta diária do professor foi sendo dificultada pelo excesso de demandas e cobranças, intensificadas pelo modelo neoliberal que trouxe para a educação palavras antes distantes do nosso campo como produtividade, produtivismo, performace, ranking, qualidade total, entre tantas outras. Mas nós, professores, somos uns otimistas por natureza! Vivemos e trabalhamos com uma dedicação que nos faz confundir os momentos de lazer com os momentos de trabalho.
Com estas palavras iniciei a apresentação do livro “Trabalho docente e saúde: efeitos do modelo neoliberal”, de Carlos Freitas (Editora da UEFS). A educação ocupa cada vez mais as páginas dos jornais e a agenda dos políticos, no entanto, parece-me importante explicitar que o trabalho do professor tem que ser compreendido para além da ideia de missão. Essa tem sido ideia constante no discurso de colegas que, compreendendo (ou apenas sentindo!) a dureza da profissão e, ao mesmo tempo, a sua importância, a associam a uma dimensão quase que espiritual, externa às motivações profissionais, algo que não teria relação com a necessária profissionalização do seu trabalho. Por isso, com muita frequência, surge a ideia de missão ou, muito pior e também bastante comum, a ideia do magistério como um sacerdócio. Penso, ser necessário superar essa perspectiva do trabalho docente e compreender que nossas condições trabalho pioram dia a dia, em todos o níveis e esferas.
O trabalho docente na rede particular foi precarizado, com rotinas intensificadas pelo formato de remuneração centrada na hora-aula e, obviamente, com a insegurança no emprego ao final de cada ano. Difícil situação a dos mestres, que precisam resgatar sua dimensão intelectual enquanto lideranças acadêmicas e políticas junto aos jovens, estes também fragilizados pela fragilidade dos laços familiares, como bem afirmou Freitas. Mestres que, agora mais do que nunca, precisam estar antenados às velozes transformações do mundo contemporâneo, principalmente as tecnológicas, que trazem mais e novas demandas para o próprio trabalho docente. Mestres que, como nós das universidades públicas, vivemos um “trabalho intensificado”, como muito bem apontaram Waldemar Sguissardi e João dos Reis Silva Junior (Editora Xamã).
Portanto, estamos todos nos mesmo barco. O barco neoliberal que transforma radicalmente o trabalho dos professores, já não fazendo mais tanta diferença se do setor privado ou público.
No caso das universidades públicas, estamos assolados por editais, projetos, relatórios e prestações de contas que nos afastam daquilo que é o fundamental do ser universidade: pensar e estabelecer a crítica. Passamos a atuar num correia de transmissão de políticas gestadas externamente e que, literalmente, nos empurram para um fazer, fazer, fazer, sem o devido tempo para o pensar. Acrescente-se a isso as dificuldades burocráticas da legislação que trata a pesquisa científica da mesma maneira que a construção de pontes ou estádios, estes, aliás, já tratados de forma diferenciada!
No caso da rede privada, Freitas identifica na sua pesquisa a existência de um “mal-estar docente” a partir da constatação de que o próprio tema da saúde passou a fazer parte da agenda sindical dos professores. O que constatamos é que, literalmente, os professores – em sua maioria comprometidos e lutadores – efetivamente “dão sangue” no seu cotidiano e este “dar sangue” também pode ser entendido como uma metáfora para as condições laborais com consequência para a sua saúde.
Educação, é tema atual que demanda uma leitura atenta do momento histórico, exigindo de todos, especialmente dos mestres, um comprometimento acadêmico, político e sindical que lhes possibilitem engrossar o caldo ativista daqueles que, como eu, considera a educação um importante espaço para a formação da cidadania e não apenas um local para consumo de informações.
São enormes os desafios, mas enorme é também o potencial de mudança, desde que compreendamos a educação como um direito e não apenas mais um serviço a ser ofertado à população.
Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – nelson@pretto.info
Texto muito legal Nelson! adorei! coloque no facebook ou me envie \’inbox\’, que eu queria compartilhar c/ amigos que trabalham com educação.
beijos
O Prof Pretto conhece a realidade de ser Professor no Brasil, especialmente na Bahia, independente da rede ser pública ou privada, da(s) modalidade(s) de ensino em que atua, vivemos num emaranhado de situações impostas pelo modelo neoliberal de gestão e organização que roubam-nos o tempo espaço para ler, refletir e atuar sobre a condição não profissional do professor, também educador.