Ativistas protestam pelo mundo
Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da UFBA – nelson@pretto.info
Desde o início desta última década, com a explosão do acesso à internet e o barateamento dos equipamentos digitais, a produção de imagens e informações deixou de estar restrita aos grandes conglomerados midiáticos e passou a ser prerrogativa de qualquer um, pelo menos potencialmente. Com os equipamentos mais baratos, tudo vai ficando mais fácil. Proliferam blogs, tuítes, páginas e textos nas redes sociais. Dados recentemente publicados (F/Radar) mostram que já são 29,5 milhões de brasileiros com mais de 12 anos que se conectam à internet em movimento, sendo 74% através de celulares. Lembro da construção do meu primeiro blog – SMOG – com crônicas quinzenais que fazia quando estava fora do país para um ano sabático. De lá, escrevia em html – a maioria dos leitores nem deve saber que diabo é isso, e nem precisa saber mais! – e, por ftp – ooppss! -, mandava os arquivos para o CPD de nossa UFBA e, assim, quase como um milagre, minhas crônicas estavam publicadas. Até hoje isso continua ali, como memória daquele tempo: http://migre.me/7pf5q
De lá para cá, tudo mudou, e muito. E rápido. Entre junho de 2003 e outubro de 2004, a blogosfera cresceu 8 vezes, chegando a 4 milhões de blogs. Hoje, existem cerca de 112 milhões e cerca de 120 mil são criados diariamente (Technorati). Nesse período, o número de usuários que assistiram vídeo nos Estados Unidos superou os 100 milhões e, no Brasil, 86,5% dos internautas com mais de 15 anos assistiram vídeos através da internet (ComScore).
A comunicação explodiu e o cidadão passou a estar em foco. A revista americana Time tradicionalmente escolhe um personagem para homenagear como “personalidade do ano”. Na sua edição de dezembro de 2010, estampou uma importante capa onde indicava, em letras garrafais, o personagem daquele ano: “YOU/VOCÊ”. Ou seja, o usuário/leitor/cidadão, que deixava de ser apenas um consumidor de informação e passava a ter a possibilidade de ser o produtor de informações. O mundo continuou mudando. Agora, em 2011, na sua última edição, a mesma Time escolheu para personagem do ano “THE PROTESTERS/OS ATIVISTAS”, indicando claramente uma qualificação do personagem anterior: do “Você” de 2010 para um cidadão ativo, que atua na sociedade e que, como vimos ao longo dos mais recentes episódios mundiais, modificou de forma substancial o Egito e a Líbia, para ficar só em dois exemplos. Estes protestos, conhecidos como a Primavera Árabe, se espalharam por Wall Street (Occupy Wall Street) e tantas outras ruas e praças do mundo. Um cidadão qualificado que, com uso pleno das tecnologias da informação, passou a fazer a diferença, trazendo para o debate outras formas de manifestação e de se fazer política, com consequências ainda não profundamente analisadas.
No Brasil, esses protestos ainda andam muito devagar. Não que aqui não tenhamos motivos suficientes. Os temos de sobra e isso merece um boa reflexão: por que ainda não nos mobilizamos de forma efetiva e contundente? No país, a corrupção grassa. Salvador também tem nos dados bons motivos para protestar. Contudo, parece que a onda de protestos aqui é muito timida!
Lembro de outros protestos de um passado recente como a Revolta do Buzu/2003, já objeto de artigo meu aqui em A Tarde, a partir da monografia de Genielli França da Silva (Faced/UFBA), onde fizemos uma relação destes movimentos com a educação.
A educação é um fenômeno que tem na escola um espaço fundamental, mas não limitada a este. As ruas, as ações sociais, as famílias, a vida cotidiana e, principalmente, a luta política, possuem também uma dimensão formativa básica dos jovens no mundo contemporâneo.
Cuidar de nossa cidade, de nosso país e do planeta, não pode ser tarefa exclusiva da escola, mas, seguramente, se esta estiver conectada com rede de qualidade, se os professores forem qualificados para tratar de todos esses temas, a escola da rua, a escola formal, o cidadão-aluno e o aluno-cidadão farão a diferença no mundo contemporâneo e, quem sabe, não serão eles os ativistas personagens de todos os anos.
Publicado em A Tarde em 01.01.2012, pag. 02. clique aqui para baixar o pdf da página do jornal.