Paulo Ormindo escreveu aqui belo artigo resgatando a triste situação do sistema de transporte público de Salvador, expondo a pobre atitude da elite empresarial e política baiana.
Viajar pela Bahia da década de 20 através do artigo, relembrar os trilhos e bondes que cortavam a cidade, a construção do elevador Lacerda, tudo isso mexe com a memória. Nos faz reviver momentos de um passado que fica na cabeça e no coração e que, com licença dos arquitetos, nos faz lembrar soluções que, se não eram as melhores do ponto de vista teórico, tinham um importante papel na cidade e na vida dos citadinos.
Os abrigos de ônibus do passado aqui de Salvador não me saem da memória. Tive a sorte de relembrá-los numa foto de Pierre Verger em exposição ano passado. Dois deles fizeram parte da minha infância: o do Campo Santo e o da Castro Alves. Com sua forma ovalada, postado no meio da avenida, com uma lanchonete implantada num dos seus cantos e que lhe dava sustentação, arquitetônica e existencial, impunha-se como monumento e marco. A lanchonete, além de vender uma das iguarias mais fabulosas da Bahia de rua, a banana real – que o colesterol não me permite mais deliciar -, tinha em sua proprietária o papel de sistema de informação mais perfeito do mundo: sabia ela que ônibus já havia passado, quanto tempo faltava para o próximo e quem já por ali havia estado e ido.
Seu perfil era singular. Com seu teto único, de forma arredondada, abrigava-nos, de fato, em todos os sentidos, diferente dos modernos de hoje. Eles desenhavam os contornos de nossa cidade daquela época e possibilitavam aos que iam e vinham estar no mesmo lugar, sabendo as noticias de lá e de cá.
Os tempos atuais, de BRTs e VLTs, não mais nos permitem comer banana real e sequer ver na cidade equipamentos urbanos que tenham aquela beleza arquitetônica e funcionalidades de um tempo de menor velocidade.
Triste Bahia, que não usa suas próprias experiências, sem saudosismo ou apesar dele (como diz Carlos Sarno, desde os tempos do nosso Movimento da Fábrica!), para pensar o seu futuro olhando um pouquinho para o seu passado.
Artigo de Nelson Pretto, enviado para A Tarde em 22/08/2011.