Recentemente, escrevi um artigo sobre a situação da educação no Brasil e no mundo. A partir de então, recebi boa quantidade de informações que alimentaram minhas reflexões sobre o tema. Relembrei do início da minha vida de professor na UFBA. Quando cheguei, na Física, em 1978, fui acomodado numa sala, com ar condicionado, mesa, máquina de datilografar, telefone, papel e caneta. Os livros de que precisávamos estavam na biblioteca, ou os comprávamos, porque também não se publicava tanto quanto hoje. Lá fazia minhas pesquisas e dava aulas.
O que aconteceu de lá para cá, foi uma transformação brutal no nosso jeito de viver na universidade. A pós-graduação ganhou força, apareceram os grupos de pesquisas cadastrados no CNPq e o Currículo Lattes – o Orkut da academia -, a CAPES intensificou a avaliação e… a guerra começou.
Com poucos recursos para pesquisas (o Brasil investe em C&T apenas 1,2% do PIB enquanto os Estados Unidos, por exemplo, investem 2,7%), a avaliação da produtividade – palavra estranha no campo científico, não? – ganha corpo, no Brasil e no mundo. “Publicar ou perecer” virou o mantra de todo professor-pesquisador. “Publicar em inglês”, complementa por email uma colega da Unicamp. Com a febre das publicações, surgem Congressos onde praticamente só acontecem apresentações de trabalhos. São pós-graduandos que, em 10 minutos, se sucedem apresentando duas ou três reflexões para outros colegas. Pobre círculo nada virtuoso que contribuiu apenas para incrementar os índices de produtividade, engordando os currículos vitae e garantindo aos programas e instituições melhor posicionamento no ranking estabelecido.
A universidade foi perdendo cada vez mais seu orçamento de custeio e as demandas tecnológicas aumentaram muito. Nesse panorama, temos que literalmente “correr atrás” de recursos através dos editais. Assim, cada grupo de pesquisa vive em função de sua capacidade de captação de recursos – quem diria que estaríamos falando assim no âmbito da universidade! – e transformaram-se em verdadeiros setores administrativos. Demandam secretários, contadores (esses, seguramente, os mais importantes!), constituindo um verdadeiro aparato burocrático para dar conta das cobranças formais de cada edital e prestação de contas.
E quando pensamos que já estávamos no limite, sabemos, através do blog Sciencia totum circumit orbem, que pesquisadores chineses estão recebendo um “estímulo” de 50 mil reais para publicar nas revistas de “alto impacto” científico (Science). Nos comentários que se seguiram ao texto, tomamos conhecimento, com a postagem de Renato J. Ribeiro, que a UNESP também está oferecendo um prêmio de 15 mil reais para quem publicar na Science ou Nature.
A medida que estas ideias começam a circular, pululam mais informações que apontam para o absurdo da competição estabelecida. Da Coreia do Sul chega a noticia do suicídio de quatro alunos e um professor da mais prestigiada universidade daquele pais. Por lá, a pressão é tão grande que, em abril passado, os alunos afirmaram em nota: “Estamos encurralados numa concorrência implacável que nos sufoca (…) Já não temos mais a capacidade de rir livremente.”
Sem a capacidade de rir, sem condições para pesquisar, numa busca desenfreada por recursos, estabelece-se na universidade um clima de concorrência absolutamente incompatível com o pensar universitário. Deixamos se ser o espaço da produção de conceitos, da crítica, da colaboração para o desenvolvimento de pesquisas e passamos a funcionar como… como uma empresa!
Lembro Milton Santos: “Essa ideia de que a universidade é uma instituição como qualquer outra, o que inclui até mesmo a sua associação com o mercado, dificulta muito esse exercício de pensar”. De fato, com um dinheirinho extra por cada publicação, atentos ao próximo edital, com a avaliação da CAPES batendo às portas, deixando todos de cabelo em pé, e com a lógica do “publicar (em inglês) ou perecer”, parece que estamos chegando perto do fim da universidade enquanto espaço do pensar e do criar conceitos. Viramos, pura e simplesmente, o espaço da reprodução do instituído. É o próprio fim da universidade.
O Fim da Universidade, publicado em A Tarde de 21/06/2011, pag. 02. | clique aqui para ter a página do jornal em pdf |
Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da UFBA – nelson@pretto.info