Tv digital com o pé no rural

Tv digital com o pé no rural
Nelson Pretto – Diretor da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info

Estava há poucos dias organizando um seminário sobre TV Digital na Faculdade de Educação da UFBA quando me deparei com um “Roda Viva” (TVE) entrevistando Lima Duarte. Exato neste dia, 18 de setembro, a televisão brasileira fazia aniversário, tendo nascido, em 1950, a partir do trabalho de atores e empresários que a construíram, meio que na marra, a partir do rádio, que desde aquele tempo tinha um forte vínculo com o popular. O curioso de tudo isso é que, com apenas 56 anos de vida, a televisão, nos moldes como a conhecemos, já está perto do seu fim. A rapidez com que as tecnologias vão chegando, se instalando e invadindo o nosso cotidiano é surpreende, quase espetacular. O crescimento da internet, o YouTube e outros sítios de veiculação de vídeos, impulsionados pelas enormes transformações tecnológicas, estão deixando essa televisão que conhecemos literalmente para trás.
Lima Duarte, no tal programa, recupera, a partir de sua própria experiência de vida, algo que foi fundamental para o crescimento da televisão brasileira: seu forte vínculo com o popular, o seu o “pé no rural”. Mas isso não pode se resumir em pensarmos na população, no povo, nas pessoas simples que fazem o nosso cotidiano, apenas como meros potenciais consumidores. É preciso ver com respeito essa população, lhes possibilitando exercer sua cidadania com a dignidade. Lima Duarte é um verdadeiro apaixonado por esse povo e por essa cultura, e diz isso com a qualidade de quem sabe o que está dizendo, por ter, ao longo dos seus mais de 50 anos de vida artística, vivido e nos feito viver inúmeras emoções e alegrias. Esse respeito pelas suas origens – com que carinho falou de seus pais, de seu povo e do seu interior rural! – faz dele um exemplo de dignidade, que deve ser lembrado quando falamos da televisão brasileira de ontem, hoje e, principalmente, de amanhã. Ontem uma TV que, talvez por não ter nascido com muito crédito, tivesse sido deixada para os radialistas que a sustentaram com improvisos cotidianos já que, em termos tecnológicos, não existia nem mesmo o video-tape, que possibilitou gravar e, o mais importante, editar as imagens e sons. Mas foram exatamente esses radialistas que deram a primeira feição mais popular da televisão brasileira. Hoje tudo é editado, com cortes rápidos, cheios de montagens e, principalmente, produzido de forma centralizada e sem menor possibilidade de que o interior do país possa se ver na TV. Tudo vem de fora, principalmente por conta das parabólicas que sintonizam basicamente emissoras localizadas no eixo Rio-São Paulo, e que, por exemplo, nesses tempos de eleição, faz com que até os políticos-candidatos sejam os de longe.
A TV Digital – se o jogo político e o grande capital “permitirem”, é claro! – , pode trazer para o país uma radical transformação na forma de se fazer televisão e, com isso, possibilitar uma presença mais intensa dos valores regionais no universo da comunicação brasileira, sendo um importante passo para o fortalecimento das culturas e das vidas de nossas gentes.
Num mundo com tantas alucinações e violência, recuperar essa dimensão de cultura do nosso cotidiano pode ser, quem sabe, nossa única saída. E a televisão digital pode ser um importante elemento para essa radical transformação, se não a deixarmos ser apropriada, como tudo, pelos poderosos de sempre.

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