Nelson Pretto – Diretor da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info
O acelerado mundo contemporâneo tem deixado duras marcas em nosso cotidiano. Vivemos num mundo de altas velocidades e não mais a velocidade dos movimentos naturais. Distante de nós está o tempo medido pelo nascer do sol, pelo sol a pino ou pelo pôr-do-sol, que definia a hora de ir para a colheita, almoçar ou de voltar para casa após mais um dia de labuta.
Estamos imersos no tempo da computação, do nano-segundo, da velocidade exagerada. Um tempo que tem introduzido no nosso cotidiano o que alguns autores chamam como oitavo pecado capital: a pressa. Não temos mais tempo para nada! Aqui na Bahia, uma maravilhosa expressão popular designa uma longa espera: “Tô aqui há uma hora de relógio te esperando!”.
Imagina… uma hora de relógio! A impressão que temos é que transcorreram muito mais do que sessenta minutos… é um outro tempo! A hodierna sensação de absoluta exigüidade do tempo está relacionada à intensa velocidade de circulação de tudo, o que vem afetando e determinando a forma como o planeta se organiza e, como não poderia deixar de ser neste mundo capitalista, a economia é quem mais se modifica e, principalmente, modifica o nosso cotidiano, interferindo e criando a tão comentada globalização. Globalização essa que existe por conta, também, da expansão violenta de um outro setor, a mídia, que “conecta” todo o planeta.
Conecta?! O que significa, de fato, essa idéia de um planeta conectado? Precisamos qualificar isso ou será suficiente afirmarmos que mais de 90% dos domicílios brasileiros possuem aparelhos de rádio e televisão e que isso já significaria que a população estaria integrada? Claro que não, pois esses equipamentos possibilitam apenas que a informação seja recebida, nada mais. Verdade que isso não é pouco, se compararmos com tempos passados.
Mas significa que somos inundados com informações produzidas e distribuídas de forma centralizada, geralmente nos grandes centros, do País ou do mundo.
No entanto, prevalece a falsa idéia de que estamos todos conectados. Falamos com intimidade da eleição americana ou italiana, dos distúrbios da França e da violência em São Paulo, da mesma forma que comentamos a eleição para prefeito de nossa cidade, seja ela grande ou pequena.
É quando falamos das pequenas cidades que as coisas se complicam mais ainda porque, quanto menor ela for, mais “desconectada” estará, de sorte que são ainda maiores os mecanismos de exclusão a deixar sua população sem informações, não poucas vezes, das suas próprias problemáticas.
Os leitores do interior do Estado sabem bem do que estou falando.
É o jornal que só chega mais tarde, as televisões que normalmente só sintonizam, via parabólicas, as emissoras do centrosul ou da capital. Essa é a idéia do “broadcasting” veiculada pela mídia eletrônica, que se apropria muito intensamente de todas as tecnologias, deixando transparecer que a grande circulação de informações, por si só, garantiria democracia, participação e exercício da cidadania.
Ledo engano! Ao contrário, essa explosão de comunicação termina contribuindo com a nossa alucinação temporal, já que provoca em nós a sensação de pertencermos, ao mesmo tempo, a quase todos os lugares do planeta.
Muitas vezes, estamos mais próximos do mais distantes do que do vizinho do lado ou do colega de sala. Esse tempo alucinado, que não nos possibilita um pensar sobre ele próprio e sobre as nossas ações cotidianas, é um tempo do olhar para si mesmo e muito pouco para o coletivo.
Nossos limites parecem ser ignorados e, principalmente, ficam embotadas as nossas potencialidades e possibilidades de construirmos um outro mundo (um outro mundo é possível!) com base em valores como a ética e a solidariedade, que foram sendo perdidos, deixados de lado, ou, o que é pior, transformados em mais uma mercadoria que pode ser negociada.
Retomar e qualificar essa questão é mais do que fundamental quando desejamos transformações profundas nesse nosso tempo, as quais, evidentemente, podem ser auxiliadas e facilitadas pelos avanços científicos e tecnológicos. Mas precisamos estar atentos. Como faz o Paulo Vaz, da UFRJ: “Nossa responsabilidade requer a aliança entre a ciência e a democracia, e não apenas aquela entre a ciência e o capital”. Talvez aí resida a nossa esperança e fé de que possamos andar a favor e não mais contra o tempo.