Artigo publicado na Revista Brasileira de Educação, Mai/Jun/Jul/Ago 1999 n° 11.

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Nelson Pretto – FACED/UFBA

Texto produzido a partir das pesquisas do autor Educação e Novo milênio: as novas tecnologias da comunicação e informação e a educação e Tecnologias da Comunicação e Educação durante o pós-doutoramento do autor no Centre for Cultural Studies/Goldmiths College [http://www.goldsmiths.co.uk/cultural-studies].Ambas com apoio financeiro do CNPq. Meu especial agradecimento a Marília Gouveia (Faculdade de Educação/UFG) pelas fundamentais críticas à versão inicial deste texto.

Nelson Pretto é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Doutor em Comunicação pela USP (1994). E.mail: pretto@ufba.br Home-page: http://www.ufba.br/~pretto Fax: + 55 (0)71 235 2228

Educação e inovação tecnológica: um olhar sobre as políticas públicas brasileiras

Resumo

Transformações significativas estão ocorrendo em todas as áreas do conhecimento com um desenvolvimento científico e tecnológico que aproxima de forma inexorável potências humanas e máquinas. Os sistemas de comunicação ganham especial impulso com este desenvolvimento e passamos a viver numa sociedade da comunicação generalizada, numa sociedade rede. Este texto analisa o conceito de rede, rede sociocultural e tecnológica, que passa a ser fundamental para ampliar a nossa compreensão do mundo contemporâneo e dos reflexos no sistema educacional.

Num segundo momento do texto, é feita uma análise do discurso governamental sobre os projetos de implantação das tecnologias da comunicação e informação – especialmente televisão e computadores – no sistema educacional brasileiro.

Palavras-chaves: educação e comunicação; Internet; informática educativa; telemática; tecnologia educacional; políticas públicas;

Um mundo em transformação

Vivemos um momento especial da história da humanidade. Grandes transformações estão ocorrendo em todo o planeta, com grande velocidade e difícil dimensionamento.

Um dos conceitos chaves deste mundo contemporâneo é conceito de rede. Este não é um conceito novo que surge somente neste final de milênio. No entanto, é a partir da segunda metade deste século ele passa a ganhar uma dimensão mais planetária, ampliando-se de forma considerável. É importante aprofundá-lo articulando-o com o desenvolvimento crescente das tecnologias de comunicação e informação para, com isso compreendermos sua relação com a educação.

A idéia da primeira máquina que possibilitasse o processamento de dados de forma mais veloz vem do início do século, quando, em 1925, foi desenvolvida no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, a primeira máquina de calcular eletrônica.

Mas é somente a partir da segunda metade deste século que este intenso movimento de transformações científicas e tecnológicas se manifestam com mais intensidade, a partir da invenção do transistor, em 1947 por John Bardeen, Walter Houser Bratain e William Bradford. Esta novas descoberta começou a revolucionar o mundo das máquinas e dos equipamentos e, alguns anos depois, deu-se início à chamada miniaturização das tecnologias, promovendo um grande impulso em todo o desenvolvimento dos sistemas de comunicação em informação, com especial ênfase para a televisão.

Com este impulso, novas formas de comunicação foram introduzidas e, hoje, discute-se a televisão segmentada, a televisão interativa, o telecomputer, a automação dos sistema informacionais, as sinergias e megafusões de grandes empresas do mercado audiovisual e de comunicação. Estes intensos movimentos de transformações fazem com que atualmente uma única geração seja capaz de acompanhar o nascimento e a morte de uma tecnologia. Geroge Gilder e Nelson Hoineff são dois autores que fazem uma interessante retrospectiva deste alucinado movimento e são leituras indispensáveis para aqueles que querem compreender o que nos espera em termos de equipamentos de comunicação.

São muitas as tentativas de sistematização da evolução científica e tecnológica no mundo das comunicações. A invenção do transistor e o conseqüente desenvolvimento dos sistemas computacionais são sempre apontados como marcos importantes neste universo. Para Leila Dias , podemos analisar este recente desenvolvimento em três fases. A primeira, durante à década de 70, fez com que a informática fosse sendo gradativamente introduzida na sociedade mas, ainda como algo traumatizante, mais próximo da alquimia, com os computadores de grande porte (main frame), geralmente instalados em salas especiais, isoladas, centralizadas, com pessoal altamente especializado. A palavra básica que representaria este momento é a de um sistema basicamente centralizado. Quando em 1970 é lançado pela Canon no Japão o Pocktronic – o primeiro computador de bolso – percebe-se um movimento de transformação muito forte surgindo, durante esta década, o microprocessador (micro processing unit) e a CPU (Central Processing Center), conhecida como o cérebro do computador. Definitivamente, este cenário começou a ser transformado. Nasce assim a micro informática, constituindo-se na chamada segunda fase do recente desenvolvimento tecnológico. Implantam-se as redes, conectando computadores em tempo real. Ao longo da década de 80 instala-se a chamada terceira fase, com o aumento da capacidade de análise instantânea de dados paralelamente ao barateamento dos equipamentos. Este aumento de processamento dos dados e as pesquisas com vistas a uma maior integração dos computadores que cada dia mais se espalhavam pelo mundo, foi mais uma vez, mudando este cenário, dando especial impulso à história da humanidade. Novos atores entram em cena. Fala-se, então, em descentralização dos sistema, em redes interativas, em conexões em tempos reais.

A enorme diminuição dos custos dos equipamentos eletrônicos foi dando outro significativo impulso na área, com reflexos em toda a sociedade. Simultaneamente desenvolvem-se os equipamentos de conexões (comutadores, hubs, fibras, modens) e a indústria do software também busca atingir outro patamar e desenvolve-se de forma acelerada, dando especial ênfase ao desenvolvimento de programas para serem usados nas redes.

A Internet passa a fazer parte da realidade do mundo acadêmico e, rapidamente, vai se despontando como importante elemento de conexão entre equipamentos e, com isso, introduzindo novas formas de se produzir conhecimento e cultura. Ao estabelecer estas conexões entre equipamentos, estas redes começam, também, a estabelecer os links entre diferentes culturas que agora passam a ter a possibilidade, pelo menos potencial, de se comunicar, se expor, de intercambiar multi-relações entre sujeitos e máquinas.

O conceito de rede passa a ser um elemento chave deste momento e está sendo objeto de análise em diversos campos do saber. Ele ganha importância no mundo contemporâneo mas, como afirma Leila Dias, ele não é recente. Em eu texto Redes: emergência e organização ela recupera a trajetória deste conceito desde a segunda metade do século XIX, onde rede passa a assumir importante papel como elemento de organização dos territórios, em função da implantação das grandes malhas ferroviárias que cortam os Estados Unidos da América de costa à costa, introduzindo novos elementos culturais, com reflexos na organização de todo o sistema social.

No mundo contemporâneo, novamente, as redes, agora não mais malhas ferroviárias mas malhas óticas e eletromagnéticas, voltam a se constituir em elementos estruturadores de territórios, de novas formas de agir, pensar, sentir. Alguns elementos deste conceito de rede precisam ser aprofundados porque, assim como Castells, acredito que vivenciamos o nascimento de uma sociedade rede (Castells, 1996). Para a perspectiva deste trabalho considerarei como básico o texto de Castells A Era da Informação: economia, sociedade e cultura, e o trabalho de sistematização feio por Tamara Benakouche em sua pesquisa sobre o papel das telecomunicações na criação do espaço urbano. Benakouche considera como característica básica das redes de telecomunicações a conexidade, a conectividade, homogeneidade, isotropia e nodalidade. A conexidade é a propriedade essencial de uma rede pois é ela quem garante a relação entre os subsistemas que compõem a rede. É ela que garante, portanto, a coesão do sistema. Para ela, um exemplo de uma rede fortemente conexa seria a rede viária dos países desenvolvidos. A conectividade é a ligação entre os elementos deste sistema, que nos remete á idéia de circulação. “Uma forte conectividade conduz a uma espécie de supra-conexidade, ampliando as malhas da rede e reforçando seu caráter solidário vis-a-vis do sistema” (Dupuy apud Benakouche, 1995). Outra característica das redes é a homogeneidade, “envolve a idéia de correlação espaço-temporal e traduz a coerência no tempo ou em um espaço das entradas e saídas entre os elementos do sistema.” A isotropia é a característica que nos possibilita ver a rede enquanto um conjunto homogêneo e, portanto, também tem a ver com esta correlação espaço-temporal. “De uma maneira geral, isotropia (ou grau de isotropia) da rede significa que todas as ligações da rede são equivalentes do ponto de vistas das relações estabelecidas entre os elementos do sistema (ou com o meio ambiente)” (Dupuy apud Benakouche, 1995 – grifo meu). Por último, a nodalidade que é a característica da rede que “permite caracterizar os nós da rede do ponto de vista de sua capacidade relacional para o sistema” (Benakouche 1995).

Castells analisa a presença das tecnologias na sociedade contemporânea buscando compreender melhor quais são as características que constituem o coração do paradigma da tecnologia da informação. Para ele, são cinco estas básicas características. A primeira é que a informação é a própria matéria bruta deste paradigma tecnológico. Um segundo elemento caraterístico é a “penetração dos efeitos das novas tecnologias”. Para ele, “porque a informação é parte integral de toda atividade humana, todos os processos de nossa individual ou coletiva de existência são diretamente afetados (embora certamente não determinados) pelos novos meios tecnológicos” (p.62). A terceira característica, que é umas das mais fundamentais para a perspectiva deste texto, é a existência de uma lógica própria das redes de comunicações. As demais características são a flexibilidade e a convergência das tecnologias específicas num sistema altamente integrado, no qual, cada tecnologia separadamente, torna-se absolutamente indistinguível (p.62).

Todas estas características são apontadas como fundamentais por estes autores e, aqui, destaco a importância da idéia de equivalência. Ela é fundamental no atual contexto mundial uma vez que não podemos imaginar a implantação destes modernos e velozes complexos de comunicação digital se continuarmos a pensar que estas redes se instalam sobre espaços vazios. Ao contrário, como afirma Dias, as redes se instalam sobre uma realidade complexa e não em espaços virgens (158). Neste sentido, torna-se urgente compreender que a implantação e ampliação destas redes de comunicação, pressupõe a existência de nós fortalecidos (valores/culturas locais) e, principalmente, com alto nível de visibilidade e flexibilidade. Visibilidade e flexibilidade estas que só serão conseguidas se, além da necessária presença dos elementos técnicos básicos (fios, cabos, linhas telefônicas, satélites, trasnponders, televisões, computadores, centrais de comunicação), tivermos ao mesmo tempo os elementos culturais produzidos e amplificados a partir das culturas locais.

É, portanto, fundamental estabelecer uma mais ampla compreensão deste conceito e destas relações, agora introduzindo uma nova e básica relação, uma relação entre o que chamo de local e não-local (*). Considero-a básica para a compreendermos o papel da escola nesta virada de milênio uma vez que entendo só ser possível sobreviver com autonomia e independência num mundo de conexões como a que estamos a nos referir até aqui, aqueles povos e culturas que conseguirem estabelecer relacionamentos com o conjunto da rede de forma intensa e com valores culturais locais potencialmente fortes para serem disponibilizados e interagirem com o conjunto. Isso porque, como afirma Castells, “as redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a difusão desta lógica de rede modifica substancialmente os processos e os resultados de produção, experiência, poder e cultura” (Castells, 1996, p. 467). Obviamente acrescento aqui a educação.

Impasse para a educação

Estes novos paradigmas tecnológicos, com a informatização veloz e quase generalizada da sociedade está presente em todo o mundo e, mesmo em países como o Brasil, onde as desigualdades sociais e regionais são muito grandes, ele é determinante, principalmente em termos de mercado de trabalho nos grandes centros urbanos.

Países como o Brasil, vivem contradições profundas em seus sistemas sociais ao mesmo tempo que estão inseridos plenamente nos mercados planetários, em determinadas e específicas áreas. Sem dúvida, o exemplo mais significativo em todo o mundo está relacionado aos sistemas de comunicação e informação. Em relação a isso, o Brasil está plenamente inserido neste mercado planetário, estando o maior grupo de comunicação brasileiro – a Rede Globo de Televisão – associado a um dos cinco maiores conglomerados de comunicação do mundo. A Rede Globo de Televisão – mídia eletrônica do conglomerado da família Roberto Marinho – está associada ao grupo liderado pelo magnata australiano Rupert Murdoch, integrando um complexo multimediático que inclui o The New York Post, The Times, BSkyB, Delphi Internet, Twentieth Century-Fox, Harper Collins (Editora),a Sky Latin America International Broadcast Center, TCI (uma das operadoras líderes de TV a cabo e telefonia nos Estados Unidos), entre outros.

Obviamente quando pensamos no sistema educacional, a situação é absolutamente diversa. Esta distância entre o mundo da informática e da comunicação com o mundo da educação é muito grande, induzindo-nos a pensar na quase existência de um impasse. Tem sentido continuarmos investindo neste sistema que não consegue dar conta destas transformações? Está claro que necessitamos de muito mais do que simplesmente aperfeiçoar o sistema educacional. O momento exige a sua profunda transformação estrutural deste sistema. Uma transformação, que passa, necessariamente como venho expondo aqui, pela sua maior articulação com os sistemas de informação e comunicação.

Isto porque, neste contexto de mudanças, somos verdadeiramente empurrados para pensar e refletir mais profundamente como pode se sustentar este sistema, ainda centrado em velhos paradigmas, muitas vezes enfatizando apenas a formação de uma mão de obra, sem nem mesmo perceber que esta mudando o conceito de mão de obra, num movimento de velocidade muito intensa.

Como afirmava Francisco de Oliveira na abertura de a reunião anual da ANPEd em 1990:

Num mundo que corre com esta velocidade, com transformações que não esperam amanhecer o dia para serem anunciadas, uma inserção rápida da economia brasileira no sistema internacional, com estes critérios seguramente vai nos conduzir não mais para uma exploração de mão-de-obra barata, porque não se está mais atrás disso: tecnologia de ponta não se faz com mão de obra barata (Oliveira, 1990, p.12).

Passados mais de oito anos desta fala de Francisco de Oliveira, continuamos a perceber um caminhar nesta direção. Ana Leda Barreto, analisando os Parâmetros Curriculares Nacionais, um das principais bandeiras do governo de Fernando Henrique Cardoso, elaborados sob forte crítica da comunidade acadêmica nacional, reforçava-se a necessidade de um sólida formação dos profissionais da educação, como sendo básica para a transformação deste sistema. Segunda ela,

Não é mais possível em mais uma proposta de governo ser “esquecida” a obrigação dos dirigentes da nação com a formação sólida e continuada dos principais formadores de mentalidade do país. Tal esquecimento nos faz pensar que a desqualificação das professoras e professores foi é um dos mecanismos ‘para mantê-los fracos e disponíveis à manobras e conchavos políticos-burocráticos’ (Arroyo, 1985, p. 9) formando outros cidadãos e cidadãs fracos e disponíveis às mesmas manobras e conchavos (Barreto, 1996, p. 4).

Assim, a transformação do sistema educacional passa, necessariamente, pela transformação do professor. Não podemos continuar pensando em formar professores com teorias pedagógicas que se superam quotidianamente, centradas em princípios totalmente incompatíveis com o momento histórico. Nossos currículos, programas, materiais didáticos, incluindo os novos e sofisticados multimídias, softwares educacionais, vídeos educativos, continuam centrados em três grandes falácias, como afirmou Emilia Ferreiro para a Revista TV Escola. Segundo ela, insistimos ainda que a aprendizagem deve se dar sempre do concreto para o abstrato, do próximo para o distante e do fácil para o difícil (MEC 1996). Mantendo esta perspectiva, evidentemente não conseguimos compreender as transformações contemporâneas que estão modificando todos os campos, do trabalho, do lazer, do social, do saber e, seguramente, também da educação.

Continuar adotando esta perspectiva é desconhecer completamente as transformações que estamos vivendo no mundo contemporâneo e os novos elementos que estão fazendo parte da realidade de nossos jovens e adolescentes.

Precisamos compreender mais de que forma esta geração X (novas tribos) convive simultaneamente com os vídeo-games, televisões, Internet, esportes radicais, tudo simultaneamente, de forma múltipla e fragmentada, tudo ao mesmo tempo. Esta geração já relaciona-se com as novas medias de forma diversa e já existem sinais de um novo processo de produção de conhecimento, ainda desconhecido pela escola.

Para Douglas Rushkoff, ao analisar como a cultura das crianças nos ensina a prosperar na era do caos, essa geração se utiliza das diversas mídias não à procura de respostas mas sim de perguntas. Elas entendem a discontinuidade e o que ela significa e conseguem estabelecer com ela uma relação de produção de conhecimento. “Para a audiência jovem, a discontinuidade das mídias não uma exceção, é a regra” (Rushkoff, 1996, p. 14).

Estas transformações tecnológicas que tomaram grande impulso justamente com o desenvolvimento nos idos da década de 60 dos videogames – jogos eletrônicos que se utilizavam de velhos consoles conectados a antigos televisores – toma impulso e passa a impulsionar, simultaneamente, o próprio desenvolvimento científico, como já foi apontado no início deste texto. Mas também este desenvolvimento, não se dá e não se deu de forma estanque e isolada.

A ciência moderna, que no início do século sofre os abalos das teorias da relatividade de Einstein, desde este momento começa a trabalhar com base em outros paradigmas.

Passa-se a trabalhar na perspectiva de compreender a complexidade do mundo contemporâneo, sem a preocupação da unificação, das meta-unificações. Segundo o físico Italiano Marcello Cini o que vemos hoje, olhando a evolução da ciência, é uma grande mudança de concepção.

Passou-se, em vez disso, a uma concepção de mundo em que, em vez de se tentar reduzir tudo à ordem, regularidade e continuidade, emergem categorias e perspectivas completamente opostas. Estudam-se a desordem, a irregularidade, os fenômenos que não se repetem, em vez de tentar unificar fenômenos muito diferentes pela explicação resultante de uma única lei fundamental. A individualidade começa a ser reconhecida, por exemplo, no fato de que sistemas estruturalmente idênticos podem revelar comportamentos radicalmente diferentes, ocasionados apenas por pequeníssimas diferenças que, até então, todos consideravam como sendo não essenciais.(Cini, 1998)

Compreender os novos processos de aquisição e construção do conhecimento é básico para tentarmos superar este impasse. Esta compreensão, por outro lado, empurra-nos necessariamente para considerar como fundamental a introdução das chamadas tecnologias da comunicação e informação nos processos de ensino-aprendizagem.

No entanto, a pura e simples introdução destas tecnologias não é garantia desta transformação. Esta introdução é, portanto, uma condição necessária mas não suficiente para que tenhamos um sistema educacional compatível com o momento histórico. Desta forma, introduzir estas tecnologias exige compreender de forma mais ampla a necessidade de fortalecer os nós – as unidades escolares que por sua vez articulam-se intensamente com os valores locais – de tal forma a dar maior visibilidade aos nós desta rede, aumentando concomitantemente a conectividade entre estes nós, estabelecendo-se com isso as rede de conexões que estão sendo referidas ao longo deste texto. E, mais ma vez, não basta apenas a rede física.

A escola, conectada, interligada, integrada, articulada com o conjunto da rede, passa a ser mais um elemento vital deste processo coletivo de produção de conhecimento. Nesta navegação, portanto, percorremos caminhos ilimitados, sem fronteiras. Como diz Pierre Lèvy,

Navegar no ciberespaço eqüivale a passear um olhar consciente sobre a interioridade caótica, o ronronar incansável, as banais futilidades e as fulgurações planetárias da inteligência coletiva. O acesso ao processo intelectual do todo informa o de cada parte, indivíduo ou grupo, e alimenta em troca o do conjunto. Passa-se então da inteligência coletiva para o coletivo inteligente. (Lèvy, 1996, p. 117 – grifo meu)

Como já dito, esta passagem não corresponde apenas à um aperfeiçoamento do sistema educacional. Ela exige uma transformação profunda, impondo, consequentemente, a implantação de políticas educacionais coerentes com as transformações da sociedade como um todo e não simplesmente articulados com uma perspectiva de modernização do sistema.

Um olhar sobre os projetos governamentais

A história recente da educação no Brasil é repleta de projetos governamentais que exigem uma leitura um pouco mais atenta dos imbricados movimentos que relacionam as políticas educacionais, culturais, científicas, tecnológicas e de comunicação. Não está no escopo deste texto aprofundar estas análises em todas as suas múltiplas dimensões mas sim resgatar alguns elementos significativos para o entendimento de como estas políticas estão – ou deveriam estar! – afetando diretamente a escola.

O governo Fernando Henrique Cardoso avança de forma decidida e veloz na privatização de estatais, destacando-se aí a área das telecomunicações. Paralelamente, desde o final da década passada, vem se implantando no país um sistema de rede, através do Ministério da Ciência e Tecnologia, com a criação da Rede Nacional de Pesquisa (RNP), introduzindo de forma definitiva a Internet no país. Inúmeros decretos foram promulgados com o objetivo de identificar e estimular possíveis usos na área educacional deste sistema de rede. O mesmo foi feito décadas atrás com o sistema de comunicação via satélites geoestacionários. É da memória da educação brasileira o pioneiro Projeto SACI, desenvolvido no Rio Grande do Norte no final de década de 60, já analisado por Laymert Garcia dos Santos em seu livro Desregulagens . Àquela época, pensava-se em introduzir um sistema de educação básica, com aulas sendo transmitidos via satélite, num projeto desenvolvido pelo Instituo Nacional de Pesquisa Espaciais, o INPE, com forte articulação com o governo americano.

Alguns anos depois (1986), como já descrevi anteriormente o governo federal tenta novamente implantar um projeto como o SACI, instituindo uma Comissão Interministerial para estudar a viabilidade de implantação de um sistema de educação básica via satélite.

No âmbito do Ministério da Educação, o atual governo vem implantando dois grandes projetos: o TV Escola e o Projeto de Informatização das escolas públicas brasileiras (PROINFO). Não cabe aqui, fazer uma longa descrição destes projetos mas acho importante destacar alguns aspectos dos mesmos analisando o discurso oficial que busca respaldar teórica e politicamente a introdução destas novas tecnologias de comunicação e informação na educação. Considerarei para esta análise basicamente as declarações públicas do Ministro e de seus Secretários, aos órgãos de imprensa nacional e tomando como base o artigo do próprio Ministro, publicado no jornal Folha de São Paulo em 2 de março de 1997. No referido artigo o Ministro propunha-se analisar o caso de sucesso do Projeto TV Escola e, assim fazendo, expôs de forma clara o que considero um dos pontos que mereceria uma profunda revisão nesta área. O próprio título do artigo, TV Escola: construindo um caso de sucesso, já mereceria uma análise mais profunda. No entanto, é no conjunto do texto que percebemos a insistência no uso de palavras como recurso e treinamento e que, somado a outras manifestações públicas do MEC, indica-nos claramente a perspectiva instrumental da introdução destas novas tecnologias. O artigo do ministro buscava analisar o TV Escola e exatamente ao fazer a referência ao outro grande projeto para a área, o de informatização, deixava evidente a perspetiva equivocada desta política educacional. Vejamos as palavras do ministro:

neste sentido deste o início do governo Fernando Henrique que traçamos a estratégia de médio prazo que contemplou, inicialmente, o uso da televisão como recurso para a atualização de professores e para o apoio ao seu trabalho na sala de aula.

O próximo passo será a introdução do computador das escolas públicas de 1° e 2° graus. Trata-se, entretanto, de dois programas totalmente distintos em seus objetivo, abrangência e metodologia de implantação (Souza, 1997, grifos meus).

Os trechos grifados são destaques que gostaria de comentar aqui. A utilização como recurso, a meu ver, indica claramente esta perspectiva instrumental que me referi anteriormente, uma vez que parte do pressuposto, implícito, de que o sistema educacional está com seu caminho definido faltando portanto apenas atualizar os professores. Percebe-se claramente a existência de uma lógica linear de prioridades e não de simultaneidade, evidenciado no segundo parágrafo acima citado. Ao tratar os dois projetos, o TV Escola e o PROINFO, como projetos “distintos em objetivo, abrangência e metodologia”, o MEC atesta com todas as letras, letras de seu ministro e grande mentor destas transformações, o seu equivoco. Entende, claramente, as tecnologias como suporte, como instrumento, como material de apoio a um processo que está com suas bases teóricas comprometidas. Não consegue o MEC perceber a necessidade de interdependência destes projetos e deste com outros, como o projeto da Fundação Roquete Pinto para o Um salto para o Futuro. Novamente aqui vemos a dicotomia presente nestes projetos, uma vez que no lugar de se fortalecer os sistema de televisão pública brasileira, insiste-se em segmentar, em partir, em tratar como distintos e diversos coisas que são, pela própria natureza, parte de um processo maior e, principalmente, integrado e integrador. O exemplo do Salto é gritante. Pega-se o canal do satélite (transponder) usado pelo sistema de TVs Educativas, divide-o em dois, diminuindo claramente a qualidade do sinal gerado e recebido tanto pelo sistema de TVs Educativas como pelo TV Escola e, coloca-se no ar uma programação de apenas três horas, repetidas incansavelmente ao longo do dia com o argumento de que os professores possam gravar e montar as videotecas escolares. Das oito da noite às oito da manhã temos simplesmente 12 horas de um canal de satélite completamente sem uso. Se é apenas este o objetivo – três horas de programação! – porque não garantir com as TVs Educativas a sua veiculação, que inclusive é em boa parte já produzida e veiculada pôr elas mesmas, em horários alternativos, canalizando o conjunto dos recursos para o fortalecimento deste sistema de televisão que, potencialmente, garantiria a produção de imagens com a verdadeira cara do país. Imagens e informações que estariam colocando os lugares não virgens em permanente troca com as regiões do país. Paralelamente, estaríamos colocando os postos do Salto, interligados à Internet e, com isso, garantindo de fato, a tal interatividade tanto falada e tão pouco vivenciada neste projeto.

Se, por outro lado, adotamos como estratégia a divisão do transponder para implantação de um canal exclusivo para a educação (e não para o Ministério!) porque não disponibilizar estas 12 horas vazias para grupos e associações de educadores, universidades, associações comunitárias, sindicatos ou mesmo porque não ocupá-lo com uma programação cultural articulada com o Ministério da Cultura com filmes e programas de maneira a fortalecer nas escolas, em todo o país, a perspectiva de transformá-las em espaço vivo de produção de cultura e de conhecimento, estimulando uma maior integração com a comunidade.

Integrar todos estes projetos e, com eles, fortalecer a escola e os professores não é , tenho certeza, tarefa simples. Principalmente porque estes projetos nasceram como fruto de ações quase antagônicas. Antagônicas a nível do próprio MEC e também deste com os demais ministérios como o da Cultura, Comunicação e Ciência e Tecnologia.

Neste último aspecto é interessante retomar a questão da rede, analisando um pouco mais o processo de privatização da telefonia brasileira. Este processo de privatização foi regulado pela Lei 9.472, a Lei Geral das Telecomunicações (LGT)(**) de julho de 1997. Nesta lei, de forma tímida, é verdade, estava previsto, no artigo 81, a criação do Fundo de Universalização dos Serviço de Telecomunicações (FUST). De acordo com o texto da lei, o FUST é um “fundo especificamente constituído para essa finalidade, para o qual contribuirão prestadoras de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, nos termos da lei” a partir de uma regulamentação que tramita de forma lenta e que não ocorreu, como era de se esperar, antes da venda das empresas.

Este fundo, em teoria, tem como função básica possibilitar que camadas que não tenham recursos próprios para ter acesso à telefonia e acesso à Internet de forma privada e direta, possam ter acesso através de mecanismos sociais mais amplos. Como afirma Tadao Takahashi, ex-coordenador da RNP no Brasil em artigo que circulou na lista EAD,(***) “é evidente que, na política de telecomunicações de um pais, é desejável ter formas de induzir determinados serviços para, extrapolando a fria lógica comercial, buscar atingir fins socialmente úteis. Por exemplo, aumentar o acesso a telefonia por parte das classes D e E” (Takahashi, 1997).

Ampliar este acesso é fundamental e neste sentido, a conexão das escolas, bibliotecas e postos de saúde públicos, poderiam se constituir, como em outros países, numa forma de propiciar esta universalização do acesso.

E novamente Takahashi quem exemplifica isso com a situação americana.

O Telecommunications Act de 1996 nos EUA definiu a obrigação de universalização de acesso a serviços de telecomunicações. Após regulamentação, a coisa resultou em um subsídio para acesso mais barato por parte de escolas e bibliotecas à serviços de telecomunicações (especialmente Internet), até um limite de $2.25 bilhões de dólares anuais!(Takahashi, 1997) .

No Brasil, as mobilizações e articulações visando uma maior democratização do acesso não se iniciaram com a LGT. Em verdade, desde o início da implantação da rede nacional de pesquisa, este sempre foi um dos pontos presentes. Não cabe aqui, fazer um percurso histórico desde o Código Brasileiro das Telecomunicações de 1962. No entanto, é no interior da própria documentação da Agência Nacional das Telecomunicações (ANATEL) que podemos ver, em apenas dois parágrafos, este percurso, escrito por Murilo Cesar Ramos, professor da Universidade de Brasília e mobilizador do grupo de trabalho da Agência, responsável pela discussão e acompanhamento do processo de transformação das telecomunicações brasileiras e sua relação com a educação.

O que se depreende do longo hiato entre a Lei nº 4.117/62 e o primeiro Decreto, de 93, e, depois, da rápida saraivada de decretos para tratar de tão singelo, ainda que fundamental, assunto para os destinos do país, é que até os dias de hoje o desafio da Educação não foi acolhido, mesmo que minimamente, pelo setor de telecomunicações.

Isto vai ficar ainda mais evidente com a aprovação, em julho de 1997, da Lei Geral de Telecomunicações que, apesar da sua sofisticação normativa, ignorou totalmente a tarifa especial oportunamente criada pelo legislador de 1962. E, ainda que se possa argumentar que a questão está contemplada no projeto do Fundo de Universalização das Telecomunicações, a polêmica que já começa a cercar a tramitação do referido projeto no Congresso Nacional sinaliza a continuidade do descaso com que o setor de telecomunicações tratou, até hoje, a questão da Educação.(Ramos, 1998)

Esta visão panorâmica da questão possibilita pensar nas necessidade de uma articulação política dos educadores, também no âmbito das políticas de telecomunicações.

É necessário avançar na questão das conexões. Mas isso não basta. As questões conceituais que sustentariam uma política de educação que contemplasse esta dimensão de produção do conhecimento e de cultura aqui referida, exige uma outra postura política. Exemplo antagônico poderia ser a entrevista do ministro Paulo Renato de Souza ao programa Hipermídia do Canal GNT, em julho de 1997. Falando sobre o PROINFO, o ministro mais uma vez afirmava a dificuldade de conexão das escolas à Internet e acenava como promissor futuro esta conexão com o objetivo dos professores acessarem um grande banco de dados do Ministério para receberam materiais didáticos.(****)

Como vemos, mais uma vez, a problemática da educação no mundo contemporâneo, não é mais somente objeto de análise exclusivo do próprio sistema educacional ou da comunidade acadêmica específica da área. A questão amplia-se de forma muito grande, e não se pode pensar que a simples presença de equipamentos – ainda que necessária e louvável enquanto iniciativa – associada a um programa de treinamento de professores darão conta desta transformação. Muito mais do que isto, é urgente perceber a necessidade da montagem desta estrutura de rede, que ainda é muito tímida nas políticas governamentais para a educação. E isto, numa forte articulação com outras áreas, tanto de governo quanto acadêmicas.

Um conclusão, ainda que provisória

Estas reflexões procuram dar conta de um processo em andamento. Tenho acompanhado e vivenciado a existência de espaços para correções de rota nestes projetos. Lamentavelmente eles estão sendo tocados sem o grande envolvimento das universidades públicas que muito tem refletido sobre estas temáticas. Existe hoje no país, uma massa crítica razoável de pesquisadores e pesquisas que já apontam alguns indicadores sobre o tema. Caberia ao governo fazer um esforço de articulação destas diversas vertentes, incorporando as críticas, de forma a corrigir a rota destes projetos e, de fato, construir um caso de sucesso na educação brasileira. Não apenas nas palavras e nos números mas na prática, atuando no país como um todo, que clama pôr transformações estruturais em diversas área. Este é, sem dúvida, o nosso grande desafio e estas novas tecnologias de comunicação e informação podem vir a se constituir em importante elemento destas transformações se pudermos vê-las em outra perspectiva que não a de simples instrumentos metodológicos mais modernos e que podem ser implantados de forma isolada e desarticulada, mantendo as crianças, jovens, adolescentes e professores como mero consumidores de um conhecimento pronto que passa agora a circular e ser entregue via as ditas novas tecnologias. Em oposição a isso, se pensamos nas tecnologias a serviço da produção de conhecimento e de cultura, podemos pensar na inserção do país no mercado mundial dito globalizado, numa outra perspectiva. Um perspectiva de efetiva cidadania.

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Notas

(*) Aprofundo mais esta questão em outro trabalho meu: Uma escola sem/com futuro – educação e multimídia, Campinas: Papirus, 1996.

(**) Toda a documentação relativa a esta processo encontra-se no sítio da ANATEL – Agência nacional de Telecomunicações no endereço: http://www.anatel.gov.br/biblioteca

(***) Lista EAD. E.mail: ead@cr-df.rnp.br Mensagem distribuída por Leonardo Lazarte (UnB) em 04/09/97

(****) Hipermídia. Direção de Celso Freitas. Veiculado pelo Canal GNT em 2/7/97