A Tarde, 22/11/2007, pag. 03
Nelson Pretto – Diretor da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info
A sociedade baiana acompanha a grave crise institucional da história recente da Ufba, fruto da ação da Reitoria no sentido de tentar impor a sua vontade na implementação da política do governo federal para reestruturação das universidade públicas (Reuni).
Numa intensa ação midiática, ao longo do último ano, o reitor da Ufba vem apresentando o polêmico Projeto Universidade Nova, que prevê outro funcionamento da universidade, com mudanças nos cursos de graduação, através dos chamados bacharelados interdisciplinares.
Alguns dos elementos deste projeto acabaram inseridos no decreto do MEC (Reuni) que anuncia recursos para as universidades públicas que se submetam ao chamado “modelo Reuni”. Contudo, diversas unidades e inúmeros docentes apresentaram críticas aos mencionados projeto e decreto. Entre seus opositores, os mais barulhentos, sem dúvida, têm sido os estudantes. Protestando contra as insuficientes políticas de assistência estudantil, contra a citada proposta de reestruturação da universidade e, principalmente, contra os métodos que a administração central da Ufba vem usando para fazer valer as suas posições, os estudantes ocuparam a Reitoria durante mais de 40 dias.
É óbvio que não se trata aqui de apoiar ocupações, pura e simplesmente. No entanto, não se pode simplesmente desqualificar essa forma de protesto. Note-se que, neste processo, o conselho máximo da Ufba não foi chamado para tratar da crise institucional que se instalara, e que foi agravada em 19 de outubro passado, quando fora convocado para reunir-se na Faculdade de Direito, e não na Reitoria recém-ocupada. Nesse dia, os estudantes intensificaram o protesto, conturbando a reunião, e, a despeito disso, o reitor conduziu uma “votação”, literalmente no grito, para aprovar a adesão da Ufba ao Reuni.
Tal evento jamais poderia ser considerado uma reunião do Egrégio Conselho Universitário, do ponto de vista jurídico, tampouco do ponto de vista ético e político. Enquanto isso, a Reitoria continuava ocupada, e a pauta das reivindicações dos estudantes, obviamente, passou a incluir a anulação do lastimável episódio do dia 19. Porém, acirrando o embate com os alunos, a Reitoria, que até então se limitara a tímidas negociações, pediu reintegração de posse, culminando na ação da Polícia Federal a invadir o Palácio da Reitoria no último dia 15, ironicamente o dia da Proclamação da República.
A lamentável imagem, estampada em A TARDE, no dia seguinte, mostrava os nossos estudantes dentro de camburões da polícia, confirmando o que antevíamos: a absoluta incapacidade da liderança institucional para a prática do diálogo.
Igualmente, ou talvez mais lastimável, foi a nota divulgada pela Andifes, associação dos reitores das universidades públicas brasileiras, considerando as manifestações políticas dos estudantes como tendo “conteúdo fascista e totalitário”. Estranho e deplorável comportamento de adultosprofessores, alguns dos quais, na história recente do País, acirraram a luta política com duras ações que contribuíram para a reconquista democrática.
Estar aberto ao diálogo é uma das características mais fundamentais dos profissionais da educação, e quem é de fato professor sabe disso. Lamentável, portanto, que a Reitoria não tenha tido a capacidade de dialogar com os estudantes e que, não atenta aos insistentes pedidos de vários diretores de unidades, tenha se recusado a convocar o Conselho Universitário para mediar a crise.
As manifestações ruidosas da juventude são fundamentais para as transformações da sociedade. Escola e universidade não foram feitas para acomodar, mas sim para provocar o instituído, e constituir-se como embrião do novo. Os estudantes, que, felizmente, têm retomado as suas articulações políticas, na Ufba, vêm dando um exemplo de compromisso com a instituição, em incisiva participação nos conselhos superiores, onde fazem uma defesa intransigente e competente da universidade pública.
Ter a capacidade de escutar os diferentes e, com eles dialogar, é o requisito e desafio maior de um dirigente universitário. Em qualquer época, mas especificamente em momentos de crise, o diálogo precisa ser buscado, à exaustão. Poucas vezes tivemos a polícia dentro da Ufba e em todas elas reagimos com firmeza. Nessa última, no dia da República, a presença da polícia, a respaldar ação da própria Reitoria, envergonhou e maculou a nossa instituição.
Reproduzido no Jornal da Ciência Hoje, edição de 22/11/2007. Veja aqui