Rumo a uma nova linguagem
ANDRÉA ROSA
O professor Nelson Pretto assumiu este mês a direção da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. A meta, segundo o profissional, é abrir a faculdade para a comunidade em geral e trabalhar com a Internet como suporte principal. “Uma escola não pode ser um bloco monolítico onde todos andam igualmente. Estaremos trabalhando em torno de pedagogias da diferença e não mais de pedagogias da assimilação”, afirma o novo diretor da UFBA, que é referência em tecnologia.
÷÷Nelson De Luca Pretto, 45 anos, nasceu em Porto Alegre (RS) mas desde pequeno se considera baiano. Iniciou sua carreira em 1979 como professor do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Com pós-doutorado na Universidade de Londres, Inglaterra, é doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo e autor, entre outros, dos livros “Uma escola sem/com futuro: Educação e Multimídia” e “Globalização & Educação”. Foi diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC) e superintendente de Projetos Especiais da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (Funtevê), no Rio. Atualmente é coordenador da Biblioteca Virtual de Educação à Distância, um projeto do Prossiga/CNPq.
– Como está o uso da tecnologia, da Web em particular, no universo acadêmico hoje no Brasil?
– Acredito que está bastante intensificado. Acho que já vivemos um momento pleno de uso dessas tecnologias na vida acadêmica, de tal forma que pesquisadores, professores e mesmo alunos usam a Rede de forma intensa. Mas isso ainda é um problema, pois esse uso ainda se dá de forma a reproduzir os meios tradicionais. Quero dizer com isso, por exemplo, que o que vemos na Web ainda são reproduções dos tradicionais meios de pesquisar, ensinar e aprender. É muito comum as pessoas simplesmente reproduzirem o que já possuem como material escrito em um sítio da Internet. Eu acho isso um equívoco. Ou, para ser mais brando, um uso muito aquém da potencialidade da Rede. Rede significa – deve significar na verdade – comunicação em todas as vias. E de forma hipertextual, ou seja, com muitos links. Um verdadeiro labirinto informacional que possibilita uma nova forma de compreender e produzir conhecimento.
– Como assim, novas formas de produzir conhecimento?
– Simples, veja a meninada quando assiste TV. O controle remoto é de uma alucinação total. Pula de canal para canal. Parece que é tudo sem conexão, mas existe ali um outro tipo de conexão. Um mundo multifacetado de conexões que forma um outro tecido de significados. Não mais linear, como na “velha” física newtoniana, das causas e efeitos facilmente identificáveis. Vivemos um momento de interações não lineares, onde pequenas interferências podem gerar grandes perturbações. Ora, a Rede, com suas potenciais conexões múltiplas, possibilita um navegar assim, aparentemente sem rumo. Penso que, com isso, estamos experimentando um outro tipo de pensar…
– Qual o seu projeto para a Universidade?
– Basicamente penso que a Universidade – e mais particularmente a Faculdade de Educação que passaremos a dirigir a partir de agora – não sendo um espaço de normalidade, tem que ser um espaço de rebeldia. Ter interações e conexões múltiplas. Sendo assim, não pode estar calcada em padrões de qualidade como se fosse um fábrica, um indústria, um loja. Hoje aqui em Salvador já vemos Faculdades dizendo coisas do tipo “a única com ISO 9002”? O que isso significa? Que ela está adequada ao que se chama qualidade. Mas esses padrões são temporários. Uma Universidade que se fundamente na normalidade prepara para o presente – se é que não para o passado! – e nunca para o futuro, um futuro dinâmico que tem que trabalhar com o inesperado. Sendo assim, pensamos numa Faculdade de Educação que esteja centrada nas pedagogias da diferença e não nas tradicionais pedagogias da assimilação. Trabalhar com as diferenças exige uma infra-estrutura de comunicação para possibilitar as interações múltiplas e não-lineares. Sendo assim, para nós a infra-estrutura de comunicação (Internet, TV, rádio, impressos) passa a ser considerada como o elemento fundante, elemento estruturante desse novo espaço educacional.
– O que deseja enfocar?
– Uma multiplicidade de pontos. Deixa falar de um que considero importantíssimo. A Rede possibilita a interação daquilo que chamo de local com o não-local. Essa interação só é possível hoje com conexão plena. Temos, portanto, que fortalecer os nós de conexão, de tal forma a fazer a local e não-local interagirem em pé de igualdade. Por isso que sempre digo que não queremos Internet nas escolas e sim as escolas na Internet. Pretendemos montar um faculdade de e-educação, com esse ezinho de eletrônico que fortaleça de forma intensa a produção local de conhecimento e cultura. Não queremos ser USP, UNICAMP, UFRJ ou outra Universidade. Queremos ser UFBA e somente sendo UFBA – sendo baiana, sendo local, portanto – poderemos ser planetária.
– O que pretende mudar?
– Acho que não cabe aqui, se me permite… Fica parecendo que o velho não vale nada!
– Quais os benefícios que irá trazer?
– O mesmo. Acho que podemos avançar nas demais questões…
– Os professores de hoje estão se preparando para a mudança de comportamento que o mercado está exigindo?
– Não. Mas esse “não” tem que ser visto de duas formas. De um lado não estão porque não estão mesmo. Ou seja, nossa formação é muito deficitária e estamos sendo pressionados a modificar tudo. Agora, de outro lado, esse “não” é um não alvicareiro. É um não de quem não está preocupado com esse mercado da forma como o senso comum costumeiramente vê esta questão. Ou seja, não temos mesmo que estar preparados para responder e sim para afirmar. Afirmando, respondemos também! Essa é a nossa responsabilidade. Nós, de uma faculdade de Educação, que forma professores, temos que estar abertos e qualificados para enfrentar um mercado que não é estanque, monolítico, mas que muda de forma veloz. Precisamos, portanto, estar preparando professores que trabalhem na formação de uma juventude que possa atuar de forma plena na sociedade. Não apenas como consumidores mais qualificados, mas como produtores. Esse é o desafio.
– E os alunos, estão prontos? Estão exigentes, ou tudo não passa de um conceito utópico ainda?
– Felizmente não estão prontos. O problemas que enfrentamos hoje é exatamente esse: a meninada chega na escola cheia de gás e vai perdendo o tesão, o interesse, porque a escola vai se distanciando do mundo. Observe que essa meninada até o processo de alfabetização adora ir para a escola. Depois acaba o desejo. Acaba a possibilidade de crescimento. Creio que um grande exemplo disso podem ser os programas educacionais das ONGs, dos blocos de carnaval e dos terreiros aqui na Bahia. São projetos que têm que estar inseridos na comunidade porque são parte dela. Mas eles não podem se limitar a ela. Por isso a importância da Rede. A importância das conexões.
– Como é essa história da Internet nas escolas e vice-versa?
Pois é, quando antes falei isso, estava me referindo exatamente à possibilidade de cada grupo social, cada indivíduo, poder estar na Rede na perspectiva de produtor e não apenas de consumidor. Estamos agora trabalhando com os professores que vão trabalhar nos programas educacionais dos Assentamentos de Reforma Agrária, do MST. Eles estão vindo para a Faculdade e estão tendo aulas de língua portuguesa, matemática e tecnologias de comunicação. Sim, porque cada assentamento tem que estar presente na Rede. De forma ativa e não apenas reativamente. Não apenas para receber as informações centralizadas mas para dar/produzir informações e interações. Entre eles mesmos, entre eles e a sociedade planetária. Isso faz uma brutal diferença. O processo educativo, assim, não pára. Não termina.. É permanente e contínuo….
– Há tecnologia disponível no Brasil?
– Sim.
– Do que precisamos para alavancar?
– Políticas públicas que considerem as diferenças. No Brasil de hoje, tratar igualmente é sempre profundamente DESIGUAL. É ser injusto. Precisamos, por exemplo, de uma política que privilegie a conexão de escolas à Rede Internet, por exemplo. Já existe dispositivo legal através do Fundo de Universalização de Acesso, garantido na Lei Geral das Telecomunicações. Só que já se passaram quase três anos e nada foi implementado. Ainda está no Congresso. E, de outro lado, as questões corporativas e de reserva são muitos fortes no país. Veja a questão da oferta de Internet de graça por alguns bancos e empresas. Estão querendo segurar esses movimentos. E isso é até burro do ponto de vista comercial.
– Como estamos comparados a outros países?
– Exatamente assim, na Inglaterra por exemplo, uma grande empresa começou a oferecer Internet de graça e suas ações na Bolsa explodiram… Isso gerou mais e mais empresas oferecendo acesso de graça inclusive à conexão telefônica. A Espanha tem um projeto de oferta de Internet de graça para professores. Portugal tem dois projetos ligados à colocação das escolas na Rede, um no Ministério da Ciência outro no da Educação. O chile tem um grande projeto também. Quero dizer com isso que existem iniciativas. Não são todas maravilhosas, mas existe um movimento forte de incorporação dessas tecnologias na Educação.
– Sei que a universidade de vocês é muito conceituada no mercado. Por quê? Qual o diferencial?
– Creio que o diferencial da UFBA é exatamente o fato de – desde as suas origens com Edgar Santos – ser uma Universidade com forte vínculo com o local e ter um trabalho muito forte na área de artes e humanidades que, diria, é a nossa vocação. Acho que isso deveria ser o horizonte para as demais Universidades e Faculdades: um olhar simultâneo para o local e o planetário e um forte vínculo com aquilo que mais caracteriza o local como substrato de seu funcionamento.
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