A Tarde, 11/08/2007, página 03.
Nelson Pretto – Diretor da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info
Três momentos distintos foram por mim vividos neste mês de agosto, os quais, aparentemente sem conexões, estão intimamente ligados por algo que me é muito caro: a educação. O Centro Cultural da Caixa apresenta a exposição “Direito à Memória e à verdade: a ditadura no Brasil 1964/1985”, com imagens e textos de um período de nossa história recente que deixou marcas profundas em todos. Uma exposição simples, com imagens de uma luta que, é bem verdade, ainda não acabou.
Por uma dessas coincidências da vida, peguei para assistir o filme “O ano em que meus pais saíram de férias”, de Cao Hamburguer, realizado no ano passado e vencedor de alguns prêmios.
No filme, o mesmo cenário da repressão militar e, ao fundo, a história de um garoto que tem com seu pai uma linda relação de amor, respeito e admiração por conta de sua marcante presença e posterior ausência em função das “férias” forçadas pelo companheirismo no futebol, de mesa ou da copa, pelas lições que certamente deu ao longo do tempo que juntos estiveram.
Percebe-se que essas devem ter sido lições cotidianas de vida e relacionamento que, seguramente, incluíram a convivência com o cruel e violento período de fechamento do Congresso, de censura à imprensa e ausência total de liberdades. Lições de vida que não se resumiram, podemos ver com clareza no filme, a uma formalidade educativa, mas que se constituíram em verdadeira cumplicidade.
Naquele ano de 70, eu, um menino de 16 anos, também acompanhava a Copa do México com o minha turma de colégio, assistindo aos jogos pela televisão, que, justamente naquele período, iniciava suas transmissões internacionais ao vivo. Torcíamos nós pelo Brasil, mas ficávamos indignados com o ufanismo que nos impunham, nós os “90 milhões em ação” que repetíamos, já embalados por um estilo de TV e comportamento impostos pelos locutores globais, o bordão “Pra frente Brasil, do meu coração…” Enquanto isso, era decretada a censura prévia à imprensa, livros e periódicos, era assassinado o dirigente comunista Mário Alves e estudantes e militantes agitavam o País.
Nas paredes da exposição, retratos da mobilização pelas liberdades democráticas, que custamos a ver de volta ao País, e um texto sobre enorme imagem de uma multidão de jovens que se amontoavam pelas ruas das cidades brasileiras em constantes protestos, reprimidos com muita violência: “Estudante era profissão perigosa. Em 64, 67, 68, 77, 78, 84, saíram em passeata, comícios relâmpagos, encontros clandestinos. Resistiram e gritavam por liberdades nos campi, e nas ruas”.
Ainda impactado pela exposição e filme, me deparo com a publicidade do Dia dos Pais que se avizinha. Nada de rebeldia e de autêntico carinho e cumplicidade entre pais e filhos.
O que vemos é mais um dia aguardado com ansiedade pelo comércio para o aumento de vendas de bugigangas para celebrar essa fria e mercadológica relação entre pais e filhos. Os apelos são lamentáveis, pois usam os sentimentos mais próximos dessa relação com um único e solene objetivo: vender. A vida moderna, sem emprego ou com emprego e sem tempo para a família, fez com que a educação dos filhos fosse toda terceirizada e, por culpa dessa intensa ausência, restou a possibilidade do consumo e dos presentes materiais como tentativa de compensação da relação perdida.
Para os que não têm recursos, além do esforço, fica a sensação de não ter correspondido às demandas dos pais e da sociedade.
O resgate da relação pai e filho, nesta sociedade do pouco tempo e também do pouco valor ético, deveria ser uma demanda de todos.
Um passeio pela rua, uma conversa no fim de tarde, na laje da casa ou na janela do apartamento, uma olhadela no mar ou na mata ao nosso lado e, principalmente, um diálogo franco sobre os problemas e desejos dessa juventude podem fazer muito bem.
Muitas vezes, essa dimensão da educação é deixada de lado, na expectativa de que nós, professores, possamos compensá-la com trabalho profissional, e aí, tenha certeza de que, por melhor que esse trabalho possa ser coisa difícil pelas nossas condições de trabalho atuais nada substituirá um papo, olho no olho, de filho para pai e de pai para filho.