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A Tarde, , pag. 03, 2008
Nelson Pretto – Professor da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info
Segunda-feira, sete da manhã. Rio Vermelho. O sol ilumina a praia e seus barquinhos, que, no dia 2 de fevereiro, homenageiam a rainha do mar. A meninada caminha em direção às escolas, numa graciosa cena. No rosto dessa turma, a alegria do caminho da escola, ao encontro dos colegas, às traquinagens e, claro, também às aulas e aos professores. Estes, na labuta muitas vezes solitária de planejar suas aulas, pensam na melhor forma de conduzi-las de modo a envolver a meninada em todo o processo educacional, independente da matéria lecionada.
Para tanto, fazem das tripas coração, pois geralmente se deparam com deficientes condições de trabalho e, como sempre, com salários que não lhes permitem uma dedicação integral à escola. Esforçam-se, mesmo assim, para introduzir questões mais amplas, dentre as quais o tema da cidadania e do ambiente e, justo aqui, encontram uma concorrência quase que desleal, bem no caminho da escola.
Na véspera, a alegria que caracteriza a cultura baiana ocupara as praças do Rio Vermelho, onde as baianas de acarajé mais famosas ganham muito dinheiro e deixam um rastro de sujeira que deveria envergonhar a qualquer um. A meninada que passa por esse lindo pedaço da cidade convive, também, com uma infernal música vinda da suntuosa academia ao lado da praça, onde um instrutor imagina expulsar as gordurinhas dos malhadores matinais aos gritos. Triste Bahia, que considera “naturais” esses comportamentos displicentes, que vão do som alto da academia ao jogar no chão tampinhas, restos de vatapá, acarajé e copos plásticos, como se os impostos que são pagos para a limpeza da cidade fossem destinados à limpeza da sujeira deixada por esses empreendimentos comerciais, que, de tão bem-sucedidos, agora possuem até “franquias”, inclusive em posto de gasolina (pasmem, fritar acarajé em posto de gasolina!).
Desviar do lixo, caminhar para a escola com o ruído ensurdecedor das músicas e os gritos vindos das academias, tudo isso poderia ser tolerável se fossem situações pontuais. Mas não o são, elas se repetem cotidianamente e marcam de forma indelével cada uma dessas crianças, amanhã os nossos adultos, que, num moto perpétuo, estarão com os porta-malas de carros abertos com sons também ensurdecedores, jogando, dos ônibus, carros e janelas das casas, os restos do que é produzido pela nossa sociedade – lixo material e cultural.
Cotidianamente, nas escolas, os professores comprometidos – e são muitos! – esperam os meninos com alegria e sabedores de que o seu maior desafio não está somente no trato dos conteúdos das diversas matérias, mas, sim, na formação de uma juventude capaz de compreender que a responsabilidade pela nossa cidade não é só dos políticos e das políticas públicas, cada vez menos atentos a essas coisas, mas de cada um de nós individualmente e de todos coletivamente.
Reproduzido no Jornal da Ciência Hoje, edição de 27/03/2008. Veja aqui