publicado em A Tarde de 08/01/2007, pag. 03.
NELSON PRETTO – Diretor da Faculdade de Educação da UFBA. Site www.pretto.info
Ao longo dos últimos anos, o Brasil vive uma explosão de tecnologias e culturas. O desenvolvimento tecnológico no campo do audiovisual barateou os equipamentos e tem possibilitado que experiências de garagens e fundos de quintal apareçam por todos os cantos. Aqui na Bahia, alguns movimentos vinculados às ONG e Universidades também buscam articular algo que até bem pouco tempo era considerado verdadeira blasfêmia: produzir culturas de forma descentralizada. O que a meninada está fazendo, na maioria das vezes sem apoio e até com críticas, é inacreditável. Essa turma, que se aglutina em torno de grupos de música, capoeira, artes plásticas, cinema, carnaval, entre tantos outros, atua, lamentavelmente, longe da escola, porque essa não vem dando conta de tratar da temática, tendo que, muitas vezes, dar as costas para tão importantes movimentos.
Essa turma está produzindo cultura. Falo isso, acentuando que é um diferencial deste momento: produzir em lugar de simplesmente consumir o que é produzido nos grandes centros e pelos grupos já instituídos. Além disso, marcante dos últimos anos foi a possibilidade de mais financiamento público para ações implicadas com a produção, através, por exemplo, do Ministério da Cultura, que implantou os Pontos de Cultura, muitos deles espalhados por essa nossa Bahia. O destaque dessa política pública é o de ter estabelecido uma rede de diálogo com diversos movimentos coletivos e grupos da sociedade civil que atuam no campo da Mídia Tática, do Software Livre, das Rádios Livres, da Metareciclagem, entre outros. A política de apoio incluiu, inclusive, o financiamento para produção de videogames nacionais, desta feita através da FINEP e do MEC, o que, não resta a menor dúvida, era algo impensável até bem pouco tempo nas “caretas” políticas públicas brasileiras. Temos, agora, grande expectativa de que o mesmo possa ser feito aqui na Bahia, a partir de uma necessária articulação entre as Secretarias de Cultura, Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação, através de uma contundente atuação articulada nesse campo, merecendo destaque a possibilidade de um novo IRDEB (TVE e Rádio Educadora) catalizador e veiculador dessa efervescência cultural, de modo a retomar o diálogo mais intenso da cultura com a educação e a divulgação científica em nosso Estado e no Nordeste.
Por toda a Bahia grupos se movimentam, se articulam e fazem muito mais do que consumir tv com cara de vídeo clip e música comercial. Em Salvador, entre tantos exemplos, a Eletrocoperativa, no Pelourinho, produz e remixa com a meninada música da mais alta qualidade. Em Irecê, a Faculdade de Educação da UFBA, articulando jovens e professores em torno do Ponto de Cultura Ciberparque Anísio Teixeira, mantido em parceria com a Prefeitura local e com apoio do MinC? , coloca “no ar” uma rádio Web, um conjunto de Tabuleiros Digitais com acesso à internet a todos e, aglutinando tudo isso, desenvolve um programa de formação de professores, verdadeiros produtores de culturas e conhecimentos. Tudo, com software livre e com licenças criativas (creative commons) da produção, o que resulta na circulação livre de tudo que é produzido, que exatamente por isso pode ser mexido e remexido, recriado em cima do criado. Enfim, fazem culturas, sempre no plural, um plural pleno. Sociedade civil organizada e governo estão aprendendo a trabalhar juntos, intensificando novas formas de articulação. Nas palavras de Cláudio Prado, “aprender a trabalhar com a sociedade civil é uma das conquistas deste projeto governamental. Aprender a trabalhar com o governo é uma conquista dos movimentos da sociedade civil.” Para o Assessor de Cultura Digital do MinC? , “a importância desta conquista não pode ser minimizada”. Digo mais, é grande a oportunidade que temos de aproximar, educação, cultura, turismo, ciência e tecnologia na busca de mudanças radiciais na situação de pobreza que vivemos – sendo a pobreza de espírito a mais grave no meu entender! Um oportunidade para mudar a Bahia, uma Bahia que, paradoxalmente, teve seu esplendor exatamente quando mais valorizou a cultura, algumas décadas atrás.
Final de ano, tempos de esperanças e de novas promessas. Quem sabe não seremos surpreendidos com o anúncio de que, em toda a Bahia, vão pipocar apoios e incentivos à nossa juventude, produtora de muitos saberes e culturas, resgatando-se, assim, a dimensão protagonista dessa jovem e animada turma, chamada de futuro da nação.