A Tarde, 22/08/2007, página 03.
Nelson Pretto – Diretor da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info
Dois importantes temas estão na ordem do dia e afetam diretamente o nosso processo democrático: a implantação da Tv Digital e a rede de Tv Pública, anunciada para já estar no ar em dezembro próximo. Esforços para a sua implantação estão sendo feitos por diversos atores desse processo, com debates e seminários, incluindo a realização aqui em Salvador de uma oficina que discutirá o conteúdo para a Tv Pública. As pesquisas para a criação de um Sistema Brasileiro de TV Digital mobilizaram nos últimos anos cerca de 80 instituições envolvendo mais de 1400 pesquisadores brasileiros, tendo sido gastos 54 milhões de reais, proveniente do FUNTEL, um fundo de telecomunicações justamente criado para apoiar a pesquisa na área. Regina Mota, professora da UFMG, que estará no evento daqui, destaca que o que foi feito por esse grupo, e que lamentavelmente foi praticamente desconsiderado com a decisão de adotar o modelo japonês, possibilitou que soubéssemos que o Brasil poderia criar o seu próprio sistema de Tv Digital. Segundo ela, ficou evidenciada a criatividade e a dimensão inovadora dos pesquisadores brasileiros ao proporem um sistema “mais avançado do que os atuais existentes no mundo” porque tinha presente, de forma intensa, a idéia da interatividade. Interatividade essa que certamente modificaria o rumo da discussão sobre a programação da Tv Digital e, claro, da futura Tv Pública, constituindo-se, assim, num marco para o debate, visando a democratização da comunicação brasileira. Nesse universo da comunicação controlada por meia dúzia de famílias e de políticos, a pergunta que não sai do ar é: o que queremos com a Tv Pública? O que tem se repetido, mesmo com todas as possibilidades trazidas pela convergência tecnológica, é a efetivação de um sistema que privilegia a produção e a distribuição de conteúdos e informações do centro para a periferia. Àqueles que não estão no centro, a palavra de ordem é consumir. Consumir mercadorias, filmes, programas de tv, música, enfim, tudo, como se, fora do centro, nada pudesse ser criado. E quando essas criações surgem, ocupam, apenas, o lugar do pitoresco ou folclórico.
As possibilidades trazidas por essas tecnologias precisam ser apropriadas pela população, numa espécie de movimento contracultural, como mais uma forma, e talvez uma das mais importantes, de democratização da sociedade brasileira. Muitas idéias nas cabeças, e não só uma. Muitas câmeras na mão, muito acesso à internet, com banda larga, muito mais na mão do cidadão, para que ele possa, finalmente, deixar de ser um mero consumidor e se tornar, efetivamente, um produtor de culturas e conhecimentos. Necessitamos de condições para a produção e circulação (nem falo mais em distribuição!) de conteúdos. Esse, seguramente, não é o único, mas, certamente, é um bom começo para pensarmos uma TV Pública numa Nação, com ene maísculo.