por Nelson Pretto – Diretor da Faculdade de Educação da UFBA. www.pretto.info
Caetano Veloso, em Neide Candolina, resgata a dignidade de ser professor. Ela, uma “preta chique, essa preta bem linda“, que é modal e “tem um Gol que ela mesma comprou / Com o dinheiro que juntou / Ensinando português no Central”, na nossa “suja Salvador” onde “ela nunca furou um sinal“. Isso é bacana, com certeza, e isso é “nobreza brau“.
A vida segue e todo o ano, em 15 de outubro, comemoramos o dia do professor, o dia da pró Neide Candolina, aquela que nunca furou um sinal, porque professor sempre foi sinônimo de exemplo e dignidade. Nesse mês, quase todos os anos, sempre escrevo sobre as condições de trabalho, a formação, as lutas e a defesa intransigente do ensino público e gratuito no nosso país, tarefa máxima da Faculdade de Educação da UFBA, que, modestamente, achamos que realizamos com profissionalismo e compromisso social. Este ano, a escrita tem um elemento novo: a perspectiva do novo governo que se inicia em janeiro próximo e, como sempre, trazendo para os educadores a expectativa de podermos ver, efetivamente, as tais promessas de campanha de tantos candidatos se transformarem em realidade, concretizando as radicais transformações que sempre defendemos para a educação, visando, também, uma radical transformação da situação de miséria de nossa triste, quem sabe hoje alegre, Bahia. Mas é importante que todos saibam que nossos desejos se traduzem em demandas concretas. Queremos uma escola pública que possibilite que cada jovem deste Estado possa atuar criticamente para enfrentar esse mundo dito globalizado que, é bem verdade, globaliza muitas coisas, principalmente a miséria, guerras, violências e alguns produtos industrializados que oferecem certos confortos, é vero, mas muito mais fortemente, destroem culturas e valores locais pelo poder avassalador dos processos homogeneizantes.
Esse poder de destruição promovido pela tal globalização vem sendo acompanhado de um movimento de morte, por inanição, dos tradicionais colégios baianos como o Central, que teve papel histórico na formação das elites em nosso Estado, junto com os tradicionais João Florêncio Gomes, Alípio Franca, Costa e Silva, entre outros da Cidade Baixa, em função da falta de apoio e da redução no número de alunos.
Mais ainda, a profissão de professor foi perdendo dignidade, tanto pelos baixos salários como pela sua desvalorização, já que as escolas e a educação foram sendo, paulatinamente, transformadas em mercadoria e nós, profissionais da educação, produtos de baixo valor. Professores são ameaçados em sala de aula, correm de um lugar para outro, não têm recursos para compra de livros e para o próprio aperfeiçoamento, não têm condições de viajar para conhecer outros lugares e culturas. Aquele carrinho Gol, da pró Neide Candolina, é um sonho distante, já que poupança é incompatível com os ganhos desses profissionais.
Recuperar as tradicionais escolas, da capital e do interior, sem buscar construir Modelos mas, sim, fortalecer o sistema, reforçando o diferente de cada escola e região, com dignidade, condições infra-estruturais e forte inserção nas suas comunidades, é tarefa mais que urgente. Assim como fortalecer a idéia de um sistema, envolvendo todos os agentes da educação pública da Bahia, com as escolas estaduais e municipais, universidades, Cefets e escolas Agrotécnicas, formando um forte rede, com nós fortalecidos e intensamente conectadas. Mas, também, e quem sabe principalmente, recuperar a dignidade dos professores é urgente no país e na Bahia. Tarefa-desafio para o novo governo, porque para nós, da educação, isso significa, também, recuperar a capacidade de pensar e amar dos professores, de atuar criticamente na sociedade e nas escolas. Resgatando múltiplos valores, entre os quais o da língua, porque, como afirma o escritor mexicano Carlos Fuentes, ela “é a base da cultura, a porta da experiência, o teto da imaginação, o porão da memória, o quarto do amor e, acima de tudo, a janela aberta para o ar da dúvida, incerteza e questionamento.” Professor é isso, e muito mais… É gente que provoca e, ao provocar, constrói junto, ensinando e aprendendo, o tempo todo, para sempre.
Publicado em A Tarde de 14.10.2006, pag. 03