Gaúcho Nelson Pretto, 47 anos, recebe o título de Cidadão de Salvador
Elieser Cesar
Nelson Pretto: “A dimensão do professor é, acima de tudo, uma dimensão política, porque ele ajuda a refletir sobre a realidade”
Com o gosto apimentado do acarajé e o longínquo sabor do chimarrão, a baianidade do professor gaúcho Nelson Pretto, diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faceb/Ufba), será legitimada, na próxima quinta-feira. Nesta data – 38 anos depois dele ter se radicado na terra do axé – a Câmara Municipal de Salvador outorgará a Nelson Pretto, nascido em Porto Alegre, há 47 anos, o título de cidadão soteropolitano. Uma justa homenagem a quem, em 28 anos de magistério, fez muito pela educação na Bahia e a um homem que se identifica mais com a espontaneidade e o jeito festivo do baiano do que com o tradicionalismo e a sisudez dos estancieiros dos pampas. De origem gaúcha e espírito baiano, Nelson de Lucca Pretto é daquela terra sem fronteira do “atcxé”, como alguém que costuma jogar o axé dos terreiros de candomblé da Bahia no churrasco suculento dos gaúchos.
“O título é uma gentileza muito grande, um motivo de honra para mim, porque eu sempre me considerei um cidadão de Salvador”, agradece o professor. Formado em física pela Ufba, Nelson Pretto tem em comum, com a disciplina em que se graduou, o gosto pelo movimento. No caso do professor, uma vida irrequieta, marcada por uma intensa atividade, do corpo e da mente. Basta dizer que dentre outras ocupações, ele (jogador perna-de-pau) já foi juiz de futebol e até escoteiro. “Como não sabia jogar bola, acabei como juiz”, reconhece, enquanto inspeciona as obras de reforma do Centro Esportivo da Ufba, em Ondina, para onde será transferido o Departamento de Educação Física, hoje funcionando na Faced.
Chão da fábrica
Nelson Pretto chegou à Bahia em 1966, em companhia do pai, um engenheiro que ajudou a fundar o Centro Industrial de Aratu. Estudava no Colégio Antônio Vieira, mas, como lembra quatro décadas depois, passava as férias “no chão da fábrica”. Com uma diferença dos operários: era filho do patrão, o que não impediu, mais tarde, de se engajar em diversas causas populares, principalmente na alfabetização de adultos e nos embates político-ideológicos contra a ditadura militar.
O professor foi cursar física, mas estava com uma outra fusão em mente, ao invés da do átomo: conciliar as ciências exatas com as humanas. E isso conseguiu realizar. Já no primeiro semestre da faculdade, dava aulas em escolas secundárias. “O educador preponderou o tempo inteiro”, reconhece. E se sobrepôs tanto que, com o objetivo de poder lecionar, o estudante concluiu o curso de licenciatura, em lugar de bacharelado em física.
Ainda nos bancos da graduação acadêmica, Nelson Pretto implantou um projeto de alfabetização de adultos no bairro de Cosme de Farias. Sintomática a escolha do local, que traz o nome do velho rábula e major que dedicou toda a vida ao combate ao analfabetismo. Torcedor do Internacional de Porto Alegre, o estudante Nelson Pretto dirigiu o grêmio. Mas não há, aqui, nenhuma apostasia futebolística: não foi o time de futebol, arquiinimigo do colorado gaúcho, mas um grêmio estudantil.
No começo dos anos 80, ajudou a organizar, em Salvador, a histórica 33ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), um encontro democrático e pluralista, em pleno regime ditatorial, que contou com a participação do antropólogo e escritor Darcy Ribeiro, dentre outros intelectuais. Professor em permanente movimento, Nelson Pretto não parou. No Rio de Janeiro, ajudou a montar a peça Galileu Galilei, de Brecht. Em Salvador, ajudou a retomar o Sindicato dos Professores e a promover “lutas homéricas pela melhoria da qualidade do ensino e valorização do magistério”. “A dimensão do professor é, acima de tudo, uma dimensão política, porque ele ajuda a refletir sobre a realidade e, a partir daí, promover mudanças”, sublinha.
Abadá e bombachas
Toda essa vitalidade em prol da educação fez com que o Ministério da Educação e Cultura convidasse o “baiano dos pampas” a coordenar o Instituto Nacional de Estudos e Projetos (Inep). Nelson Pretto trabalharia ainda, durante um ano e meio, como superintendente de projetos especiais da Funtv, quando produziu programas de TV e vídeos ligados às TVs Educativas.
Mesmo fazendo o mestrado em educação, o professor encontrou tempo para participar das atividades da Associação dos Professores Universitários da Bahia (Apub), inclusive no comando de greves, e continuar dando aulas. “A pior coisa para o profissional de uma universidade é fazer o mestrado e o doutorado na própria instituição. É uma loucura conciliar tantas coisas”, diz, com a experiência de quem soube compartilhar uma gama de atividades e não despregar os pés da sala de aula.
Ao defender a tese de doutoramento Política audiovisual nas universidades, Nelson Pretto estava antecipando a discussão sobre a globalização, quando o assunto não era massificado como atualmente. Quando se dedicava ao doutorado, o professor foi “atropelado pela internet, uma ferramenta inserida num espaço maior, o ciberespaço”. “O mundo contemporâneo é o da comunicação e da informação. Hoje, você tem que demonstrar a capacidade de operar mais tecnologias”, define.
Na Faced, Nelson implantou o Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologia, com cursos de mestrado e doutorado, cinco professores doutores e 12 estudantes. O maior problema da educação no Brasil? O professor responde: “A distância entre as políticas no papel e a prática cotidiana, o que sempre vem colocando o professor em segundo plano”. Nelson Pretto tem uma filha de 22 anos, fruto do casamento com a jornalista Nadja Argollo. De gaúcho tem o gosto pela carne. De baiano…Bem, de baiano, tem quase tudo. Só faltava mesmo o título de cidadão soteropolitano, que Nelson poderia receber com abadá e bombachas.