Tenho falado e escrito sobre a importância de defendermos a UFBA e a nomeação do reitor eleito para o período 2022-2026. Para nós, reitor eleito tem que ser reitor empossado. Tenho também, ao longo dos anos, refletido e escrito sobre o papel das universidades, especialmente as públicas, e agora, ainda celebrando os 44 anos do Polo Petroquímico de Camaçari, gostaria de pensar um pouco sobre a expansão da UFBA e a implantação definitiva do seu campus de Camaçari.
Em janeiro passado, em ato ocorrido na Prefeitura daquele município, foi assinado o Projeto de Lei 1.057/21 que havia sido recém aprovado e que versa sobre a doação de um terreno de 147 mil metros quadrados para a instalação do campus da universidade naquele município. O novo campus será a sede definitiva do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTI), que iniciou suas atividades em setembro de 2018, num processo que teve inicio em meados dos anos 2000 quando, estimulado pelos planos de expansão do ensino superior corretamente promovido pelo Governo Lula, o Conselho Universitário da UFBA aprovou a implantação dos campi de Barreiras e Vitória da Conquista e promoveu a criação da UFRB a partir do desmembramento da sua centenária Escola de Agronomia, sediada em Cruz das Almas. Dessa expansão, além da UFRB, nasceu também a Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), em Barreiras.
Finalmente em 2018, quando aprovado, o ICTI passou a ocupar provisoriamente dois andares do complexo da Cidade do Saber, mantido pela Prefeitura Municipal de Camaçari, interessada na presença de uma universidade pública na cidade.
A notícia da doação do terreno, que foi celebrada pela comunidade do ICTI e da UFBA como um todo, não deixa de trazer uma série de preocupações.
A primeira é que a partir da data de publicação do PL, a UFBA precisa dar início às obras em até 18 meses e, depois, terá mais dois anos para finalizar o projeto (que pode ser prorrogado por mais 18 meses). E caso não cumpra o acordo, as áreas doadas retornarão ao município sem indenização pelas benfeitorias já realizadas.
É nosso conhecido o modus operandi da instituição para a realização dos projetos para o crescimento da nossa universidade desde os seus primórdios e, também, das ampliações com os novos campi. Sabemos das restrições orçamentárias e da nossa pequena capacidade instalada para que os atuais órgãos de planejamento e execução, no caso a Superintendência de Meio Ambiente e Infraestrutura (antiga Prefeitura do Campus), têm para elaborar internamente um projeto digno de um campus contemporâneo, localizado numa cidade da região Metropolitana de Salvador, com peculiaridades próprias, como a de abrigar um Polo Petroquímico.
A universidade pública tem a obrigação de ser um espaço disruptivo tanto na formação profissional, como no desenvolvimento da ciência e, mais do que tudo, no espaço urbano que ela ocupa.
Nossas universidades precisam se constituir em referência em diversas questões nas múltiplas áreas do conhecimento, com destaque para as questões ambientais.
Nossas edificações foram desenhadas para serem utilizadas com ar condicionado, sem aproveitamento das condições climáticas de nossa região. Os projetos das edificações estão exageradamente centrados em construção de salas de aula. As questões ambientais, com todo o esforço que vem sendo feito ao longo de inúmeras administrações, deixam a desejar em todos os sentidos.
Já sabemos, com dados da União Europeia, que os edifícios são responsáveis por 40% das emissões de carbono e, por isso, precisamos desde já pensar nas construções de prédios de consumo zero de energia e ambientalmente sustentáveis. Acabamos de saber do trabalho do arquiteto de Burkina Faso Diébédo Kéré, ganhador do prêmio Pritzker, considerado Nobel da Arquitetura, justamente por ter realizado um belo trabalho na linha de construções sustentáveis como nos projetos de escolas e de um instituto tecnológico em seu país de origem.
Um novo campus, com foco em ciência, tecnologia e inovação tem que ter como princípio basilar ser ele próprio um espaço da criação, espaço aberto e flexível, ambientalmente sustentável, com espaços verdes que possibilitem novas experiências pedagógicas e de criação cientifica. Precisa ser ecologicamente sustentável, ali mesmo produzir sua energia, tratar os seus resíduos, quem sabe ter espaço para produção de alimentos, sendo assim uma oportunidade de interagir e integrar-se com os diversos movimentos sociais da cidade voltados para a agricultura familiar, entre tantos outros aspectos.
Do ponto de vista tecnológico, o novo campus precisa ser mais próximo de um espaço hacker, centrado no commons, com laboratórios abertos e dinâmicos, que não devem ser propriedades de um ou outro pesquisador(a). Pode ser algo que tenha na experimentação e no resgate da perspectiva amateur o seu foco central para a produção de conhecimento e de culturas. Sim, culturas, pois não podemos imaginar um campus que se insere em um espaço urbano, no caso de Camaçari, inclusive avizinhado do IFBA, sem compreender que ciência, tecnologia e inovação dialogam, hoje mais do que nunca, com com as culturas e com as humanidades, sejam elas digitais ou não.
Nessa dimensão, esse diálogo tem que se dar para além dos seus muros, muros esses que precisam ser porosos, espécie de vasos comunicantes que ligam o “de fora” com o “de dentro”. Esse ligar precisa ser um dia-ligar/dialogar permanente.
Ciência, tecnologia, inovação, arte, cultura, criação, educação e ambiente, tudo junto e misturado, num espaço físico e conceitual que extrapole – e muito! – o instituído laboratório ou sala de aula. Eles até existirão, ou melhor, coexistirão com os espaços abertos, flexíveis e ecologicamente sustentáveis de cocriação. Serão, como afirma o colega Antonio Lafuente (CSIC/Espanha), muito mais próximos de uma cozinha, espaço da produção e experimentação coletiva, do que é hoje a nossa universidade.
As redes tecnológicas darão sustentação ao um projeto de comunicação pública que, mais uma vez, colocarão a universidade constituindo-se na comuniversidade, expressão-conceito cunhada por nosso sempre magnifico ex-reitor Felippe Serpa.
A UFBA em Camaçari não pode ser apenas mais um campus da universidade. Precisa se constituir no embrião da nova universidade pública que queremos. Ela começou a ser construída aqui na Bahia na década de 50 do século passado com Edgard Santos, da mesma forma que a escola pública do futuro começou também aqui a ser construída com a Escola Parque do educador Anísio Teixeira em conjunto com os arquitetos/engenheiros Diogenes Rebouças/Helio Duarte.
Não podemos perder essa oportunidade de continuar esse histórico percurso. E para isso, o campus da UFBA em Camaçari não precisa estar pronto no novo espaço para começar a dar conta desses desafios. Ele tem que ser parte da ocupação do terreno e isso para já. Tem que ser um campus em processo, inspirando-se em Dona Lina (Bo Bardi), que primeiro desenhava as gentes vivendo o espaço para somente depois começar a pensar em projetá-lo.
O ICTI já tem professores, servidores e alunos.
Agora temos um terreno.
Ocupemos ele já, num processo coletivo, amplo e aberto de produção de culturas, ciências, tecnologias e, mais do que tudo, em diálogo com a sociedade e os demais níveis da educação.
Nelson Pretto, professor da Faculdade de Educação da UFBA. Publicado no Correio*. Clique aqui para a página do jornal.