O Velho Chico, Paulo Afonso e o escritor vizinho
Tenho um vizinho, aqui em A Tarde, a quem admiro muito pelo texto e histórias. Fico sempre ansioso pelas suas deliciosas crônicas quinzenais. Não o conhecia pessoalmente e muita curiosidade tinha a seu respeito. Como seria ele? Pelo seu texto, novinho não podia ser. Seria um velho rabugento com saudades do passado? Seria um poeta que madruga com os passarinhos e dorme encantado com o rio? Um dia, lhe escrevi elogiando suas crônicas. Depois, já com seu fone em mãos, imaginei que poderia conversar pelo zap, mas ali não o encontrei. Percebi que ele não estava muito afeito a essas modernagens e talvez gostasse mesmo é de sinal de fumaça de uma fogueirinha à beira do rio, bichos, plantas, poesia, música e pensamentos sobre a velha e a nova Glória, terra mater de Paulo Afonso. Fui, assim, colecionando informações e, a cada quinzena, ia desenhando melhor o meu “personagem”.
Recentemente, sai em busca do tal escritor, aproveitando para conhecer aquela bela região.
Primeira parada em Piranhas/Al, onde encontramos os maravilhosos cânions do São Francisco e o lugar do massacre de Lampião e Maria Bonita.
De lá, rumamos para Paulo Afonso, construída quando da criação da Chesf. A cidade nasceu num Brasil desenvolvimentista, em meio a profundas desigualdades econômicas e sociais, como aliás, até hoje vivemos. Com um projeto assentado na lógica da segurança nacional, ali foi construído um grande muro que bem representava a desigualdade: o interior da vila, para engenheiros e operários qualificados, era rico; fora do muro, a pobreza dos trabalhadores informais e suas famílias que, com os restos dos sacos do cimento, construíram suas casas e, assim, todo um bairro popular, conhecido até os dias de hoje como Poty, do cimento.
Hoje, a visita à usina é um recorrido histórico de um passado rico e vibrante, acompanhado de um presente marcado pelo abandono. Ao seu lado, numa elevação de vista privilegiada, as ruínas de uma obra também monumental: o Grande Hotel de Paulo Afonso. Projetado por Diógenes Rebouças e inaugurado em 1970, foi considerado por Lúcio Costa “uma das melhores obras de arquitetura que existem no Brasil” (ver repositório da UFBA a tese do prof. Nivaldo Andrade). Nossa visita aos arredores daquela obra permitiu constatar o irresponsável abandono. O que restou do imóvel continua sendo saqueado – são frequentes os furtos da tubulação de cobre. Lamentável.
A edificação bem poderia se transformar em mais uma oferta para o turismo da região, ajudando a consolidá-la como mais um polo de desenvolvimento econômico e cultural. Por lá se fala na proposta torná-lo um hotel-escola, mas nada! Nem a Chesf, poderes públicos ou empresariado nacional conseguem perceber a grandiosidade do rio, da região e dessa obra arquitetônica.
A última etapa da viagem foi, claro, o encontro com o tal escritor, o já amigo Janio Soares. Um divertido encontro, que atiçou a vontade de voltar à região. Afinal, nada melhor do que, embalados por boas histórias, contemplar a exuberância do Velho Chico.
Publicado em A Tarde de 19/07/2019, pag. 03.