O que já se sabia a boca pequena foi tornado público ontem na aula inaugural do ano letivo da rede estadual, tanto pelo governador como pelo secretário de educação do Estado da Bahia.
Seguindo o modelo de vários outros estados, prefeituras e, inclusive, universidade públicas, a rede estadual de educação da Bahia passará a adotar, entre outras, a plataforma educacional desenvolvida pela empresa norte-americana Google. A Prefeitura de Salvador já adotou algo similar desde o ano passado nas suas EscolaLabs [aqui], tendo o prefeito ACM Neto e o secretário de Educação, Guilherme Bellintani visitado a empresa, nos Estados Unidos, no ano passado [aqui].
Algumas das questões associadas à essa duvidosa decisão do Estado precisam ser destacadas. A primeira, diz respeito à tranquilidade com que dirigentes da SEC e o próprio governador, segundo o jornal A Tarde de hoje, anunciam que a empresa fornecerá gratuitamente a sua suíte educacional para ser usada pelos estudantes da rede pública do Estado da Bahia. Tendo à frente da SEC um dos pioneiros militantes do movimento do software livre, o ex deputado e senador licenciado Walter Pinheiro, o governo vir a público afirmar que o custo do projeto é zero é uma total ingenuidade, para não dizer outra coisa. Quem não sabe que quando usamos esses sistemas ditos gratuitos, estamos, na verdade, remunerando essas empresas justamente com a moeda de maior valor no mundo contemporâneo: nossas informações. TODAS, em caixa alta mesmo, todas as informações sobre nossas vidas estarão à disposição para uma única empresa que vive, justamente, das informações que armazena e opera! Que cada sujeito faça isso individualmente é do seu foro íntimo e do seu livre arbítrio. No entanto, que um governo passe a adotar como política pública, “obrigando” toda uma comunidade escolar lá depositar seus dados e suas produções, é absolutamente lastimável.
O que tem acontecido com o crescimento dessas grandes corporações de TI, como Google, Facebook e outras, é um grande desafio contemporâneo e ações públicas no sentido de limitar a atuação dessas transnacionais precisam ser enfrentadas, principalmente através de políticas públicas corajosas.
Um segundo aspecto, mais amplo, diz respeito, justamente, ao espantoso crescimento dessas empresas, o que tem se tornado uma preocupação mundial. Através de algoritmos que ninguém sabe muito bem como são construídos, Google, por exemplo, deixa de ser apenas o nome de uma empresa e passa a ser um verbo: procurar, buscar. Como já fizemos com outras marcas no passado, como Coca-Cola, Gillette entre outras, hoje muitas dessas empresas estão se tornando sinônimo de internet ou de busca de informação. O trabalho da jornalista Naomi Klein é fundamental para melhor isso entender (No Logo).
Isso é ainda mais preocupante pois, com o gigantismo dessas empresas e seus mecanismos computacionais desconhecidos, os resultados das buscas são assustadores e preocupantes. Matéria recente no jornal inglês The Guardian analisa esses tendenciosos resultados que são buscados por 63 mil pesquisas por segundo, correspondendo a 5,5 bilhões de buscas ao dia. Por outro lado, as histórias da notícias falsas no Facebook, que dominaram o noticiário mundial nos últimos meses, mostrou a influência dessas notícias na eleição presidencial americana, não tendo ainda cessado o debate sobre o que fazer para isso evitar.
Esses sãos alguns exemplos que demandam corajoso enfrentamento, como já disse, que precisa ser feito com regulação e políticas públicas que fortaleçam as liberdades e a autonomia dos cidadãos.
No caso da educação pública no estado da Bahia, a situação é ainda mais contraditória, pois a própria SEC, através do IAT (Instituto Anísio Teixeira) tem desenvolvido um belo e avançado trabalho, de criação e implantação de um ambiente educacional, uma plataforma construída em software livre, licenciado em Creative Commons e com intensa produção colaborativa de Recursos Educacionais Abertos (REA), não dependente dessas empresas. Isso, sim, merece ser apoiado, ampliado e espalhado por toda a rede e poderia ser feito a partir de uma forte articulação dos diversos grupos que atuam na área de TI, envolvendo todas as 12 universidade e institutos de educação superior públicos aqui instalados, para a montagem de uma verdadeira operação de libertação da Bahia das amarras dessas empresas que, com a lógica do gratuito, aprisionam os cidadãos – transformados em meros consumidores – em uma internet totalmente murada.