SBPC 2016: CARTA DE PORTO SEGURO

CARTA DE PORTO SEGURO #SBPC2016

Moção de Repúdio à violação do direito dos Povos Indígenas

A Assembleia Geral Ordinária dos Sócios da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizada no dia 7 de julho de 2016, decidiu por unanimidade endossar integralmente o documento elaborado pelos pesquisadores indígenas, reunidos com caciques, lideranças e aliados da cauda indígena, por ocasião da 3ª SBPC Indígena no âmbito da 68ª Reunião Anual da SBPC, nos dias 03 a 08 de julho de 2016, em Porto Seguro – BA, conforme discriminado abaixo.
Reitera-se ser inadmissível, no âmbito do Estado democrático de direito que sejam violados os direitos originários garantidos tanto na constituição brasileira quanto nos instrumentos jurídicos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

1. O sistemático desaparelhamento do órgão indigenista – Fundação Nacional do Índio (FUNAI);
2. O projeto de Emenda Constitucional 215 e o Projeto de Lei 1610, por atentarem frontalmente contra os direitos dos povos indígenas;
3. O uso da violência policial e os recorrentes assassinatos, que permanecem impunes, de líderes indígenas;
4. A criminalização de lideranças indígenas com o uso de prisões temporárias que se estendem por meses, sem audiência de tutela;
5. A sistemática negação dos direitos sociais – a educação diferenciada acesso e permanência no ensino superior em todos os níveis, saúde, saneamento básico e água potável – especialmente às comunidades indígenas que se encontram em áreas de conflito e vulnerabilidade, como os Guarani-Kaiowá;
6. O descaso e a omissão das autoridades, diante da tragédia socioambiental do Rio Doce, provocada pelas empresas mineradoras – Samarco e Vale – atingindo diretamente a sobrevivência dos povos indígenas Krenak, Tupiniquim e Guarani;
7. O não cumprimento da Constituição Federal no que concerne à proteção dos povos indígenas e à demarcação dos seus territórios tradicionais, principalmente nos casos dos Guarani-Kaiowá; Pataxó das T.I. de Barra Velha do Monte Pascoal e Comexatiba; e T.I. Tupinambá de Olivença;
8. Qualquer tipo de retrocesso aos direitos garantidos constitucionalmente na Educação Escolar Indígena diferenciada, específica, intercultural, bilíngue e comunitária. Expressamos, portanto, pleno apoio aos professores indígenas, defendemos a manutenção de todos os programas voltados à educação escolar indígena, exigindo que o Estado brasileiro, por meio do Ministério da Educação, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, assuma os Territórios Etnoeducacionais e realize a II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena;
9. Qualquer tentativa de retrocesso com a implementação da Base Nacional Curricular Comum, em relação às orientações curriculares e às Diretrizes Nacionais da Educação Escolar Indígena Específica e Intercultural, já garantidas em marco regulatório. O governo deverá garantir as especificidades culturais, identitárias e do Bem Viver dos povos indígenas do Brasil;
10. A implantação de projetos ou medidas que interfiram nos hábitos, costumes e organização sócio-política dos nossos povos sem a consulta prévia, conforme estabelece a Constituição Federal, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração da Organização dos Estados Americanos sobre os Povos Indígenas.
11. A utilização dos meios de comunicação, concessões públicas, para a pregação do ódio, da divisão, do racismo e da discriminação, principalmente contra os povos indígenas. O respeito à diversidade étnica e cultural deve ser balizador das atividades destes meios e qualquer infração deverá ser punida pelo poder público. Não podemos confundir a liberdade de expressão e de opinião com o direito de atacar a integridade e a honra de cidadãos ou de povos indígenas, a exemplo do que aconteceu recentemente com o povo Maxacali, para o que exigimos reparação;
12. Todas as formas de genocídio e violação de direitos, atentados contra a vida, crimes hediondos conforme o Artigo nº 07 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos povos indígenas, em que se afirma que “os povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, e não serão submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência”.
Considerando que tivemos visíveis avanços no campo dos direitos formais nas ultimas décadas, nossos povos e lideranças não permitirão que grupos conservadores da sociedade brasileira retirem e anulem tais direitos, conquistados à custa muita luta nossa e dos nossos antepassados. Os avanços conquistados pelos nossos povos são, também, o avanço da sociedade nacional à qual pertencemos. Nossos direitos são a busca da superação de uma subalternidade cultural e econômica imposta pelo sistema colonizador sobre nossos povos e por extensão a toda a população brasileira. Não há recuo possível! Não há golpe que consiga impor ao povo brasileiro o retrocesso à sua dignidade e, aos povos indígenas, a redução dos seus direitos.

Porto Seguro, 7 de julho de 2016

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