Não temos… Não dou, não! Essas, seguramente, serão as respostas que mais ouviremos se continuarem as operadoras de telecomunicações insistindo na ideia de limitar o chamado consumo de dados na internet.
Para melhor entender a questão, necessário se faz voltar um pouco no tempo. No final dos anos 1980, Tim Bernes-Lee, Vinton Cerf e tantos outros, criaram os protocolos computacionais que viabilizaram a existência do que hoje é conhecido como internet. O que eles queriam era disponibilizar suas invenções sem nenhum tipo de trava – tecnológica ou legal. Eles tinham um desejo de contribuir para o avanço da ciência, desenvolvendo soluções tecnológicas para a humanidade. Por essa razão, não patentearam esses protocolos. Se esse começo tivesse sido diferente, nada seria igual ao que temos hoje. Em 1995, num esforço conjunto de diversos órgãos públicos e instituições, começamos no Brasil, e na Bahia também, a implantação da internet comercial. Passamos a viver a era da conexão generalizada, mesmo sabendo que há ainda muito a ser feito para que, efetivamente, todos estejam plenamente conectados à rede.
Na prática, a maneira de se ver vídeos e filmes, comunicar, estudar, escrever, namorar, foi profundamente transformada com a internet.
Desde muito, as operadoras não param de ameaçar o funcionamento da rede com medidas restritivas, tentando implantar uma legislação que se adéque aos seus modelos de negócios. Foi assim com a batalha para a definição de um Marco Civil da Internet, uma espécie de Constituição da rede, e que, após aquele longo e democrático processo, serviu de exemplo para o mundo.
Mas as operadoras insistem em modificá-lo. A última cartada, iniciada pela Vivo, foi o anuncio do corte da conexão fixa, aquela que contratamos em casa, no comércio, indústria, sindicatos e associações, após atingirmos o chamado limite de uso de dados. Na prática isso significa que, em alguns casos, para quem usa a rede para ver filmes e vídeos, bater papo, publicar conteúdos etc, a internet poderá “acabar” em um ou dois dias.
A Anatel, voltando atrás no que havia declarado irresponsavelmente o seu presidente, proibiu a implantação dessa prática temporariamente, enquanto não há um avanço no debate sobre a regulamentação da questão. E isso, só aconteceu, porque os ativistas da cultura digital, os militantes da defesa do consumidor, a OAB e tantos mais, protestaram imediatamente e de forma contundente contra o inevitável “fim da internet ilimitada”, nas palavras do presidente da Anatel.
A implantação desse tipo de limitação, gerará, no cotidiano, um uso egoísta e individualista da rede, contrario a tudo que temos preconizados ao longo dos últimos anos.
Queremos a nossa internet de volta, toda nossa, com pleno uso para que possamos, com ela, nos organizar enquanto movimentos sociais, produzir e postar conteúdos, intensificar os usos coletivos e solidários das redes sociais e da infra estrutura de telecomunicações.
Precisamos, sim, de políticas públicas que garantam tudo isso, pois não podemos deixar que os avanços científicos e tecnológicos sejam apropriados pelas grandes corporações multinacionais, em detrimento das liberdades e da democracia.
Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da UFBA – nelson@pretto.pro.br
Publicado no Correio*, de 28 de abril de 2016, página 2. Replicado no Jornal da Ciência (SPC), aqui e no Boletim pensar Educação, aqui.