Educação, a cultura da obsolescência e gambiarras
Um dia desses visitava um querido amigo e colega, Fritz Gutman, que, para mim, é um físico, gênio das traquitanas. Ao lá chegar reencontrei a sua oficina, no fundo da casa, cheia de tralhas. Literalmente tralhas: resto de rádios, fios, pedaços de cadeiras, latas, aparelhos eletrônicos e elétricos, tudo espalhado pelas paredes e bancadas. Dali já saíram suporte para janelas, sistemas automatizados de fechar portas, bancos para jardins, cenários para teatro – coisa que ele faz muito. Conversa vai, conversa vem, lembro dos meus primeiros cursos a distância, pelo Instituto Monitor, que me enviava os manuais e, de tempo em tempo, algumas ferramentas, para as atividades práticas, como a construção de um rádio de galena (aposto que a quase totalidade dos leitores nem sabe o que é isso! tem na wikipedia, veja lá!). Pois sou um encantado com as gambiarras. Já escrevi sobre isso aqui em A Tarde (18.11.11), comentando o livro de Matthew Crawford, de 2009, que desta a importância de se trabalhar com as mãos.
Pois na conversa com Fritz relembrávamos o nosso inicio no Instituto de Física da UFBA, quando lá existia uma oficina mecânica, outra elétrica e até mesmo uma de vidros. Todas super bem equipadas e com profissionais do quadro efetivo da universidade. Lá consertávamos tudo. Nada ia para o lixo já no primeiro defeitinho!
Durante o tempo que estive na direção da Faculdade de Educação, fiquei conhecido como badameiro, o que sou até hoje, com muito orgulho. Isso porque não deixava nada ir embora, sem antes tentarmos dar um jeitinho e pôr de novo o objeto quebrado em funcionamento, ou mesmo, dar a ele uma nova funcionalidade. Mas não temos mais nada disso. Em nome do tal Patrimônio, não podemos re-utilizar nada. Ao menor defeito, vemos sair da nossa unidade, cadeiras, televisores, monitores, armários, um sem número de objetos que terminam mofando nos setores administrativos para os nem tão anuais leilões, onde são todos arrematados, já sem funcionalidade, por bagatelas.
Fora o desperdício, constatamos que cada vez menos, exercitamos a habilidade do fazer. Tudo é comprado pronto e só o que vale é o mais novo, mais moderno, mesmo que isso seja uma simples modificação estética, às vezes, até desnecessária. Em nossas escolas, essas atividades estão totalmente afastadas do cotidiano de professores e alunos e, o pior, já são até mesmo rejeitadas.
Quando vemos crescer a tendência da chamada escola de turno integral, e, ao mesmo tempo, a insistência de se trabalhar nesse turno ampliado com reforço em matemática e português, nada melhor do que voltar a pensar na implantação de laboratórios hackers, fablabs ou similares, e, com isso, termos um grande programa educacional com a implantação de “oficinas de gambiarras” nas escolas, para fazer a meninada pôr a mão na massa e soltar a imaginação com criatividade.
Isso vale para todos os cantos do país e, muito mais, para uma Bahia que tem Carlinhos Brown, Peu Meurray, Bira Reis e tantos outros criadores genais.
Artigo de Nelson Pretto, publicado no jornal A Tarde de 08.02.2016, pagina 02.
Clique aqui para baixar o pdf da página do jornal.
Prezado Nelson Pretto
Sou sua fã embora muito pouco saiba sobre seu trabalho. Esse texto me toca quando vejo surgir um fio do meu pensamento no que se refere à Educação Integral. Trabalho com escolas, embora não trabalhe em escola, principalmente na \”educação integral\”, e gosto de fazer com que os alunos desenvolvam de alguma forma as suas habilidades e criem, estejam sempre neste processo de construção e criação… Desenvolvemos oficinas variadas levando-os a criarem \”coisas\” que eles acreditam que não são capazes de fazer… mas fazem e, na maioria das vezes, fazem muito bem!
Pois a ideia é essa mesma, pensar a educação integral para além da criança/jovem em tempo integral na escola. Grtao, Maria Cristina pelos comentários.