Por ocasião do aniversário do projeto Cidade do Saber, na cidade de Camaçari/Bahia, publiquei em A Tarde de 29.03.2012 (dia do aniversário de 463 anos de Salvador, o artigo “Arquitetura, ciência e educação”
Equipamentos urbanos são, por sua própria natureza, equipamentos que educam. Seja por sua função social – um teatro, praça ou abrigo -, seja por sua arquitetura. Essa segunda dimensão me encanta, mas a deixo para os arquitetos. Do ponto de vista pedagógico, a temática é rica para a formação da cidadania. Esse debate não pode ser deixado de lado pelos políticos que adoram construir de equipamentos urbanos, como se bastasse sair por ai simplesmente reproduzindo projetos.
Aproveito os cinco anos do Cidade do Saber, para pensar sobre a função social de um equipamento urbano de uso público e coletivo, como aquele implantado em Camaçari. Não tenho o privilégio de acompanhar o seu uso cotidiano, mas das poucas vezes que por lá estive, me impressionou a dinâmica que potencialmente se pode estabelecer com a existência desse espaço de múltiplas funções e finalidades.
Lembro de Anísio Teixeira e dos arquitetos Diógenes Rebouças e Hélio Duarte com a Escola Parque, na Caixa d’Água, que já compreendiam, em 1950, que arquitetura e educação são áreas com muito a se falar. Os espaços para a educação devem ser pensados a partir da compreensão do que são os processos formativos, qual o papel dos conteúdos e que outros elementos, além daqueles formais da escola instituída, precisam estar contemplados em um projeto nacional de educação. Isso nos leva a ver os espaços educacionais como espaços arquitetônicos que, por si só, educam. No entanto, não é possível pensar a arquitetura de hoje tendo na cabeça uma educação de anteontem.
A escola deveria incorporar mais o fazer, principalmente nesse mundo onde encontramos tudo pronto, e pronto também para ser substituído. Fora dela isso tem crescido, e um bom exemplo é o movimento dos “makers” (fazedores), que reuniu em Nova York, num único final de semana de 2011, mais de 35 mil vistantes na Maker Faire. Esse movimento busca retomar mais intensamente a perspectiva de produção de coisas, a partir da experimentação. Construir pequenos objetos, juntar peças velhas e produzir novos equipamentos, inventar, inventar, inventar. Me parece que a escola – apesar do esforço individual de muitos professores – pouco tem percebido e acompanhado isso. As aulas de ciências terminam sendo, prioritariamente, associadas ao “consumo” da ciência moderna estabelecida (às vezes de forma totalmente acrítica!), como se fosse suficiente para a compreensão do mundo, conhecer meia dúzia de leis da natureza.
Penso sempre na riqueza de um abridor de garrafa construído nas praias da Bahia a partir de um tosco pedaço de madeira e um parafuso na ponta. Quanta ciência e tecnologia temos aí! Vejo meu Davi de 12 anos inventar/construir um “amplificador” de som a partir do cone cortado de uma garrafa pet que, colocado no minúsculo alto falante do seu tocador de música, lhe possibilita ampliar o som e, assim, prestar mais atenção na letra em inglês, que ele deseja compreender e traduzir. Pequenas invenções, com muita ciência e arte. São inovações e criações que motivam a meninada e fazem a diferença na formação científica da juventude que, no futuro, serão os nossos cientistas.
O UNICA (Museu Interativo de Ciência e Tecnologia) foi resgatado por Camaçari da antiga OAF, sendo importante espaço para a experimentação, estimulador da criação e das invenções da turma jovem. Mas ele não se basta, a experiência não pode ser “única”! Tem que se multiplicar pela Bahia e aí o papel da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI) é fundamental, a partir do apoio, por exemplo, à construção de espécies de garagens digitais, que possibilitariam à juventude experimentar todo tipo de tecnologia e, mais uma vez, inventar e criar! Isso, se bem articulado com as escolas e Pontos de Cultura, criaria, de fato, o que denomino de um ecossistema pedagógico em cada região da Bahia.
A formação científica da juventude é importante passo se objetivamos a construção de um planeta sustentável e justo para todos os cidadãos, e isso não pode esperar o amanhã.
Nelson Pretto – Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. www.pretto.info. Email: nelson@pretto.info
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