A nudez explicita do ensino do país
Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da UFBA – nelson@pretto.info – www.pretto.info
A labuta diária dos professores é algo que praticamente todos acompanham. Não tem aquele que não se lembre de uma vizinha, amigo ou conhecido professor. Os mais velhos que tiveram o privilégio de passar pela escola – e, lamentavelmente, sabemos que em torno de 20% da população do Nordeste assim não o fez, contribuindo para engordar as estatísticas do analfabetismo no país – seguramente tem algum tipo de lembrança de seus mestres.
Outubro é o mês em que celebramos o dia do professor. A cada ano, e em cada lugar, essa comemoração é realizada de maneira diversa, umas mais festivas, outras mais reivindicatórias e, outras ainda, como simples celebração interior, com cada mestre refletindo sobre o seu cotidiano, tão pouco valorizado.
Nós, da Faculdade de Educação da UFBA, cujo trabalho maior é contribuir com a formação dos futuros professores e dos pesquisadores no campo da educação, celebramos o dia do professor cotidianamente em nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Este ano, além disso, comemoramos 40 anos de vida. Dura vida também para nós, que lidamos com enormes desafios para manter viva a universidade pública em nosso país, lutando contra os processos de privatização – externa e interna – que vão solapando as bases da educação, em todo o mundo. Educação que vai se tornando mercadoria, portanto, objeto de compra e venda. Educação que deixa de ser um patrimônio público, um bem da humanidade, para se tornar um mero serviço. Nesse negócio, estudantes passam a ser clientes e professores lutam cotidianamente para garantir a sua dignidade. Sem tempo para o estudo, sem tempo para o lazer, com dificuldades de todas as ordens, os trabalhadores da educação vivem tormentosas angústias. Acrescente-se a isso o fato de que a vida do professor passa a ser controlada em todos os sentidos, agora também pelas câmaras nas escolas e nos celulares dos alunos. Controle dentro da escola e fora, como foi o caso da professora que dançou numa folia de fim de semana, mostrando suas qualidades de dançarina e terminou crucificada publicamente. Entretanto, pouco se comentou acerca da qualidade do seu trabalho de professora; nada se falou da mídia que, com total naturalidade, expõe as mulheres como mercadorias, no carnaval, nas festas e em seus programas dominicais, em danças e posturas muito próximas àquelas da professora na sua folia. E isso, desembocou num segundo ato: a tal professora deixou o magistério, passou a dançar profissionalmente e, dizem, ganha por apresentação, mais do que 30 vezes o salário mensal de mais de 50% dos professores do Nordeste brasileiro, conforme recente estudo da UNESCO.
Em São Paulo, professores da rede estadual também pensam em botar o corpo de fora, só que agora não numa festa, mas na rua, num protesto denominado de "dia do nu pedagógico", para mostrar a nudez do governo em relação à educação.
Fatos como esses alimentam o cotidiano dos 40 anos de vida da Faculdade de Educação/UFBA. Aqui, para formar os professores, lutamos diariamente para desnudar as teorias pedagógicas e, num esforço muito grande, tentar mostrar aos nossos alunos que a formação profissional de um mestre vai muito além dessas importantes teorias. Exige uma formação ética e solidária que não se resume às aulas, provas ou trabalhos. Demanda um pensar mais amplo, que lhes possibilitem, de fato, compreender o mundo com todos esses desafios e dele participar de forma ativa, na busca de transformá-lo. Com os nossos alunos temos que aprender o jeito ativista de ser da juventude, que não se conforma e não se acomoda. Uma juventude que muitas vezes é empurrada para fora da escola, por absoluta falta de compreensão das políticas públicas e, lamentavelmente, de muitos mestres. Por isso, insisto que não se trata só de organizar a escola e o sistema. O que precisamos, com urgência, é fortalecer os professores. Com salários dignos, escolas bem construídas, bibliotecas e equipamentos de qualidade, espaço para lazer e estudo, com integração com a comunidade e com a implantação de redes de comunicação e solidariedade. Tudo isso é importante, mas nada se concretizará se não tivermos professores fortalecidos enquanto lideranças intelectuais e acadêmicas.
Publicado hoje, 07.10.2009, no jornal A Tarde de Salvador, pagina 02.
Versão do artigo em pdf. Replicado no Jornal da Ciência (SBPC).