Lixo, barulho e educação

Nelson Pretto – Professor da Faculdade de Educação da UFBA. www.pretto.info

Segunda feira, seis e meia da manhã. Rio Vermelho. O sol ilumina a praia com os seus barquinhos que no último dia dois de fevereiro prestaram homenagem à rainha do mar. Estamos na semana de início das aulas na rede pública e a meninada caminha pelos passeios em direção às escolas. A cena é graciosa. No rosto dessa gente miúda transparece a alegria do retorno à escola, ao espaço de convivência com os colegas, às traquinagens e, claro, também às aulas e aos professores. Estes, nos últimos dias, nas reuniões pedagógicas de planejamento, pensavam a melhor forma de conduzir as aulas das diversas matérias, de modo a envolver a meninada em todo o processo educacional. Para tanto, fazem das tripas coração, pois se deparam, na maioria das vezes, com condições de trabalho muito aquém das necessárias e, como de sempre, com salários que não lhes permitem uma dedicação integral à escola e, muitas vezes, nem mesmo à educação. Mesmo assim, esforçam-se para introduzir questões mais amplas, dentre as quais sempre merece destaque o tema da cidadania e do ambiente. Justo nesses campos, encontram os professores uma concorrência quase que desleal, bem no caminho da escola. Na véspera, a alegria que caracteriza a cultura baiana, ocupara as ruas e praças do Rio Vermelho, com baianas de acarajé mais famosas enchendo as burras de dinheiro e deixando um rastro de sujeira que deveria envergonhar a qualquer um. Meninas e meninos que passam por esse lindo pedaço da cidade convivem, também, com uma infernal música vinda da suntuosa academia ao lado da praça, onde um instrutor imagina expulsar as gordurinhas dos malhadores matinais aos gritos. Triste Bahia, que considera “naturais” esses comportamentos displicentes, que vão do som alto da academia ao ato de jogar no chão tampinha de cerveja, restos de vatapá, papel de acarajé e copinhos plásticos, como se os impostos que são pagos para a limpeza da cidade fossem destinados à limpeza da sujeira deixada por esses empreendimentos comerciais. Estes, em alguns casos com lucros astronômicos, a exemplo das baianas de acarajé mais famosas da cidade, que, agora, possuem até “franquias”, inclusive em posto de gasolina (pasmem, fritar acarajé em posto de gasolina!).

Desviar do lixo deixado, caminhar na direção da escola com o ruído ensurdecedor das músicas das academias e gritos dos instrututores, tudo isso poderia ser tolerável se fossem situações pontuais, mas o fato é que se repetem cotidianamente e marcam de forma indelével cada uma dessas crianças, que amanhã serão os adultos que, num moto perpétuo, estarão com os porta-malas de carros abertos com sons ensurdecedores, jogando, dos ônibus, carros e janelas das casas, os restos do que é produzido pela nossa sociedade – lixo material e cultural.

Nas escolas, nos primeiros dias letivos, professoras esperam os meninos e meninas com alegria, e sabedores de que o seu maior desafio não está somente no trato dos conteúdos das diversas matérias, mas, sim, na formação de uma juventude capaz de compreender que a responsabilidade pela nossa cidade não é só dos políticos e das políticas públicas, cada vez menos atentos a essas coisas, mas de cada um de nós individualmente e de todos coletivamente.

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