Nelson Pretto – Diretor da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info
Viajando por Portugal, visito diversas cidades. Busco compreender um pouco mais as características desse país e povo que sempre estiveram muito próximo de nós, brasileiros. A língua, em princípio, é a mesma. Como eles mesmo dizem, o português do Brasil é o mesmo do de Portugal, só que com todas as vogais. Para nós, não é lá muito fácil, pá, compreender as coisas quando a conversa é rápida entre eles. E como falam! Em todos os lugares, em todos os momentos, e com todos os milhões de telemóveis, que é o nome do que aqui, estranhamente, chamamos de celular. Nas conversas nos ônibus e locais públicos é que conseguimos perceber um pouco mais desse povo, que gosta de comer, que fala alto e que ri um bocado, apesar de parecerem, às vezes, meio brabos e zangados. A língua é sempre um traço forte da cultura e, como esta, se mescla e se modifica no contato com os outros. Viram línguas, viram culturas, tudo no plural, um plural pleno. Portugal, integrado na Europa, vive, no entanto, em vários campos, um processo muito forte de “integração” à União Européia. As aspas aqui são fundamentais, pois esse processo, além de não ser natural, não é lá muito bem visto por muita gente. Desde a chegada do Euro, a moeda unificada, já em 13 países, os portugueses estranharam muito essa “conversão”. Primeiro, por que os preços dispararam, depois, porque os escudos – nome da antiga moeda local – despareceram mas, ainda hoje, não falar em quantos contos custa um produto ou serviço é meio difícil. Só que esses processos vão se impondo, meio que na marra, é bem verdade. Na educação, o Euro agora tem um nome: Processo de Bolonha. O curioso é que para nós, que estamos observando tudo isso de longe, parece uma unanimidade, mas não o é. Em uma semana de Portugal, num boa quantidade de artigos dos jornais e conversas nos cafés e restaurantes das universidades que visitei, o tema era um só: o tal Processo de Bolonha, que está unificando os currículos das universidades européias, diminuindo o tempo da graduação, os gastos do estado com a educação pública de terceiro grau, que, com ele, fica um ano menor. E, para fazer isso, até manuais estão sendo produzidos, no estilo auto-ajuda, para que as administrações das universidades possam fazer direitinho a lição de casa e, com isso, receber as benesses da tal integração. A empreitada, que começou por volta de 1999, prevê essa unificação até o final dessa década, ou seja, daqui a no máximo três anos. Por isso todos correm e a pressão é grande. Mas, pelo que vi, creio que a tarefa não será fácil, já que Reitores, professores e estudantes não estão lá muito satisfeitos. Saio das conversas e reuniões com uma forte impressão de que esse movimento de igualização do mundo não é lá uma coisa muito boa. Apesar desse meu espanto, percebo que fala-se disso com uma naturalidade que incomoda, a mim pelo menos. Felizmente não estou sozinho. Encontro nesse caminho Mia Couto, escrevendo, em março de 2005, um texto de título marcante, denominado “Por um mundo escutador”, propondo criar uma outra globalização à nossa maneira. Diz: “Só há um caminho. Que não é da imposição. Mas da sedução”. Complemento: o caminho da diversidade e do fortalecimento das culturas, como, aliás, já nos dizia o nosso saudoso Milton Santos, que inclusive escreveu livro intitulado Por uma outra Globalização. Pelos lados de lá, o sociólogo português, bastante conhecido de nós, Boaventura de Sousa Santos, também andou propondo um caminho mais plural, com a idéia de Globalizações.
Procurando os valores locais, também na comida, vou atrás de um delicioso pastel de nata, no bairro de Belém. Lá chegando, encontro na porta uma uma enorme bicha (a fila para eles), mas não desisto. Depois, como essa preciosidade da culinária portuguesa acompanhado de um café expresso, italiano, of course! É hora de voltar para o hotel. Desisto de pegar o eléctrico (bonde) e vou de autocar (ônibus). Deixo para trás o mesmo ponto de ônibus, com vidro fumê e publicidade em tamanho gigante, tudo igualzinho ao que encontrara nas cidades anteriormente visitadas. O mesmo que encontro na Suécia e aqui, no Rio Vermelho ou na Ribeira, da nossa São Salvador da Bahia. Tudo igual e, muito mal.
Publicado no jornal A Tarde de 25/05/2007, página 03.