Entrevista ao Jornal da FACOM
http://www.jornaldafacom.ufba.br
POR
Nelson Pretto – Diretor da Faculdade de Educação – www.pretto.info
Respondida por email em 19.11.2006 parece que ainda não foi publicada. Quando for coloco o link aqui. Porenquanto para você poder acompanhar um pouco da discussão.
Tem também um interessante artigo de João Sales, publicado na Revista Terra Magazine.
P – Por qual motivo se opõe ao projeto Universidade Nova?
NP – Não se trata de oposição ao projeto. O ambiente universitário não é formado de situação versus oposição, a favor ou contra e coisas do tipo. O que está em jogo são concepções acadêmicas, conceituais, políticas e pedagógicas, que estão em debate e precisam ser clara e abertamente discutidas e aprofundadas à luz de teorias e concepções de mundo. Portanto, de minha parte, creio que represento a diversidade de opiniões e concepções abrigadas na Faculdade de Educação, que dirijo junto com a professora Mary Arapiraca. O que queremos é debater de forma adequada esse e tantos outros projetos e propostas que discutam a UFBA e a sua relação com a sociedade, porque a universidade não é uma instituição isolada do mundo. Nesse aspecto, tenho profunda discordância sobre a forma e os métodos com que esse tema vem sendo posto pela Reitoria. Neste momento, a UFBA, através dos seus Conselhos Superiores, está se debruçando sobre o nosso Plano de Desenvolvimento Institutional, o PDI, documento que define as estratégias e propostas para os próximos anos da Universidade. A comissão que está organizando esse debate estabeleceu a necessidade inadiável da revisão do nosso estatuto e dos regimentos da Universidade, que estão completamente defasados, e em relação aos quais ninguém fez nada há mais de 6 ou 7 anos! Isso é urgente, está agora na pauta e de forma correta. Também estavam previstas, desde o início, discussões sobre a estrutura acadêmica da UFBA. O que quero dizer, portanto, é que estamos em plena discussão da UFBA como um todo. De repente, o Reitor apresenta, através da mídia, uma proposta que modifica tudo na Universidade. Isso nos obriga a buscar compreender a questão a partir de dois enfoques simultâneos. Primeiro, sobre a legitimidade do Reitor fazer isso… Ele foi eleito, representa a UFBA como um todo, é o nosso Reitor e, como tal, tem obrigação de provocar a sociedade e a própria UFBA. Portanto, é correta a sua provocação e a exposição de suas reflexões. No entanto, e aí chegamos ao segundo ponto: ele faz isso de forma equivocada, porque lança para a sociedade, a partir do seu desejo de transformação, questões que sequer foram tratadas na própria UFBA e, claro, a mídia e a sociedade as compreendem como definitivas, o que gera um mal entendido total que pouco contribui com a democracia e com a própria discussão de algumas boas ideias que estão postas na mesa. Assim sendo, penso que o correto é dizer, por exemplo, em relação ao fim do vestibular, que se trata de um desejo do Reitor… e no campo do desejo não posso me manifestar. Do ponto de vista prático, anunciar o fim do vestibular como uma ação de marketing mais prejudica do que contribui com a discussão. Claro que contra o vestibular sempre fomos. Fui professor do ensino médio e de cursinho, no início de minha carreira e, desde lá, combatíamos o perverso mecanismo de seleção para entrada na universidade. O vestibular já melhorou e muito, mas temos ainda muito a fazer, muito mesmo, para transformar esses mecanismos de seleção, enquanto não chegamos ao nosso objetivo maior que é o da universalização do acesso ao ensino superior.
Voltando à sua questão, temos que ter claro que é importante acelerar as discussões, pois há um consenso de que a educação brasileira (e não só aqui no Brasil!) passa por momentos de muitas dificuldades, em especial a nossa universidade que, no meu entender, perdeu a capacidade de pensar revolucionaria e criticamente, como propositora de conceitos, tendo se reduzido, no mais das vezes por essas próprias propostas de alinhamentos neoliberais, a uma mera reprodutora e consumidora de informações. E isso é, de fato, péssimo e precisa ser mudado. Basta vermos o que foi feito, equivocadamente, nas últimas reestruturações curriculares que realizamos em diversos cursos. Nós, da Faculdade de Educação, pesquisamos e fazemos isso cotidianamente e estamos sempre disponíveis e desejosos de contribuir com essas reflexões. No particular, os nossos projetos de formação de professores para os municípios de Irecê e Salvador, por exemplo, já caminham na direção de uma formação mais ampla, não dirigida e dependente das demandas imediatas do mercado, com uma concepção de currículo não reduzido à id’;eia de grade e ou de matriz, mas de movimento, de fluxo contínuo, com forte presença das tecnologias da informação e comunicação e, no entanto, essas propostas não contaram com o apoio da atual administração que, curiosamente, agora propõe algo em bases até certo ponto similares.
Voltemos ao tema específico. Os documentos que a comissão designada pelos Conselhos Superiores para discutir o PDI já estão disponíveis na internet [http://www.fis.ufba.br/dfes/PDI/], incluindo o documento inicial da Universidade Nova e devemos lê-los para discuti-los de forma mais aprofundada e sem a pressa ou agonia de quem quer resolver todos os problemas numa tacada só, de hoje para amanhã. Tenho insistido nesse ponto: nós temos que pensar no futuro, vivendo o presente e com olhos muito atentos ao passado… Portanto, sair correndo para estar à frente não é sinônimo de vanguarda, em minha opinião. E as idéias, na verdade, são antigas, se não em todos, em pelo menos alguns aspectos, e precisamos compreender porque sempre foram sistematicamente não implantadas. Por exemplo, algumas dessas idéias estão fortemente associadas ao que acontece no sistema universitário americano, lembrando sempre que é um sistema implantando em uma sociedade com características socio-econômicas e culturais diversas das nossas. É também próxima do que está sendo proposto na Europa através do denominado Processo de Bolonha, diga-se de passagem, já discutido há pelo menos uns 10 anos, sem deixar de ser uma grande polêmica. Também aqui, Anísio Teixeira propôs e implantou coisas similares – observem que falo similar! – quando da criação da Universidade de Brasília. Mais ainda, este foi em parte o projeto da Academia de Ciências do Brasil para ser incorporado ao projeto de Reforma Universitária do MEC que está no Congresso e que todos demandam que seja imediatamente retirado para que possa ser re-discutido em outras bases. Ele não era bom e conseguiu ficar pior!
P – Quais os pontos positivos que a Universidade Nova oferecerá para os estudantes?
NP – Complicado esse tipo de pergunta. A idéia de um Bacharelado Interdisciplinar (BI) tem pontos interessantes e outros muito negativos. O ruim da proposta é a possibilidade de se constituir, de um lado, numa oferta de formação básica, generalista, para muitos, coisa que já deveria ter acontecido no ensino médio, daí estarmos sendo forçados a “rebaixar” o ensino superior, numa espécie de ação compensatória de nosso fracasso na formação em nível médio. De outro lado, a oferta de uma formação mais profissional para os poucos que a ela conseguirem chegar – e depois sair -, poucos esses que nós já sabemos quem são, os mesmos do topo superior da invertida e injusta pirâmide social brasileira. Ao oferecermos após três anos o diploma de “bacharel em generalidade”, perdoe-me a ironia!, o que teremos é um um exército de bacharéis desempregados, lutando para passar pelo novo “vestibular” para a etapa profissionalizante, mesmo que ele seja processual ao longo dos três anos! A idéia de “pescar os talentos” é dramática, pois vai trazer para dentro da universidade um mecanismo de competição que é incompatível com o espirito universitário que deveria ser o da colaboração. Claro que sabemos que longe estamos disso, mas não podemos favorecer esses comportamentos deploráveis com uma estrutura curricular.
A proposta, no entanto, tem pontos positivos, por exemplo, o de adiar um pouco a decisão profissional dos jovens, que cada vez mais jovens chegam ao ensino superior. E, mais do que isso, ter a possibilidade de, ao oferecer uma formação mais generalista, centrá-la em questões básicas da formação intelectual e de questões éticas, coisa tão necessária nessa nossa cruel sociedade do lema “farinha pouca meu pirão primeiro”!!!
Portanto, boas idéias não devem e não podem ser perdidas pela precipitação das discussões pirotécnicas. A Universidade tem um ritmo e procedimentos que são próprios. Apesar de antigas, essas idéias não entraram na pauta recente de discussão nem da universidade nem da sociedade… Tenho insistido que o projeto de reforma universitária tangenciou as questões acadêmicas e aí estou plenamente de acordo com o Reitor.
Pensar nessas idéias do ponto de vista de “arquitetura curricular”, como afirma o Reitor, demanda pensarmos ao mesmo tempo em um monte de outras coisas. Lembra daquela música dos Titãs, “tudo ao mesmo tempo aqui e agora”? Não pode ser diferente. Não dá para pensar somente em termos teóricos para depois ver como funcionará. São inúmeras as questões que precisam ser postas na mesa: existirão laboratórios para o ensino de física, química, biologia que dêem conta dessa massa de alunos que vão ingressar na “UFBA Nova”?! Teremos servidores e recursos para, no mínimo, triplicar o número de livros e computadores disponíveis para os alunos, computadores esses, aliás, não disponíveis em praticamente nenhuma das unidades no momento atual?! Teremos vagas de professores e servidores para tantas aulas e para o aumento do tempo de atendimento de secretarias, bibliotecas, restaurante universitário, que aliás ainda não existe? Elas serão aulas para 40 alunos, como hoje, ou para 100, 150 alunos? Isso funciona do ponto de vista pedagógico? Exite espaço físico para tal? Enfim, são idéias e problemas que precisam ser pensados globalmente como, aliás, deve ser a função e obrigação dos administradores de uma instituição pública.
Por outro lado, o fato de estarmos olhando para Bolonha – faço aqui referência ao que está acontecendo na Europa -, sem um mínimo de referência à nossa América Latina é algo lamentável. Aliás, a Argentina vive o drama dessa entrada em massa para depois profissionalizar e a crise lá não é pequena. Claro que aqui também não podemos deixar de considerar as peculiaridades daquele país e do sistema educacional argentino. Fazendo um paralelo, estamos aqui repetindo o que lamentavelmente o governo brasileiro está fazendo com o sistema de televisão digital. Toma as decisões sozinho, ficamos de costas para nossos hermanos e, depois, esperamos que o resto (uso de propósito a palavra resto!) siga correndo atrás. É um pecado termos esse tipo de pensamento.
P – Quais os pontos negativos que a Universidade Nova oferecerá para os estudantes?
NP – Acho que já respondi na anterior…
P – O projeto cabe dentro do perfil dos estudantes brasileiros,e principalmente,baianos?
NP – Acho que não é bem assim a questão. Temos que pensar nas condições atuais mas também na transformação dessas condições. É claro que uma mudança dessa natureza daria uma formação mais ampla aos futuros profissionais (lembrem que falo com crítica disso, pois serão os tais privilegiados que conseguirem chegar à etapa profissional!!!) mas, por outro lado, não podemos desconsiderar a fala dos jovens: “Eu não quero passar três anos estudando ciências humanas em geral, para só depois fazer o que eu quero”, é o que se ouve nas ruas na fala dessa meninada. Temos que simplesmente considerá-la? Claro que não! Mas não ouví-la também é uma posição equivocada. Como vamos modificar essa idéia espalhada pelo próprio sistema de velozmente pôr todo mundo num mercado de trabalho, que nem sabemos se existe? São questões, mais questões que precisam ser calmamente pensadas e discutidas para que possamos transformar, de fato, a nossa UFBA.