Jovem UFBA de 60 anos. Jovem, se a compararmos com as primeiras universidades que nasceram no século XII na Europa. Mas também porque, afinal de contas, o que é ter 60 anos? Nada! Para as pessoas, já não significa tanto, pois nossa expectativa de vida bate quase nos 80 anos. Pense, então, se falamos de uma instituição que trabalha com jovens e, além disso, tem a “obrigação” de inventar e criar. Uma universidade com 60 anos apenas engatinha.
Confesso, caro leitor, que não compreendo muito porque os administradores públicos gostam tanto dessa febre de inaugurações e comemorações de aniversários. Hoje 60 anos, depois 61, um dia 101… Celebrar e fazer festa é sempre bom, mas, às vezes, pode deixar de lado um olhar mais atento para nossa própria história e, principalmente, para o nosso presente.
A UFBA, como não poderia deixar de ser, nasce da mesma forma peculiar que quase todas as nossas mais antigas universidades. Foram estas fruto da aglutinação de escolas isoladas que existiam muito antes do pitoresco ato de criação da primeira universidade no Brasil, que, segundo consta, teria sido formalmente criada para dar o título de doutor honoris causa ao Rei Alberto I, da Bélgica, que visitava o país, no início do século passado, por ocasião da comemoração do primeiro centenário da independência. Muito antes da primeira universidade, existiam as escolas isoladas, por campo do conhecimento, implantadas pelo Príncipe João desde 1808, quando da vinda da sede do Reino de Portugal para o Brasil.
Na Bahia, as primeiras escolas foram a de Medicina, em 1832, instalada ali no belíssimo palácio do Terreiro de Jesus, depois as de Direito (1891), Politécnica e Agronomia (1897), esta última hoje já pertencente à nova Universidade Federal do Recôncavo, e a de Belas Artes, em 1877. Todas funcionaram como unidades isoladas por mais de 100 anos e, em 1946, Edgard Santos, um polêmico médico que dirigia a Faculdade de Medicina da Bahia, agrupou-as dando origem à UFBA. Edgard, figura de prestígio na Bahia e no Brasil, defendeu a criação da UFBA com unhas e dentes. O seu projeto incluía uma articulação não muito fácil para a época – articulação essa difícil até hoje, digo eu! – das históricas escolas profissionais com as novas e “estranhas” escolas de música, teatro e dança. Estas surgiram com a vinda para a Bahia de personalidades internacionais dessas áreas, as quais deram corpo a uma perspectiva mais ampla para a universidade. Foi, portanto, com o cimento da cultura – uma Cultura com C maiúsculo e no singular, é bem verdade – que a nova UFBA se estruturou no cenário acadêmico nacional. Singular, aliás, como era o próprio Edgard Santos, que reitorou a UFBA por mais de 15 anos, impondo uma visão de cultura, bom que se explicite, de forte influência ocidental-européia, uma cultura notadamente de elite. Mas o polêmico Edgard trazia, em paralelo a essa dimensão elitizante, áreas não muito tradicionais para os valores da época, possibilitando, assim, a criação de novos setores, entre outros, o nosso importante Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), “inventado” por Agostinho Silva, pensador português que andava pelo sul do Brasil naquela época, por conta da ditadura salazarista. Vale ler a descrição desse importante episódio feita por Antonio Risério, em seu belo livro Avant Garde na Bahia. Nascia a UFBA, portanto, promovendo a interação entre saúde, ciência, tecnologia, arte e cultura, sendo a cultura, aqui, um dos seus elementos mais primordiais. Uma UFBA que nasce a partir das criações de um reitor que, como nos conta o já citado Risério, tinha uma postura “ao mesmo tempo senhorial e matreira”, e aberta para o “repertório cultural contemporâneo, incluindo aí os códigos de vanguarda”.
Uma UFBA que não se conformou com o estabelecido e que, a partir dele, criou e re-criou. Profissionais. Conceitos. Rebeldias… Rebeldias, sim, pois deve ser a primordial função de uma universidade. Ora, uma universidade que se acomoda morre! Não tem o que comemorar. E a UFBA, com certeza, terá muito o que comemorar se conseguir dar a volta por cima, rodar a baiana, como bem dizemos aqui na terra, e recuperar o tempo gasto em especializações exageradas, em um olhar voltado apenas para o próprio umbigo, fechada em si mesma, e ao invés disso, buscar, com um forte caldo de cultura, articular os diversos ramos do conhecimento, voltando, assim a estar comprometida com a defesa da universidade como um espaço público – talvez um dos últimos! – deste mundo dito globalizado, que produz tantas desigualdades, guerras e injustiças sociais.
A UFBA, que hoje faz 60 anos, tem um longo caminho pela frente. Caminho difícil, sem dúvida, pois precisa lutar contra a lógica neoliberal que insiste em reduzir tudo a mercadoria, inclusive a educação. Por isso, precisa ser defendida de forma intransigente, como uma universidade de qualidade acadêmica, autônoma, democrática, laica, socialmente referenciada e que contemple as demandas dos diversos segmentos sociais. Seus 60 anos tem que corresponder quase que como a um debutar de uma jovem que se rebela contra as orientações impostas pelo sistema e busca, quem sabe no seu passado, um jeito mais arteiro – de arte e de molecagem! – de ser.
Aniversário se comemora com festa mas, principalmente, com novos e permanentes compromissos. A Faculdade de Educação da UFBA, com seus pouco mais de 35 anos, acredita que tem contribuído cotidianamente com essa permanente re-construção, atuando de forma firme e alegre, não se deixando atordoar pelas pressões ditas inexoráveis desse deus mercado que quer tudo transformar em vil metal. Aqui, formamos professores na esperança de que futuramente possam estar comemorando os novos aniversários da UFBA, e de todas as instituições públicas de educação de nosso Estado e do país, com mais dignidade e rebeldia. Afinal, trabalhamos com os conhecimentos, com as culturas e os saberes – todos num plural pleno! – e, nada mais rico para um professor do que poder comemorar um aniversário com um pouco mais de rebeldia frente ao estabelecido.