Não há como falarmos de videoperformance sem nos remeter a videoarte e a fervilhante produção artística dos anos 60. No começo deste período, a videoarte era fundamentalmente performance. Isso implica em estar à margem dos circuitos estabelecidos, dos cânones que imperavam e, inclusive, dos locais habituais de se fazer, ou “mostrar”, a arte. Uma busca por uma espécie de estética de integração das artes, a estética do anti-espetáculo, do não-show-bussiness vão se tornando cada vez mais evidentes. Era a performance. A fita imagética como peça de criação, as novas maneiras de filmar, de ver, de pensar os enquadramentos, próprios da videoarte, surgiriam logo em seguida, ainda nos anos 60, porém na segunda metade.
Vale ressaltar que Dziga Vertov, cineasta do início do século XX, chegou a lançar os primeiros olhares mais ousados com o Cine-olho, em que propunha novas relações para a criação cinematográfica, às narrativas fílmicas, à apropriação de lugares não convencionais. “Se trata da primeira intenção no mundo de criar uma obra cinematográfica sem a participação de atores, decoradores, realizadores, sem utilizar estúdio decorados, figurinos. Todos os personagens continuam fazendo na vida o que fazem de ordinário”, dizia ele. Suas idéias dos cine-vagões de trem, os barcos-cine, o automóvel cinematográfico, lá pelas décadas de 1910, 1920, contribuíram bastante para a idéia de aproximação do que é cotidiano para a linguagem do vídeo e do cinema, lançando novos modos de se relacionar com a imagem capturada.
Mas ousadias deste tipo, implícitas nos modos de ver, sentir, perceber, registrar e produzir imagens, só repercutem em maior amplitude na década de 60, época em que videoarte e performance emergiam imbricados. Desse modo, os trabalhos de Nam June Paik – artista considerado pioneiro da videoarte – são reconhecidos também como trabalhos de performance – mesmo sendo vídeos que fazem um testemunho documental de uma performance. Não era pois uma peça de criação de montagem, e sim um trabalho em tempo real, processual, basicamente, antitelevisivo. Conhecido como músico performer, Paik trabalhou com figuras como Jonh Cage e Stockhausen, dois dos grandes impulsores do movimento moderno de música experimental. Formou parte do grupo FLUXUS, criou toda uma série de concertos-performances durante os primeiros anos 60, sempre muito tecnológicos. Paralalelamente, desenvolveu sua faceta de criador de imagens, baseadas quase exclusivamente no princípio da distorção de emissões televisivas por meios eletromagnéticos. Suas obras, extensas e complexas, abarca programas de TV, mas basicamente está integrada por instalações e performances, sobretudo performances vídeo-musicais, imagem e som, elementos audiovisuais.
Já na década de 70, o discurso (no)do corpo ganha maior visibilidade com o trabalho da artista sérvia Marina Abramovic. Ela desponta como uma das pioneiras na performance, fazendo do seu próprio corpo, seu tema e sua mídia. Explorando os limites físicos e mentais de seu ser, seja pela dor, pela exaustão, pelo risco e/ou pelo perigo, a artista faz do seu corpo o lugar de transformação emocional e espiritual. Lida com idéias como co-dependência e vulnerabilidade. Suas obras exemplificam sua crença na idéia de superação física e emocional em “uma arte capaz de mudar a ideologia da sociedade”. Entre os anos de 1976 a 1989, realizou grande parte de seus trabalhos com o artista alemão Ulay (Uwe Laysiepen), seu companheiro artístico. Como membro vital de uma geração de artistas pioneiros de performance, que inclui Bruce Naumam, Vito Acconci, e Chris Burden, Abramovic criou algumas das mais históricas peças iniciais e é uma das poucas que ainda faz importantes trabalhos de longa duração. Para quem não sabe, Marina Abramovic vem ao Brasil este ano, para participar da Bienal de Arte Contemporânea de São Paulo – uma boa oportunidade para conhecer, de perto, o trabalho desta artista.
O Festival Internacional de Arte Eletrônica, Videobrasil, um dos maiores festivais de vídeo da América Latina, que acontece em São Paulo, realizou, em 2005, uma ampla retrospectiva sobre o trabalho de Abramovic, dedicando-se ao tema central da Performance, na edição daquele ano. Idealizado e coordenado por Solange Farkas – atual curadora do Museu de Arte Moderna da Bahia, o evento trouxe importante questões do vídeo e da performance para o público brasileiro. Outros nomes de referência na produção contemporânea na arte da performance tiveram visibilidade no festival como o centro nova-iorquino de mídia The Kitchen, do World Wide Video Festival holandês, a alemã-queniana Ingrid Mwangi, a indonésia Melati Suryodarmo e a norte-americana Coco Fusco, que comandou uma intervenção em frente ao Consulado Geral dos Estados Unidos. Performances de artistas brasileiros – muitas com utilização de recursos audiovisuais – como Eder Santos, Chelpa Ferro, feitoamãos/F.A.Q., Frente 3 de Fevereiro, Marco Paulo Rolla, Detanico Lain também foram realizadas durante o Videobrasil. O site do festival mantém-se constantemente atualizado e contém diversas informações interessantes para pesquisa em artes visuais e performance.
http://www.sescsp.org.br/sesc/videobrasil/site/home/home.asp
Vale a pena dar uma navegada também no site Ubuweb (www.ubu.com), uma espécie de cinemateca/videoteca e audioteca digital. No link film & video, há um amplo acervo de vídeos pioneiros na linguagem visual, com grandes nomes da performance como Marina Abramovic, Joseph Beays, Nam June Paik, John Cage, Merce Cunningham, entre vários outros.
** Alguns trabalhos de Marina Abramovic:
*Rhythm 10 – The Star, 1999 – Abramovic atua num filme onde se colocam questões da performance como a relação entre o corpo presente e o risco. http://www.youtube.com/watch?v=h9-HVwEbdCo
*O link abaixo (desculpem, não encontrei o nome deste trabalho) é parte de uma videoperformance de Abramovic, em que ela coloca sobre seu corpo um esqueleto humano. A própria imagem suscita questões dos estados corporais, a relação entre o corpo vivo e o corpo morto, a estrutura daqueles corpos, em uma imagem de duplicação enquanto corpos da mesma natureza, porém em diferentes estados e processos. http://www.youtube.com/watchv=pno1gCrbeVk&feature=related
*Relation in time – Nesta performance, uma câmera é a única audiência possível durante a maior parte da obra, até que a ela se abra para a vista do público. Abramovic e seu parceiro Ulay ficam sentados numa cadeira, por 16 horas, sem audiência, ligados apenas pelos cabelos de âmbos que ficam trançados um ao outro. A obra é aberta ao público 16 horas depois que se iniciou. Após esse tempo, a imagem que se configura ao público são de corpos em estados distintos se comparado ao início da performance. Questões como exaustão física, relações de co-dependência e a atuação do tempo na mudança desses estados corporais tornam-se evidentes.http://www.youtube.com/watchv=mUz5rnxQmfI&feature=related
** Entrevista com Marina Abramovic (em inglês):
http://web.ukonline.co.uk/n.paradoxa/abramov.htm
* Trabalhos de Joseph Beays: http://www.ubu.com/film/beuys.html
* Trabalhos de Nam June Paik: http://www.ubu.com/film/paik.html
* Trabalhos de Cunningham: http://www.ubu.com/film/cunningham.html
Fontes:
– GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. Ed. Perspectiva, 2005
– RUSINOL, Joaquim dols – La vídeo Performance
– Site Videobrasil – http://www.sescsp.org.br/sesc/videobrasil/site/home/home.asp
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