Eduardo Vicente conta a história da indústria fonográfica “Da vitrola ao iPod”

A indústria fonográfica exerceu – e continua exercendo – grande influência no desenvolvimento do rádio. Conhecer seu desenvolvimento é imprescindível para estudantes, profissionais e professores que buscam compreender o atual cenário da programação musical das emissoras brasileiras. Sem perder a fluidez de um narrador Eduardo Vicente serve-se do rigor acadêmico para contar esta história na obra “Da vitrola ao iPod – uma história da indústria fonográfica no Brasil”.

Da vitrola ao iPod

Confira a entrevista feita pela equipe do Portal do Rádio com o professor Eduardo Vicente sobre sua trajetória profissional, o lançamento do livro e os desafios da indústria fonográfica.

Portal do Rádio – O livro é fruto da pesquisa realizada em sua tese de doutoramento, o senhor buscou atualizar e ampliar a obra, como foi este processo?

Eduardo Vicente – Eu pensei muito nessa questão da atualização dos dados, mas optei por não fazê-la.  Escrevi minha tese entre 1998 e 2001, procurando oferecer um panorama da história da indústria entre as décadas de 1960 e 1990. Comecei a pesquisa num momento que ainda era extremamente favorável para as gravadoras, mas quando concluí o trabalho a crise já se instalara e estava claro que suas consequências seriam bastante sérias. Por isso, decidi manter a minha impressão daquele momento sobre esse início da crise. Além disso, o cenário posterior já foi discutido por mim em outros textos e também por outros autores do Brasil e do exterior. Enfim, decidi manter a proposta original do trabalho. Por outro lado, eu fiz uma ampla revisão do trabalho, corrigi alguns dados e, principalmente, dediquei-me a adequar a tese ao formato livro, eliminando notas de rodapé, anexos, e alguns outros excessos típicos de trabalhos acadêmicos. Enfim, busquei deixar o texto mais fluído e agradável. Espero ter conseguido.

PR – Qual a principal mudança no cenário desta última década? Ao que o senhor atribui esta mudança?

EV – Minha tese é que a mais importante mudança da indústria na década de 1990 foi a terceirização, com as grandes gravadoras abrindo mão da produção musical e passando a explorar o repertório produzido por gravadoras e artistas independentes. A indústria se valia, por um lado, das tecnologias digitais que baratearam a produção e tornaram possível uma descentralização da produção musical (que antes se concentrava fortemente no eixo Rio-São Paulo). Por outro, ela confiava no seu controle sobre os meios de distribuição dos CDs e de divulgação dessa música no rádio e na TV. Ou seja, ela confiava que os artistas independentes iriam depender da indústria para o seu contato com o público. A mudança que ocorre na década seguinte é, claro, a da quebra desse controle através da distribuição digital da música (MP3) e das possibilidades de divulgação abertas pela internet e pelas redes sociais. Acredito que, na década atual, o grande desafio seja construir novos modelos de negócio que envolvam essas novas formas de consumo musical, tanto por parte dos artistas e selos independentes quanto por parte das grandes gravadoras, que evidentemente não deixaram de existir ou de manter ainda um controle importante sobre os meios de divulgação tradicionais.

PR – O senhor graduou-se primeiro em Administração e depois em Música Popular, o que suscitou esta mudança? Como surgiu o interesse pela música?

EV – Eu sempre tive interesse pela música, o que não existia na época de minha primeira graduação (1980-1984) era um curso de música popular! rs. Naquele momento, a escolha da Administração aconteceu mais pela falta de outras opções do que por meu interesse pela área. Mas acho que essa era uma situação relativamente comum nos anos 1980, especialmente para quem, como eu, precisava estudar à noite. De qualquer modo, essas decisões tornam-se parte da sua história de vida e, quando vc olha para trás, percebe que, de alguma maneira, elas acabaram fazendo sentido.

PR – Como sua experiência na indústria fonográfica o ajudou no desenvolvimento de suas pesquisas?

EV – Um grande amigo me convidou, em 1992, para trabalhar com ele no estúdio musical que acabara de criar em Jundiaí, SP, cidade onde resido. Eu colaborei com o estúdio, com maior ou menor intensidade, entre 1992 e 2000. Atuei como técnico, músico e, algumas vezes, como produtor. Essa experiência foi fundamental na definição do tema e na pesquisa de meu mestrado (em Sociologia), “A Música Popular e as Novas Tecnologias de Produção Musical”, que realizei na Unicamp entre 1994 e 1996. Para o doutorado ela foi menos decisiva, já que minha intenção então foi justamente sair do estúdio e da parte técnica da produção para tentar entender a indústria de um modo mais amplo.

PR – Como o senhor vê a relação entre o desenvolvimento da indústria fonográfica e do rádio no Brasil?

EV – Como extremamente importante e quase completamente ignorada dentro da academia. O rádio e a indústria fonográfica foram, sem dúvida, os dois ramos mais desenvolvidos de nossa indústria de comunicação na primeira metade do século XX. Sua história comum ainda precisa ser escrita e seu impacto sobre a cultura brasileira melhor avaliado. Seu impacto sobre o cinema sonoro, que se valia basicamente de números musicais e dos grandes astros e estrelas do rádio. O papel da Rádio Nacional na valorização da música brasileira, o que provavelmente ajudou a fazer do Brasil atual um dos países com maior índice de consumo de repertório musical doméstico do mundo… Ao mesmo tempo, seria fundamental entender melhor e estabelecer um olhar crítico sobre a concentração econômica que tem tornado o rádio um meio extremamente controlado de divulgação musical, com as principais emissoras do país veiculando um repertório de 30 ou 40 músicas vinculadas a uns poucos gêneros e artistas. Esse é um fator extremamente musical à diversidade musical e à música independente do país.

PR – Para o senhor, quais os desafios da indústria fonográfica na era digital?

EV – As grandes gravadoras não voltarão à grandeza do passado. Elas agora dividem o controle sobre o mundo da música com sites de vendas de MP3, com o Youtube, com serviços de conteúdo musical via celular, etc. Seu grande capital é o repertório que acumularam por décadas e seu grande poder o controle sobre os meios de divulgação tradicionais (rádios, tvs, cinema…), que lhes permitem lançar fenômenos de alcance mundial como Adele, Lady Gaga, Beyoncé, etc. De qualquer modo, fica claro que ainda existe concentração econômica e que ainda existe controle. Não vivemos num admirável mundo novo digital da democracia, da liberdade e da independência. Para os artistas e gravadoras independentes, que são minha principal preocupação, a minha opinião é de que o grande desafio é buscar reconstruir um mercado musical independente. Sei que isso soa polêmico, mas para mim é preocupante que grande parte da nossa música independente dependa atualmente de editais públicos, leis de incentivo e de espaços de exibição como o SESC. Essa perda de autonomia do mercado musical, na minha opinião, coloca o artista numa dependência excessiva do Estado e dificulta a constituição de carreiras de maior duração. No Reino Unido, onde realizei meu pós-doutorado, a situação me parece bem diferente, com os artistas conseguindo mais espaços de divulgação no rádio, na imprensa e na tv, além de obter melhores condições de sustentação de sua atividade através da venda de shows, CDs, DVDs e downloads de música.

Sobre Eduardo Vicente: Eduardo Vicente possui graduação em Música Popular e mestrado em Sociologia pela Unicamp, doutorado em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e pós-doutorado pelo Centre for Media and Cultural Research da Birmingham City University (UK). É professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da ECA/USP e do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da mesma instituição. Edita a revista Novos Olhares e coordena o MidiaSon: Grupo de Estudos e Produção em Mídia Sonora. É bolsista de Produtividade em Pesquisa PQ 2 (CNPq).

Sobre a obra:

Título: Da vitrola ao iPod – Uma história da indústria fonográfica no Brasil
Autor: Eduardo Vicente
Editora: Alameda
Preço: R$ 42,00
Páginas: 268 páginas – 14 x 21 cm
ISBN: 978-85-7939-205-4
Atendimento ao consumidor: (11) 3012-2400
Site: www.alamedaeditorial.com.br

por Juliana Gobbi, com informações Alameda Editorial

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