Uma PEC que mata a educação e a ciência

Artigo de Nelson Pretto. Um versão reduzida, com o título  “20 anos sem educação”, foi publicada em A Tarde de 06/12/2016, pag. 03. (clique aqui para o pdf da página do jornal)

Ao logo de mais de 40 anos como professor, tenho me dedicado à causas da educação, da cultura, da ciência e tecnologia, de forma acadêmica-ativista. Nesse tempo todo, nunca vi barbaridade maior do que a proposta pela PEC 55/241, Emenda Constitucional que modifica a Constituição Cidadã de 1988 e vem sendo denominada pelo governo de PEC dos Gastos Públicos.
Foi dramático acompanhar as manobras do governo oferecendo, entre outras coisas, jantares no Palácio da Alvorada nas vésperas das votações. O rolo compressor funcionou e ela foi aprovada na Câmara por esmagadora maioria logo, logo passou no Senado em primeira instância.
Estudo emanado do interior do IPEA – logo depois vergonhosamente rechaçado pela nova direção do órgão, gerando reações internas imediatas do corpo técnico desse tradicional órgão de pesquisa do governo – indica que o campo da saúde, em um dos cenários projetados, perderia da ordem de R$743 bilhões nos vinte anos de vigência da emenda. O Presidente da República, no vai e vem característico de seu governo cujo único projeto visível é desmontar os avanços que conquistamos ao logo dos últimos anos, anuncia que pode não ser bem assim, que em quatro ou cinco anos a tal PEC poderá ser revista. Mas o estrago já terá sido feito.
É impressionante a quantidade de associações científicas e sindicatos que têm se manifestado, de forma contundente, contrariamente a essa medida. Como conselheiro da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), destaco aqui um trecho da carta enviada em 10 de outubro pp. a todos os deputados federais, onde dizemos claramente que “reduzir os investimentos públicos em educação, ciência, tecnologia e inovação vai na contramão dos objetivos de se efetivamente tirar o Brasil da crise. A experiência mundial nos mostra que, sem investimentos consistentes e permanentes em educação, ciência, tecnologia e inovação, não há desenvolvimento econômico.” A carta de uma sociedade científica que congrega mais de outras 120 sociedades científicas não sensibilizou a manada, o que mostra que os jantares de véspera foram mais sedutores, entre outros tantos possíveis privilégios aos votantes.
É incrível como a própria imprensa tem entrado nessa onda de anuência à PEC, não querendo perceber o risco e o absurdo de um governo, que chega ao poder sem um único voto sequer para completar um mandato de menos de dois anos, se propor a tomar decisões que afetarão os próximos 20 anos. Sim, 20 anos! Não estamos falando de um ou dois, serão 20 anos de investimentos praticamente congelados em áreas absolutamente fundamentais, como saúde e educação.
Claro que perto da PEC 241, as demais questões terminam sendo até menores, mas ao mesmo tempo não deixam de nos preocupar. Uma delas, com certeza, é a absurda reforma do Ensino Médio que, além de tudo, é feita via Medida Provisória, atropelando todas as importantes discussões que vem sendo travadas nos âmbitos acadêmicos e sindicais. Ora, precisamos formar amplamente nossos jovens para que sejam cidadãos críticos, e não meramente prepará-los para os exames nacionais ou internacionais (ENEM, PISA …) ou para a ocupação de carreiras técnicas que, inclusive, certamente serão de baixa qualificação, justo por conta da ausência de investimentos futuros. Não há dúvida de que toda a educação brasileira precisa de grandes transformações e, por isso mesmo, necessita de mais e não de menos investimentos. Essa tem sido nossa labuta e luta cotidiana.
A situação é dramática e, como disse recentemente o físico da USP Paulo Artaxo, a aprovação da PEC 55/241 “será um atraso intelectual muito grande em relação ao mundo”.
Calar frente a tamanhas barbaridades é ver desmontar aquilo que lutamos para conquistar a duras penas. Calar nesse momento é sentir-me um traidor de tudo que venho defendendo em sala de aula (oppss, tem a Escola sem Partido!, será que poderei me manifestar?!) ao longo de todos esses anos de profissão. É trair um quantidade enorme de alunos que comigo sempre estiverem durante esse período. A luta não será pequena, mas quem milita na educação bem sabe que essa luta nunca assim foi.
 
 
Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da UFBA, Conselheiro da SBPC e membro da Academia de Ciências da Bahia. Página: www.pretto.info Email: nelson@pretto.pro.br
 

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