ARede nº31 novembro 2007
O tabuleiro da baiana também serve para fazer inclusão digital com um projeto desenvolvido em software livre.O projeto está na rede. Como foi desenvolvido em software livre, é só copiar. Mas um aviso aos navegantes: o grande bizu para implementá-lo é conseguir financiamento. É uma das lições que ensinou a experiência do Tabuleiro Digital, projeto gerido pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced-UFBA), escolhido como o melhor na categoria Setor Público Federal do Prêmio ARede 2007. Iniciado em 2004, a idéia do projeto era acabar com o mito reinante no imaginário da meninada de que cibercultura, ciberespaço eram coisas sofisticadas, o reinado dos terminais de aço escovado e quetais, como conta seu responsável, Nelson Pretto, diretor da Faced. Essas idéias afastavam as comunidades do entorno da universidade do acesso à internet. Daí, era escolher alguma expressão forte da cultura local, o tabuleiro onde a baiana vende o acarajé.
“Isso é a cara da Bahia”, destaca Pretto, acrescentando que o móvel foi escolhido justamente para desmistificar a idéia de sofisticação. “Quando navegamos desse jeito, mostramos à meninada e, sobretudo aos futuros professores — os licenciandos da UFBA — que quem entra no mundo digital, não muda de planeta”, acrescenta. A escolha do nome e imagem Tabuleiro Digital também expressa os conceitos de informalidade e rapidez que caracterizam o projeto, que se define como uma experiência de articulação educação-cultura-ciência-tecnologia. Os objetivos do Tabuleiro são favorecer a inclusão sóciodigital da comunidade acadêmica da UFBA e da população do seu entorno, em Salvador, e da comunidade do município de Irecê; criar condições para a construção de uma cidadania plena, e para o uso das tecnologias como elemento de redução das desigualdades. E mais: possibilitar aos jovens vindos das camadas populares acesso pleno ao universo da cibercultura.
O tabuleiro funciona nos pátios da Faced, em Salvador, e em Irecê, em local construído pela prefeitura. Na capital, o projeto sofreu uma “deturpação positiva”, relata Pretto: a meninada do entorno da faculdade tomou os tabuleiros. Resultado: como o acesso com conexão rápida à internet (óptica, da RNP) é livre e gratuito, os 20 computadores distribuídos em ilhas de quatro ou duas máquinas não dão para o gasto de licenciandos, funcionários da faculdade e alunos de escolas das proximidades. “A disputa é ferrada, mas todos sabem que, se quebrar, não tem mais.”
Em Irecê, o Tabuleiro tem apoio do pessoal do Ponto de Cultura Anísio Teixeira/Faced Fundamental no projeto é a auto-gestão comunitária. Na Faced, não há um setor de gerenciamento do uso. Quando necessário, os monitores, vinculados ao Projeto Permanecer, da UFBA, atuam como orientadores. Em Irecê, face à proximidade com o Ponto de Cultura, monitores e voluntários gerenciam o andamento do Tabuleiro. Por tudo isso, destaca Pretto, a arrumação dos tabuleiros está longe de sugerir uma sala de aula. Os usuários são levados a fuçar, cutucar para aprender a usar. Mas descobriu-se um “escorregão”: um banco por tabuleiro é pouco, deviam ser dois, porque os usuários — os meninos, em particular — gostam de fazer juntos, socializar suas experiências no Orkut, jogar.
Em Irecê, a prefeitura dá guarda total ao Tabuleiro, que tem 1,2 mil usuários cadastrados e 50 computadores em ilhas de seis máquinas. Funcionam como na capital, mas com conexão menos rápida. Sob demanda, os tabuleiros também são utilizados pelas 34 escolas de ensino fundamental da localidade. O espaço conta com a colaboração dos Agentes Cultura Viva, numa ação do Ponto de Cultura Ciberparque Anísio Teixeira/Faced, que formou 50 jovens (16 a 21 anos) no primeiro semestre. Em convênio com a adminstração, por três anos (que estão se encerrando) foi ministrado um curso de graduação em Pedagogia para cerca de 150 professores em atividade no município. Segundo Pretto, foi um projeto de formação com currículo não-rígido (hipercontextual), com software livre a distância (com ajuda do Ciberparque). Uma luta da Faced, diz seu diretor, é formar um campus avançado da UFBA em Irecê. Mas, enquanto o sonho não vira realidade, o Tabuleiro já deu filhotes: duas localidades do município já foram atrás para implantar seus tabuleiros.
Do total de usuários do Tabuleiro Digital na Faced, uma pesquisa apontou que 90% se declaram negros ou afro-descendentes; a faixa etária vai de 14 a 29 anos, e a maioria reside no entorno da universidade. Os estudantes representam 93% do total: 63% cursam o ensino superior; 25% o médio. A maioria freqüenta escolas/universidades públicas; dos universitários, 58% são alunos da UFBA. Os parceiros do projeto são a Petrobras (equipamentos, recursos para a produção dos móveis e instalações), Liceu de Artes e Ofícios da Bahia (desenho e produção dos móveis), Prefeitura de Irecê (espaço, climatização, despesas de consumo e pessoal), Ponto de Cultura Ciberparque Anísio Teixeira (implantação em Irecê, monitoramento, manutenção).
Os resultados apontados incluem a popularização do uso de software livre (a distribuição Kurumim, adaptada ao projeto, e apoio ao desenvolvimento de novas versões e plataformas.“Na UFBA, com os tabuleiros, os pátios viraram ponto de encontro. É um rico burburinho com o entorno da universidade, um laboratório vivo para a formação dos professores que têm, por exemplo, que lidar com a presença de alunos do ensino médio que estão matando aula para usar os tabuleiros”, conta Nelson Pretto. E o desenvolvimento de uma grande intimidade com a internet, do espírito de solidariedade e de colaboração passa a ser patrimônio dessa humanidade que freqüenta o Tabuleiro Digital, arremata ele.