Renata Becker – transcrição
Gravado no Teatro Martins Gonçalves em 28/05/2019.
Nelson Pretto (NP): Renata, a gente sempre começa essa conversa pedido para você se apresentar. Quem é você?
Renata Becker (RB): Quem sou eu?
NP: É.
RB: Eu sou Renata Becker, sou aposentada da universidade desde 1993 e trabalhei aqui na escola de teatro também nos últimos anos. Eu entrei na universidade aqui da Bahia nos anos… 90, 90 e… Eu vim para cá para Bahia… Eu estou esquecida! Deixa eu ver… Eu entrei na universidade aqui quando eu vim do Rio Grande do Sul…
Alice Becker (AB): 70, 71?
RB: 70, 71, né? Eu não me lembro bem… Devia ter trazido por escrito.
NP: Não, não precisa {risos}.
RB: Bom, eu entrei via Instituto de matemática na época, porque eu tava recém-formada, em 60 e poucos, né? E vim pra Bahia e vim indicada para Martha Dantas, porque ela era de matemática e a minha professora lá do Rio Grande do Sul era Martha Menezes, amiga de Martha (Dantas). E ela fez uma cartinha para Martha (Dantas) me indicando. Eu entrei então no Colégio Aplicação.
NP: Então você nasceu no Rio Grande do Sul?
RB: No Rio Grande do Sul.
NP: Conta um pouquinho dessa história de lá… Lá de trás…
RB: Pois é, lá de trás… É bem longo. Eu sempre fui muito pela música, né? Eu gostava muito de música. E cantava e a minha mãe, meus pais me incentivavam muito com a música. Bom, e o que mais que eu tenho que dizer? Fico meio perdida porque às vezes os pensamentos desaparecem.
NP: Mas voltam.
RB: Voltam, né?
AB: E você era muito musical.
RB: Minha mãe disse que eu cantava desde 10 meses, eu cantava afinadinho canções alemãs que ela me ensinava né? E, de fato, eu comecei cedo na música.
NP: Você nasceu em Novo Hamburgo?
RB: Nasci em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul.
NP: Deixa eu te mostrar uma coisa que eu acho que você vai gostar de ouvir.
(Reprodução de áudio da Magdalena Cassel): Renata era uma criança muito linda e esperta. Tinha olhos escuros e cabelos ondulados. Desde cedo procurava impor sua vontade. Era decidida e voluntariosa e, às vezes, um tanto rebelde no que se refere a regras e convenções da época.
RB: Até hoje… {risos}
(Reprodução de áudio da Magdalena Cassel): Cursou o ginásio na Fundação Evangélica em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, e seguiu fazendo o curso científico no Colégio Sinodal de São Leopoldo. Foi aprovada no vestibular da UFRGS, indo morar em Porto Alegre com mais duas colegas nas imediações da faculdade. Formou-se em matemática, coisa rara na época. Gostava muito de ler, era objetiva e determinada. Tinha uma excelente voz, tanto que participou por vários anos do grupo de canto regido por Madeleine Ruffier em Porto Alegre, onde conheceu Aníbal Denovaro, que veio a ser o seu marido e pai de seus quatro filhos, acabaram a formar um coral de família (pai, mãe, Alice, Sérgio, Daniel e André).
NP: Te lembra muita coisa isso?
RB: Lembra sim, eu tenho até umas coisas aí registradas…
NP: Desse período?
RB: Desse período. E cantamos muito até no Teatro Castro Alves numas Segundas Musicais, que era um programa e a gente cantava mesmo, né? E aí, em seguida, eu me separei, e daí eu tomei meu rumo no Anticália, grupo com Avelãs y Avestruz… A gente fez muito trabalho junto.
NP: Aqui na Bahia, né?
RB: Aqui na Bahia, aqui na Escola de Teatro.
NP: Aqui na escola de Teatro. E lá no Sul? Assim, a gente vê que você desde o começo tinha música, mas também entrou na matemática. Como era sua escola lá? Porque eu também eu sou gaúcho, né? Eu nasci em Porto Alegre. É, eu nasci em Porto Alegre, e eu senti uma diferença muito grande entre a escola de lá do Rio Grande do Sul e a daqui. Como era a sua escola primária? Nós estamos falando dos anos 30, 40, né?
RB: É, dos anos 40… É, na escola eu não notei tanta diferença assim, porque eu terminei o meu curso lá, né? Então eu fiz todo o meu primário e secundário lá e eu tive uma escola diferente, porque era uma Escola Comunitária lá da Igreja Luterana, né? Então era uma escola dirigida até por pessoas que vinham da Alemanha, então era uma escola diferente e que dava muita ênfase para a arte, para a educação física. Uma escola completa. Aquela coisa que a gente acha que é importante, né? Eu tive uma escola secundária muito positiva, muito boa.
NP: Você lembra de professores dessa época que marcaram?
RB: Sim, mas ninguém conhece aqui, né?
NP: Mas vamos registrar um pouquinho.
RB: Pois é, que eu me lembro assim, a gente tinha em Francês um professor que era francês mesmo, o base. E o professor de Latim… Eu estudei Latim e estudei Francês, estudei Inglês e eram professores que vinham até da Alemanha e de fora. A escola era muito boa, então me deu uma visão geral, né? A gente fazia teatro, coisas que nas outras escolas não tinha. Tinha coral, né?
NP: Era muito rígida?
RB: Era, mas eu não achava tão rígida na época. A própria região, né? A colonização alemã é bastante organizada, e ela tinha uma certa rigidez.
NP: E a sua rebeldia? Como é que ficava ali dentro?
RB: Ah, isso aí é o que dizem…
NP: Ah, não é verdade? {risos} tem gente que acha…
RB: É, tem gente que acha que eu sou até hoje meio rebelde ainda. É porque eu saio dos padrões… Trazendo pra minha filha outro dia que eu tenho grupos onde eu não me sinto muito incluída porque eu me sinto diferente, então eu não posso dizer as minhas ideias, porque não são aceitas, são consideradas rebeldes. Eu acho que eu sou rebelde até hoje, né? Porque agora, ainda mais nessa situação aqui agora de política, eu nunca sou a favor de todas, eu sempre sou contra. Então, é uma rebeldia, né?
NP: E naquela época, nós estamos falando em período que praticamente o mundo vivia já a guerra, né? Isso com alemães lá… E como isso era nesse seu cotidiano lá?
RB: Eu era muito pequena, quer dizer, eu não conseguia absorver isso muito, né? Mas eu sempre fui rebelde.
AB: Mas você se lembra que vocês tinham vergonha de falar alemão uma época?
RB: Ah, é! Tinha mesmo.
AB: Teve uma época em Novo Hamburgo que…
RB: Na época da guerra era proibido. Minha avó, por exemplo, não sabia falar direito o Português, então eu ficava longe dela, não queria que vissem que eu falava, que eu entendia Alemão, né? Porque, inclusive, as pessoas eram às vezes punidas, né? Eu tive amigos do meu pai que foram presos porque falavam Alemão. Entraram na casa do meu pai e levaram a biblioteca, porque meu pai tinha muitos livros alemães. Meu pai teve uma educação bastante… Ele era engenheiro, tinha uma biografia alemã e jogaram tudo fora. Entraram, invadiram a casa do meu pai então tinha esse…
AB: Vocês também tiveram a sua primeira língua na escola, não foi Português e nem dentro de casa, né? Era uma colônia Alemã…
RB: Não. Dentro de casa a primeira língua foi o Alemão. Eu aprendi a falar Alemão em casa quando criança, mas depois na escola nunca aprendi Alemão, nunca tive uma disciplina de Alemão, não falava Alemão, mas meu pai e a minha mãe falavam Alemão comigo quando eu era pequena pra eu aprender então eu tinha familiaridade, até hoje eu falo Alemão, mas não falo direito, porque nunca aprendi a língua, né? Eu falo o coloquial dessa língua, o “feijão-com-arroz”.
NP: Como era o nome dessa primeira escola sua?
RB: Era Fundação Evangélica. Era uma instituição da Igreja Luterana Evangélica, mas os diretores todos eram brasileiros, né? Mas como não tinham muitos professores na época, vinha muita gente da Alemanha, da França e professores estrangeiros.
NP: E você fez lá até que…
RB: Até a quinta série. Não, até a oitava série, na época ginásio ia até…
NP: Primário e ginásio, né?
RB: Primário e ginásio. É. E depois eu fui pra São Leopoldo, que era uma escola coirmã, só que era masculina, era para rapazes, e quando eu entrei ficou mista para o segundo grau, Colégio Científico, na época, e eu fiz o Científico nessa Escola São Leopoldo.
NP: Porque você já estava dirigida para matemática, ou ainda não?
RB: Não, ainda não.
NP: E por que fez o científico, e não o clássico?
RB: Pois é, porque eu não queria, porque eu já tinha mais preferência por…
NP: E como foi viver esse momento na escola de só masculina para mista?
RB: Ah, era muito bom! Era muito bom, porque era mais livre, né? E tenho lembranças maravilhosas do tempo que a gente…
NP: Então conta.
RB: E isso importa?
NP: Importa, claro. {Risos}
RB: Bom, sabe como é, a gente era adolescente, então entrar no colégio misto, tinha um monte de rapazes bonitos e interessantes, e eu era muito namoradeira, sempre fui muito, então sempre tinha paqueras, né? E até hoje me lembro até dos nomes das paqueras.
NP: Mas não pode dizer ou pode?
RB: Pode dizer, tem uns que já morreram, né? {Risos} tem outros que já estão mais para lá do que para cá, então foi muito bom, foi uma época muito bacana.
NP: E como funcionava a escola nesse Científico?
RB: A escola eram as disciplinas comuns, essas que tem hoje, mas tinha coral, tinha teatro… Eu fiz teatro nessa escola e eu sempre participei dessas coisas, sempre fui muito mais participante das disciplinas extras do que das curriculares.
AB: Nossa, me lembra a minha filha. Completamente a Sofia.
RB: É, eu gostava de fazer teatro, de cantar. Sempre cantei, toda a vida coral, todos os corais que tinham eu participava e teatro também eu gostava muito. Eu fazia teatro quando era criança, em meus aniversários eu fazia sempre uma apresentação de teatro, inventava, não me lembro mais, mas eu escrevia alguma coisa, pegava a minha prima e fantasiava ela de… Tem até umas fotos de quando ela era criança, nós duas no fundo da minha casa, eu montava um palco e fazia teatro. Teatro sempre foi a minha… Tenho até no meu diário que eu queria ser cantora de ópera, que eu achava que ia ser o máximo cantora de ópera, queria ser cantora de ópera e acabei nunca sendo, mas…
NP: E nesse Científico algum professor, alguma professora que marcou aí na formação e marcou por quê? Você lembra ou o que valia mesmo era o teatro? {risos}
RB: Lá no Sinodal não, muita coisa não marcou não assim. Tinha um professor de Física que era muito bom, que eu me lembro que eu gostava de estudar física com ele, ele era bom professor, muito organizado, ele gostava e só que eu me lembro assim. Eu não me lembro muito mais.
AB: Eu tenho uma informação errada ou as mulheres não faziam Universidade naquela época e elas estudavam na escola prendas domésticas?
RB: Ah, sim! Eu fui da minha geração, eu fui uma das poucas das minhas amigas que entrou para faculdade, o resto terminava o ginásio, fazia economia doméstica, que era uma disciplina pra formar, para preparar a mulher para casar e eu não queria, nunca quis, nunca tive tendência a ser dona de casa, nem cozinheira, nem nada e nisso a minha irmã por exemplo fez esse curso, ela aprendeu a cozinhar, botar uma mesa, receber… Era um curso de economia doméstica mesmo e para mim aquilo era humilhante, não queria saber. {risos}
NP: E ainda por cima, aí você vai pela carreira científica, e entra em matemática.
RB: E entro em Matemática… Não sei como também eu entrei, entrei mais por falta de opção também, porque eu gostava de Matemática, mas ao mesmo tempo, não tinha outra opção. Porque, na verdade, quando eu fiz um teste psicológico, eles me mandaram pra Arte e eu não tinha como. Não me lembro que tinha essa opção, então eu tinha que escolher alguma coisa, aí eu escolhi Arquitetura, mas Arquitetura eu não passei no vestibular ou então não fiz. Achei Matemática o mais fácil de entrar e entrei assim, mas muito sem estímulo, sem vocação mesmo. Foi sempre uma coisa que pra mim foi difícil, não foi fácil fazer Matemática, não foi fácil optar por esse caminho.
NP: E você fez a UFRGS?
RB: Fiz a UFRGS.
NP: E morava ali perto…
RB: Morava ali perto.
NP: Como era a vida em Porto Alegre nessa época? E a própria Universidade? Como é que seria?
RB: A vida em Porto Alegre, eu me senti muito livre lá, né? Porque eu estava morando com colegas, meu pai me dava toda a liberdade, nunca me cobrou nada, então eu saía, volta e meia eu ia ao cinema sozinha ou então acompanhada, mas era uma coisa que eu podia fazer isso sem… Nunca fui muito estudiosa, sabe? Eu não era, não era o meu caminho. Eu queria mesmo era cantar, aí eu entrei pro coral da Faculdade de Filosofia e lá eu fiquei com a Marlena tem até umas fotos aí, eu participava de concertos, tudo que era arte me interessava, né? Eu achei que eu peguei o bonde errado, como eu dizia, né? Mas pra mim não era conflito, era uma coisa que eu entrei, tinha que ser assim e pronto. Eu não questionava muito.
NP: Aí você se formou e a partir daí a mudança pra Bahia já?
RB: Não, pera aí, deixa eu pensar. Eu aí no Coral, nós viemos pra Bahia convidados pelo Edgard Santos, naquela época que a Bahia era uma coisa maravilhosa, né? E aí o Koellreuter foi pra lá. Eu conheci o Koellreuter lá no Rio Grande do Sul e a mulher dele deu um seminário de música lá e foi muito bom isso, porque eu voltei…
[PAUSA POR MOTIVOS TÉCNICOS]
NP: Então, eu queria que você voltasse aqui com Edgard Santos e Koellreuter…
RB: Ah, sim, isso foi uma coisa maravilhosa, né? Foi aí que eu conheci a Bahia e eu vim com um grupo de música e a gente veio morar sabe aonde? Nós chegamos aqui na véspera de Dois de Julho e nós ficamos ali em Brotas, lá onde ainda é o Convento de Brotas. Me ajuda…
NP: O Centro de Treinamento de Líderes?
RB: Não, era… Ô, meu Deus, que coisa… Dá um branco.
NP: Ah, eu sei do que você está falando. Fechou até, né?
RB: Não, o Retiro de São Francisco!
NP: É isso, eu acho que fechou, né?
RB: É? Será que fechou?
NP: Eu acho que sim.
AB: Tem certeza? Porque eu acho que era um asilo de idosos também.
NP: Naquele em Brotas, lá no fundo?
AB: Não é aquele perto do Horto Florestal?
RB: Lá em cima.
NP: Olha, não tenho certeza não, mas eu lembro que teve uma polêmica enorme no jornal sobre ele.
RB: Será?
NP: Por que ele hospedava pessoas, né?
RB: É, e ali nós ficamos hospedados, né? O grupo todo…
AB: No Retiro do São Francisco?
RB: Retiro do São Francisco. Ele fica hoje quem vai lá quase chegando no final da… Como é que chama aquela rua?
NP: L=A que sobre? Ladeira do Acupe?
RB: Não, não… Não é Ladeira do Acupe não. Waldemar Falcão. Waldemar Falcão.
NP: Certo.
AB: Hum, sim. Que vai do Rio Vermelho até…
NP: Ah, é verdade.
RB: E foi pra nós, pro nosso grupo e pra mim, especialmente, uma lembrança que eu nunca vou tirar da minha cabeça. Foi a coisa mais maravilhosa, a gente chega na Bahia, primeiro sair do Rio Grande do Sul, daquele clima horrível, medonho, né? É ou não é? {Risos} E chegar na Bahia, ver o mar lá do Retiro do São Francisco a gente olhava, via aquele mar lindo, maravilhoso e nós ficamos completamente enlouquecidos. Eu fiquei maravilhada e aí a gente acordou de manhã e as freiras… A gente não podia, a gente queria sair de biquini já e ir pra praia, porque quando nós vimos aquele mar, a primeira ideia era ir pro mar e naquela época a Valdemar Falcão era de terra. A gente de manhã saiu pra não sair de biquini, porque as freiras não deixavam, né? Ou não deixavam, ou não queriam, e a gente botou os casacos da gente. Imagina, aqueles…
AB: De coral?
RB: Não, não eram de coral não.
NP: Saídas de praia?
RB: As capas de chuva, né? Porque naquela época chovia muito. Botamos as capas e o biquíni por baixo. Biquíni não, naquela época não usava biquíni, imagine! Usava maiô e fomos a pé, descemos a Valdemar Falcão até o Rio Vermelho, até ali onde hoje são os pescadores, ali hoje eu moro lá na frente, né? E era assim, completamente, embasbacadas de tantas maravilhas pra nós, o clima, as cores, o mar, tudo para mim… É uma sensação que até hoje eu sinto ainda, né? Muito forte… E de noite, era Dois de Julho. Durante o dia, nós pegamos um ônibus e fomos pro Campo Grande e aquilo foi o segundo choque, porque eu entrei no ônibus, só tinham pessoas de cor e, pra mim, aquilo era uma coisa fora de série, né? Eu achava bonito e todos de branco assim. Me lembro que eles usavam roupa de algodão e a lembrança que eu tenho, pode ser até que não tenha sido isso, mas eram todos vestidos de branco e eu achava aquilo lindo. O negro vestido com a cor branca nos ônibus, eu fiquei apaixonada, eu fiquei apaixonada pela Bahia e essa paixão dura até hoje, né? Eu gosto da Bahia, eu amo a Bahia, não quero sair daqui para canto nenhum. Não tem lugar no mundo que me ofereçam melhor lugar, eu não vou. A Bahia é o lugar que eu quero ficar e morrer aqui, que coisa linda!
[PAUSA POR MOTIVOS TÉCNICOS]
NP: Ô Renata, você disse que veio porque Koellreuter foi lá. Isso é uma parte importante pra gente. Quer dizer, como era essa história? Koellreuter sai daqui pra lá?
RB: É, mas é. Porque nós tínhamos uma regente, chamada Madeleine Ruffier que era a regente do nosso coral, e ela, não sei como, mas ela se dava com Koellreuter, porque eles eram todos, na época, conhecidos, né? Os regentes e os músicos… Era o Koellreuter, depois mais tarde foi o Isaac Karabtchevsky também que foi lá e nós ficamos amigos dele, então era assim. Ele convidou o coral para vir para cá e aí nós viemos para cá e cantamos na Reitoria, demos o concerto lá, um ou mais concertos na Reitoria.
NP: E foi através dele que se conseguiu também hospedagem lá no Retiro de São Francisco?
RB: Foi através dele, é, exatamente. Provavelmente, isso eu não tenho certeza, mas eu sei que nosso lugar que nós ficamos foi lá.
NP: Com quantos anos você tava mais ou menos?
RB: Eu tava com 20… Isso foi em 1950, 60…
RB: 57, faz a conta, eu tinha 20 anos… Eu tinha 20 anos. É. E eu me lembro que nós ficamos aqui e fomos para praia. Eu não me lembro quantos dias a gente ficou e voltamos pro Rio, e nosso coral… nos apresentamos no Rio e em Curitiba na volta. E foi muito bom. Dessa época eu comecei a namorar o pai dela, né? Da Alice. E ele também cantava e a gente se apaixonou pela Bahia. E daí “já vamo casar” e vamo morar na Bahia” e aí a gente veio morar na Bahia por amor, não tinha nada, não tinha emprego não tinha nada. Ele entrou para o Instituto de Física e eu pro Instituto de Matemática, através da Marta Dantas.
NP: Só um pouquinho para eu entender melhor assim. Como você via a Universidade aqui e a Universidade lá? Por que a universidade aqui, você falou, tinha o Edgar Santos, que era uma referência, e você chegava nova relativamente, né? Recém-formada. como é que a Universidade era pra você que estava chegando do Rio Grande do Sul?
RB: Como a Universidade era aqui para mim?
NP: É
RB: Era… era assim uma coisa que eu não conhecia, né? Porque era assim muito aberta, muito pras artes, né? Para música principalmente e a gente não tinha isso lá. Tinha o nosso coral que também era da Faculdade de Filosofia, mas não tinha esse apoio da Universidade, da Reitoria, eu não me lembro desse apoio. Aqui a gente sentia que era apoiado pelo Reitor.
NP: E a cidade? Você percebia a relação da Universidade com a cidade, com Salvador?
RB: Aqui?
NP: É, por causa dessa coisa da Arte, ou não?
RB: Na época eu não tinha consciência disso, mas era… não sei. Eu tava tão apaixonada pela Bahia que tudo que eu via aqui era o que eu imaginava que eu queria para minha vida, né?
NP: Você entrou então, lá no Instituto de Matemática. Onde funcionava o Instituto de Matemática?
RB: Em Nazaré, lá onde hoje, onde era a antiga Faculdade de Filosofia
NP: Onde hoje é o Ministério Público
RB: É. Bom, e o Instituto de Matemática ficava no prédio atrás, eu não sei se ainda funciona, era um prédio grande, atrás do prédio velho e lá eu fiquei. Daí eu casei e vim morar na Bahia e meu filho nasceu, meu filho mais velho nasceu aqui, e eu era … Eu tinhas muitas amizades aqui no Instituto já, professores que até hoje a gente se reúne ainda se encontra, uma vez por mês, o pessoal da matemática. Maria Augusta, você deve conhecer, né? Maria Augusta, (Ana) Eliana Nogueira, Marta Dantas que já faleceu, Nilza Medrado, que já faleceu também e enfim.
NP: Conta um pouquinho então apesar que a gente já sabe, tenha consciência de que não é a sua grande paixão, que é a música. Mas você viveu nesse período, que foi um período muito rico, no ensino da matemática.
RB: Foi, foi. Foi muito bom.
NP: Fala um pouquinho delas e do que vocês faziam no Ensino de Matemática na Universidade.
RB: É que eu fui lá tanto, fui lá e cá, que eu tenho que pensar um pouquinho como é que foi. Ô meu Deus como é que foi?
AB: Eu me lembro que você parou de trabalhar quando a gente era pequeno, ficou um tempão sem lecionar, quando veio pra Bahia você voltou a trabalhar.
RB: É, exatamente
NP: Você disse que veio para trabalhar com Marta Dantas, não é?
RB: Eu trabalhava no Colégio Aplicação, né? Com Marta Dantas
NP: Já no Colégio Aplicação?
RB: Já Colégio Aplicação
NP: Ela funcionava ali em Nazaré também?
RB: Não, mais tarde quando eu voltei, ele já estava aqui no Canela
NP: Onde hoje é a Escola de Nutrição, né? Eu acho
RB: Não, antes ainda. Antes. Na Padre Feijó
NP: Ahhhh, onde é a Creche hoje
RB: Eu não sei
NP: É, eu acho que sim, foi onde é a creche
RB: Antes também aqui na rua… no tempo dá… não sei se você se lembra, era um professor de São Paulo que veio, ele era diretor do Instituto. Ah, não lembro … Eu teria que… aí não lembro agora
NP: Do Instituto de Matemática?
RB: O Instituto de Matemática funcionou também na Marechal Floriano Peixoto, logo no começo, entrando aqui na Marechal, um prédio logo a direita a gente funcionou ali também, depois é que fomos para Padre Feijó. E aí quando… De lá eu fui para Faculdade de Educação e acabou o Colégio Aplicação e nós fomos locadas na Faculdade de Educação.
NP: Você lembra como foi esse processo do fim do Colégio Aplicação? E se lembrar um pouquinho de lá do próprio Colégio, porque O Colégio de Aplicação sempre foi uma referência.
RB: Foi, era um Colégio muito, muito bom. No tempo meu, a direto era a … ô meu Deus … Como era o nome dela? Eu não poderia dar essa entrevista, né? Porque eu tô esquecendo muito.
NP: Não… {risos}
RB: Oh meu Deus (eu vou ver se eu me lembro.) Ela é … Zilma Parente
NP: Ah, Zilma Parente, eu tava achando que era ela, mas não tinha…
RB: Zilma Parente … Depois o Colégio acabou e aí eu tive que fazer uma prova, alguma coisa para vir para Faculdade de Educação, que eu não me lembro muito bem. Eu me lembro que quem me ajudou a ir para lá foi o Weidman, porque eu fazia música, ele me conhecia, eu não sei por quê. Ele era pró-reitor de alguma coisa.
NP: De extensão, eu acho
RB: É, de extensão. E ele me chamou me encaminhou, me chamou, e disse “Olha, venha fazer a prova, que você vai entrar pro Colégio” e aí eu entrei no colégio aplicação…. não … na Faculdade de Educação, no departamento 2
NP: Ficou lá com o ensino da matemática ainda.
RB: Sim, no ensino da matemática, metodologia, daí eu passei para educação mesmo, né? Metodologia da Matemática, aqueles cursos de curta duração, você lembra disso?
NP: Uhum
RB: Era …
NP: PROTAP?
RB: PROTAP, eu entrei para o PROTAP e dava aula na…
NP: Porque o PROTAP naquela época era bastante forte, né?
RB: Era, fiquei no PROTAP bastante tempo, com Alda Pepe, e aquela… depois Tânia Zacarias… e aí depois você entrou
NP: Eu cheguei mais ou menos nesse período. E você lembra da convivência com Omar Catunda, Marta Dantas, com Arlete
RB: Sim, sim, muito, muito. Catunda, Eu convivi muito com ele, Arlete, Marta, Moreno, como é? … Deu um branco agora, o que eu tava falando?
NP: O nome deles, eu também não lembro também
AB, NP, RB: Omar, Artele, Catunda…
RB: Você conhecia Catunda que fazia aquele trabalho de Filigrana, não né?
AB: Eu lembro do nome, Omar Catunda, como autor de livros
RB, NP: Foi muito famoso
NP: É de matemática. Era um professor, foi meu professor, muito famoso e muito
RB: Muito bom professor e os livros dele eram ótimos, pouco divulgados, porque eles eram difíceis, era difícil de ensinar, não era qualquer professor que ensinava, né? E Marta Dantas com Catunda, é um grupo que fez aqueles livros que a gente usou no Colégio Aplicação, né? De Matemática de primeira à oitava série. Eram livros com as transformações e a geométrica, era uma geometria avançada, né?
Muito depois, né … hoje eu nem sei se ensina matemática pelas transformações, eu acho que não, porque aquilo morreu por que era difícil, não é qualquer professor que dava aquilo, né?
NP: Chama atenção, e a gente observou isso, que vocês eram um grupo de muitas mulheres na Matemática, isso era assim no Brasil ou era uma característica aqui desse grupo, você sabe?
RB: Tu sabe que quem pode te responder isso bem, é uma professora que foi até nossa colega lá do Instituto que a tese dela foi sobre isso, da importância das mulheres, da quantidade de mulheres aqui na Bahia principalmente, eu perdi o contato com o Rio Grande o Sul, e depois que eu saí de lá nunca mais tive contato com a matemática de lá, não sei se lá também a aconteceu isso. Mas hoje em dia, hoje em dia isso é muito comum, né?
NP: Bom, aí então você estudava na Faculdade de Educação, trabalhando com o ensino da matemática, mas seu interesse mesmo tava mais aqui para perto.
RB: Era música, né? Música e teatro
NP: E como é que você conseguiu fazer essa ponte? Aí você começou a vir dar aula aqui?
RB: É por que eu trabalhava com o Canto, eu comecei c com esse grantando com esse grupo…
AB: Avelãs y Avestruz?
RB: Não, Avelãs y Avestruz não. Nosso grupo, AntiCalha, nós gravamos aquele CD aqui o disco, que eu trouxe para vocês, foi com esse grupo que eu trabalhei com o canto e aí comecei, depois que o grupo acabou, acho que já tinha acabado eu, a sequência eu não me lembro muito bem. Eu sei que eu comecei a mexer com o canto, com aulas de canto e daí me chamaram aqui pro teatro, para fazer não era nem canto, era dicção, mas eu trabalhava a voz pro teatro pros atores e fui professora desses meninos todos. Hoje eles me veem e se lembram. Quem foram meus alunos aqui, não me lembro mais o nome deles, mas eles me veem “Oh, Renata suas aulas de canto” e falam comigo, eles iam lá para casa e eu trabalhava a voz deles, né? Passei bastante dando aula de canto aqui na escola, a disciplina chamava Dicção 2, mas era canto, era técnica vocal pro ator, né?
NP: E você chegou formalmente a ser transferida da Faculdade de Educação?
RB: Não, era cedida. Não me lembro qual era o procedimento, sei que eu vinha aqui, tinha duas disciplinas aqui e depois eu fui para escola de música também, lá também eu trabalhei com a voz, com o canto … mas era, eu não era titular lá também, eu era uma professora cedida pela Faculdade de Educação. Eu dava um tempo lá e outro tempo aqui.
NP: E cada vez mais se afastando da Matemática …
RB: Cada vez mais, por que na verdade Matemática não foi a minha … praia, né? Como se diz hoje.
NP: E sua praia foi aquela que você viu pela primeira vez quando chegou aqui em Salvador {risos} Aquela foi a grande praia.
RB: {risos} É, exatamente, aquela foi a minha grande praia.
NP: Bom, aí conta um pouquinho mais desse período final de universidade, aí você em 1978, não? Se aposentou em 93 …
RB: Me aposentei em 93, é. Lá eu tava em Educação aquela época, né? De lá para cá eu só trabalhava com a voz na minha casa ou então … Eu cantava muito assim, com grupos, quê mais? Eu não me lembro mais onde eu trabalhei.
AB: Preparação vocal de atores em peças de teatro e coisas assim…
RB: É talvez, o último eu não me lembro mais. Aí vai, minha memória não marcou muito.
NP: A sua relação com a Arte fica evidente na conversa toda, super forte. Você chega em um período aqui na Universidade que a Arte está super forte. Que é marcante para construção da UFBA e nesse percurso você se aposenta de novo na arte. Nesse período que você se aposenta e hoje, como você está vendo a Universidade? Você acha que essa dimensão cultural e artística da Universidade continua forte ou você acha que ela caiu um pouco? Como você vê isso?
RB: Eu vejo que caiu bastante, mas por outro lado também eu vejo que tem um movimento de jovens também de arte …Que são fortes, por exemplo esse grupo, essa orquestra dos jovens que eu acho uma coisa fantástica
NP: Neojiba
RB: Neojiba, que é uma coisa maravilhosa, isso aí cresceu muito, nesse ponto, arte mais erudita, cresceu muito aqui o que não tinha no meu tempo com essa força, mas por outro lado eu vejo também, hoje em dia eu não vejo mais … Meus filhos querem que continue cantando, eu não me sinto mais … não encontro mais o meu caminho aqui dentro, acho que não se faz mais a música que eu gosto de fazer e que eu gostaria de continuar fazendo, então parei por causa disso
NP: Mas parou, parou mesmo, ou a gente vai ouvir você cantar um pouco?
RB: Não, aqui não tenho condição … eu tô sem voz também, porque a muito tempo não faço nada de exercício nada, então não tenho como …
AB: Morena quando… (Começa a cantar)
RB: Não, não venha não
{risos}
RB: Hoje ela canta, ela canta bonito
AB: Ela também.
RB: Eu não tenho mais voz … não sai mais
AB: A exigência…
RB: Não, não é
NP: A menina rebelde também é uma menina exigente
RB: {risos} Isso mesmo, sou exigente com afinação, com tudo… Não admito mais desafinação, porque desafinada eu não sou, mas é porque eu não posso afinar tudo e aí eu não canto mais.
NP: Isso te faz falta?
RB: Às vezes, mas não muito. É bem opção minha não continuar, por que eu vejo assim … Que as pessoas jovens têm … não quero tirar a oportunidade de ninguém de fazer música, eu acho que fazer mal, eu não faço. Não faço mais. Se eu pudesse cantar, e cantar bem eu faria, mas não tenho mais, não posso mais.
NP: Muito bem, alguém mais?
RB: Pergunte.
Camila: A gente tá aqui querendo saber quem é sua inspiração na música…
RB: Quem é minha inspiração? Hoje em dia?
Camila: Na sua vida toda, e hoje também. Quem sempre te inspirou na música
RB: Sempre me inspirei muito na música erudita que eu gosto muito, eu ouço muito até hoje. Cantoras boas e aqui também tem… foram alunos de canto, que são pessoas que até hoje estão cantando e são ótimas como cantoras, que eu formei parte, e até me dou com elas. Eu sempre me inspirei na música erudita porque é onde eu me sentia mais à vontade e eu infelizmente fui criada num ambiente germânico, onde não se conhecia… muito a música brasileira, a música popular… infelizmente eu acho isso uma coisa que eu sinto muita pena de não ter sido criada aqui na Bahia fazendo música popular, porque teria outra visão, outra … então infelizmente o meu modelo e a minha inspiração sempre foi na música erudita, de cantoras boas, até hoje. E hoje em dia pode se ouvir de tudo, não precisa de cd nem disco, pode jogar fora os cds e os discos, tá tudo na internet. O que tem de melhor no mundo tá na internet, né? Essa é minha inspiração, por que eu fui criada nesse meio, né? Nesse ambiente.
Gabriel Lima: Como era para você participar do Avelãs y Avestruz e como foi essa apresentação de Rapunzel?
RB: Essa foi uma coisa inesquecível, foi assim muito para mim muito nova, muito vanguardista… Porque eles eram ótimos atores, irreverente e a gente se sentia muito bem fazendo e participando, eu nunca participei como atriz, aliás, participei como atriz também, mas eu cantava no grupo. O meu grupo cantava com o Avelãs y Avestruz. Você se lembra do Avelãs y Avestruz, era do seu tempo?
NP: É, novinho
RB: Você era criancinha, né?
NP: Não, criancinha não… {risos}
RB: Sim, é isso é o que mais?
Gabriel: E vocês ainda mantêm contato?
RB: Ainda mantenho contatos? Com alguns com Márcio Meirelles com a ex mulher dele a … Como é o nome dela? Ela tá aí até, na foto, aquela outra menina a gordinha, Chica Carelli, que até hoje eu tenho contanto, quem mais? Eu acho que só, e Márcio Meirelles e a ex mulher dele…
AB: Maria Eugenia
RB: Maria Eugenia, lembrei.
NP: Maria Eugênia, exatamente. Super. obrigado
RB: Eu sou tão atrapalhada
NP: Não tá atrapalhada nada, o que a gente quer é exatamente deixar essas coisas todas registradas, muito obrigado.
(Palmas)
Gabriel: Primeiro de tudo agradecer a sua presença, por ter vindo aqui por estar aqui com a gente hoje dividindo um pouquinho das suas experiências, sua importancia para Matemática, como uma mulher pioneira no Ensino da Matemática também. Trouxe as fotos e os recortes de jornais também, foi bem interessante que a gente conversou ali antes da entrevista… e agradecer pela participação e por você estar aqui com a gente.
Isadora: Agradecer a professora Renata Becker por ter aceitado o convite de vir para entrevista do Memória em Vídeo, como dito por Gabriel, também parabenizar por ter sido uma mulher pioneira em Matemática na Bahia, a gente sabe que a áreas de exatas é uma área majoritariamente dominada por homens. É também muito bonito ver o seu encantamento pela Bahia e as cores e o azul daqui. Quando a senhora falava também de rebeldia, a gente ficou conversando um tanto aqui, e vendo que mesmo em uma época que o machismo era de uma forma ainda mais forte, a senhora já era muito dona de suas escolhas assim … do que queria, a da negação a educação doméstica, foi muito valoroso ouvir isso.
Revisão final da transcrição por Isamara Ellen, aluna de pedagogia e monitora de EDC61 – Memória em Vídeo da Educação na Bahia