Manoelito Damasceno – transcrição
ENTREVISTA COM O PROFESSOR MANOELITO DAMASCENO
PARTICIPANTES:
MD: Manoelito Damasceno.
NP: Nelson de Luca Pretto.
VC: Vicente Calixto.
NP: Simples. A gente quer que você fale a partir de 15 de setembro de 1946, quando você nasceu, que você lembre. Ou seja, é do começo. Fala sobre a família, fala sobre a cidade. E aí a gente vai se metendo, fica à vontade. Se precisar beber água, bebe. É bastante formal. Olha para onde você quiser. Não tem problema nenhum. Vamos gravando. Pode então gravar. Então se apresente e aí a gente começa a conversar.
MD: Eu me chamo Manoelito Caldino Damasceno. Sou filho de Manoel Caldino Damasceno, Joanita Marinda Damasceno. Manoel Caldino da Marcena era acorbador de bonde. Joanita Marinda Damasceno era costureira. Nasci em 1946, no bairro do Uruguai. Depois me transferi para o IAPI, Rua Conde de Poça Alegre, onde estudei na escola classe 2, e, em seguida, na escola Parque. Mas antes de nós tratarmos sobre essa questão da escola, eu vou falar um pouco da minha vida enquanto criança, que eu me lembro. Eu me lembro que eu, naquela época, eu devia ter uns sete ou oito anos, cinco ou seis anos, aliás. E existia uma serraria que fabricava brinquedos de bonecas, de madeira, né? Casas de bonecas. Eu me lembro que eu ia para lá, para a serraria, no lixo da serraria. Pegar aquele resto de madeira para transformar em brinquedos. Devia ter uns seis, sete anos. Eu já tenho seis, sete anos, e um colega meu, chamado Nerivaldo, que hoje também estudou na Escola Parque. E, nesse ínterim, eu entrei na Escola Classe 2, no primário, que era sempre chamado de primário, e fiquei lá até a quinta série da primária. Nesse percurso, eu também gostava de desenhar. E nessa escola tinha um concurso, que era o Dia das Árvores, que eu participava, eu participava do concurso, e ganhei o segundo lugar. O presente foi uma coleção do livro Barão do Rio Branco, que eu nunca li. Eu queria a bicicleta, né? Quem ganhou o primeiro lugar ganhou a bicicleta. Então, minha mãe sempre foi também artista. Minha mãe, apesar de ser costureira, também gostava de desenhar, pintar e tal. Ela fazia flores. Ela fazia flores. Eu, criança, com habilidade já um pouquinho… né, aguçada do ponto de vista da intuição, eu fazia o ferro para fazer as flores. Esse ferro é um pedaço de aço, mais ou menos de meia polegada de grossura. Eu fazia aquela bola na ponta do ferro para poder moldar as pétalas das flores. E era as flores que ela vendia para a pessoa que ia casar, para a noiva. E fazia também essas flores para vender na Baixa dos Sapateiros. Eu ia vender com ela essas brinquedos de madeira. Nesse percurso todo, nessa atividade enquanto criança, eu também fazia raia para empinar, chamar de pipa, era raia. E nunca, nunca, não sabia empinar, mas fazia raia, né? Fazia peão na mão, fazia jogo de botão, botão, né? Então essa atividade , hoje em dia eu chamo de artística, na realidade é uma atividade comum. Eu, criança, como muitos colegas, sabe? E na escola classe 2… Nessa época da escola classe 2, era forte o preconceito de cor. Muito forte. Tinha uma atividade na escola, naquela classe 2, que era atividade também de arte. Com peças de teatro, sabe? Eu sei que, na época, eu fui escolhido como escravo. E um colega meu, que tinha o cabelo liso, foi escolhido como Castiguelê. Nessa época ninguém ligava para isso, não estava nem aí, porque criança, né? Não vai perceber tão claramente como a gente percebe hoje. Mas que, no fundo, no fundo, eu não me sentia mal com aquilo. Eu, criança, não me sentia mal. Mas reparava que existia uma diferença. Tinha essa atividade, tinha reparado que existia uma diferença no tratamento. Mas, ainda assim, a gente relevava, né? Caminhava normal, como todo estudante de primário, né? Desenhava muito. Na época de São João, eu fazia aqueles quadros para poder expor na escola. Uma vez eu fiz um trabalho de arte, um menino soltando um balão, e a minha diretora falou assim: esse menino está com a cabeça quebrada. Porque eu olhava tanto o balão, como a gente fazia, eu olhava mesmo, que eu quebrei a cabeça do menino no desenho. E a professora falou, você quebrou a cabeça do menino? Quebrei, quebrei, quebrou sim. É porque o menino está com a cabeça tão para trás que parece que está quebrada. Mas todo mundo valorizava os desenhos. E essa escola classe 2 era muito rígida. Muito rígida.
NP: Vamos voltar um pouquinho nessa história de escola classe. O que era esse esquema de escola classe? Como é que funcionava isso? Ela funcionava no Uruguai?
MD: Não, funcionava no IAPI. Eu morava, nasci no Uruguai, morei um tempo, o meu tempo, minhas juventudes eram no IAPI. E fui estudar na escola classe 2. Porque a escola classe, existem três escolas classes. A escola classe 1, que funcionava na liberdade, no início da liberdade. A escola classe 2, que funcionava entre o IAPI, Rua Contra Porto Alegre e Peruvais. E a escola classe 3, que funcionava no Palmiúdo. Quem estudasse na escola classe 1, 2 e 3, poderia, no contraturno, estudar na escola parque. Eu estudava na escola classe 2 e, no contraturno, ia para a escola parque. Tarde de manhã e de tarde ia para a escola parque. A escola parque é uma escola de atividade profissional. Que não chamava-se profissional, era uma atividade prática, né. Lá tinha a área de madeira, a folhetaria, cartonagem, modelagem, serraria, serralheria, do lado masculino. Porque a escola parque tinha dois lados. Um lado que era feminino e outro masculino. E no centro da escola tinha a direção. Hoje em dia, eu faço uma reflexão com uma turma, dizendo o seguinte, parecia uma fábrica, onde os diretores ficaram no meio, olhando, com a visão panorâmica de todas as aulas. E, embaixo, os trabalhadores, trabalhando, fazendo suas atividades. Eu passei por vários setores. Passei pela cartonagem, passei pela madeira, não passei por metal, passei pela modelagem. Trabalhava com barro, etc. E a gente tinha um sentimento muito forte de que a escola parque ia nos preparar para a vida profissional mesmo. E nós convivíamos com coisas belíssimas. De um lado, o painel de Caribé. Na parte feminina, o painel de Mario Cravo. O painel de caribé retratava uma pintura parecida com um afresco, que tinha todas as atividades profissionais. E tinha atividade também do futuro, porque a gente via no painel de caribé o cara viajando, assim, voando, com uma máquina que parecia uma máquina voadora. E aquilo impressionava os meninos também. A gente gostava disso.
NP: E você dizia, então, que a escola classe era muito rígida.
MD: Rígida, é. Era muito rígida. A escola classe era rígida. A escola parque também era rígida, mas não tinha essa rigidez toda, porque era uma atividade pragmática. E no salão, que funcionava todas as atividades profissionais, era aberto. Não tinha divisória não. Madeira, metal, cerâmica, alfaiataria. Tudo assim. Grupos, grupos de pessoas. Eu disse até ao pessoal. E não tinha… Nós não sentíamos muito barulho, não. Apesar de ter madeira trabalhando ali, serraria. E no andar da cartonagem, parecia que era normal. E os professores eram rígidos. A escola parque também era rígida. Eu me lembro que, naquela época, eu tomei uma surra de régua, essa régua de um metro, de madeira, de uma professora, que me deu. Porque eu disse assim, professora, amanhã eu vou. Você vai para onde? Para Maracangalha. Ela me chamou e me deu uma surra de régua.
NP: Foi moleque demais.
MD: Foi moleque demais. Bem, estudei nessas duas escolas. De manhã, na escola classe, a parte teórica. E de tarde, na escola parque, a parte prática.
NP: Você lembra de nomes de professores?
MD: Lembro, lembro. Uma professora de cartonagem que eu me lembro muito bem, que ela gostava muito de mim, porque eu desenhava bem, e trabalhava bem produzindo capas de livros, etc, que era a professora Olga.
NP: Sabe o nome dela?
MD: Não sei, não. Olga. Não sei o nome dela. Tinha outra professora da Educação Física também, que era rígida também, Denorar. Era rígida demais. Uma vez eu sento… Na hora da Educação Física, ficava o grupo de meninos sentado assim, tudo sentado no chão mesmo, que tudo era limpinho e tal, sentado no chão. E ela fazia chamada. Fulano de tal, presente. Manoelito, eu não ouvi. Manoelito, eu não ouvi. Diz, presente, professora!. Ela me chamou e pegou a minha cabeça e bateu na parede assim. Era um negócio assim meio…
NP: Violento.
MD: Violento, é. Violento. Mas não fiquei com raiva da professora. Depois tornou-se minha amiga. Quando ela bateu a cabeça na parede, eu levantei e dei o murRo na professora. Imagina. Dei o muro e saí correndo. Saí correndo. Veio a copeira, que é uma negra alta, assim, vistosa, com a mão assim para me pegar. Pega o menino, pega o menino, pega o menino. Eu passei por debaixo da copeira. Subi no muro da Escola Parque. Caí na banheira da Peixe. Veio um guarda, um guarda-civil me pegar. Um guarda como em duas vezes. E aí pulei o muro e fui para o campo do térreo jogar bola até as cinco horas da tarde.
NP: Moleque.
MD: É moleque, moleque mesmo. Então, de forma que a minha vida nessa época tinha essa característica muito natural. Era muito natural. Não tinha coisas assim pesadas. Mas era uma coisa assim que a gente, como criança, reagia a determinadas ações.
NP: E como era na Escola Classe?
MD:A Escola Classe era uma escola só teórica. Você ia para lá, para a escola. Entrava na sala de aula. Tinha aula de matemática, português, com o professor Assopro, que era o primário. E saía, meio-dia. Saia merenda. Antes de entrar na escola, cantava o Hino Nacional. Todo mundo perfilado, né? Hino Nacional. Na hora de sair também, cantava o Hino Nacional e ia embora. Ia direto para a Escola Parque. Na Escola Parque, a gente almoçava. Merendava três horas e jantava. Não tinha falta de nada na Escola Parque. No final do ano, a Escola Parque fazia grandes exposições dos trabalhos dos alunos, para vender, para comprar material para trabalhar no ano seguinte. No início, não se vendia. Mas depois, de algum tempo, em dois ou três anos, começou a se vender porque recursos estavam faltando. Deve ter sido isso mesmo, para poder repor os materiais que a gente usava. Bem, essa vida me levou…
NP: Um segundinho ainda. Na Escola Parque também, a gente conhece, tem teatro, biblioteca.
MD: É.
NP: Como é que era a vida no conjunto da escola?
NP: É. Quem ia para a Escola Parque, poderia escolher: ir para o teatro, ir para o canto, escola aula de canto, poderia fazer isso. Tinha alunos que iam, outros não iam. E o teatro era belíssimo. Campo de futebol, do melhor… O campo de… A quadra de esporte era, assim, tudo organizado. Tinha todos os instrumentos de esporte ali dentro. Só não tinha piscina. Mas tinha tudo organizado. Tudo belíssimo. Os professores eram professores de esporte, pessoas conhecidas do Rio de São Paulo. Viam para aqui, para Bahia, fazer isso. Só os professores da parte profissional: madeira, cerâmica, metal, alfaiataria, sapataria, que eram do bairro. Então, parece que escolheu os profissionais, os oficiais do bairro para poder ensinar na Escola Parque. Eles aí preparavam pedagogicamente esses profissionais para poder dar. Elide L, você já ouviu falar em Elide? Elide L? Que tinha alfaiataria aqui na avenida da praça? Era professor da Escola Parque. Um professor de madeira que tinha essa oficina de madeira, que eu pegava os produtos, o resto de madeira para fazer brinquedos, era professor da Escola Parque. Morava no IAPI também. Porque a Escola Parque chamava os professores, os oficiais, para preparar pedagogicamente para poder dar aula. Então, não nos faltava nada. Nem fora da escola, no campo da escola. Era muito rico em frutas. A gente saía chupando manga, jaca, entendeu? Essas frutas, assim, tropicais.
NP: A escola era muito inserida na comunidade?
MD: Muito inserida na comunidade.
NP: E as famílias se envolviam com a escola ou não?
MD: Pouquíssimas famílias. Envolvimento era pouco. Porque a família colocava os alunos na Escola Parque, ficava o dia todo lá. Agora, na saída da Escola Parque, é que você ia conhecer quem são esses meninos das periferias. Era briga todos os dias. Era briga, assim, de criança mesmo. Mas era tudo bem organizado na Escola Parque. Então, eu não sei que esse fato que aconteceu comigo, com a professora, foi suspenso por três dias. Minha mãe foi na escola. Depois, essa professora foi ser madrinha da formatura de um irmão meu, que foi oficial da Polícia Militar. Professora Denora. NP: Bem… Aí você saiu da…
MD: Saí da Escola Parque.
NP: O primário, não é?
MD: Terminei o primário. Fui para o Colégio Baiano de Ensino. O diretor era o Batozá da Silveira. Fiz o ginásio lá, uma parte do ginásio lá, porque era pago. Minha mãe conseguiu uma bolsa como deputado, para poder estudar segundo nesse colégio. Fiz uma parte lá e outra parte fiz no Duque de Caxias. Quando eu estou no Duque de Caxias, essa é a minha habilidade de desenhar. Tinha uma sessão nesse Duque Caxias, que era desenho livre, que eu frequentava essas aulas de desenho livre. E a professora me dava para pintar paisagens e tal. Isso reforçou a ideia de que eu devia continuar a desenhando, a pintando e tal. Fui para o Duque Caxias. Nessa escola eu consegui tirar o segundo grau. Antes de tirar o segundo grau, eu já estava desenhando bem. Fui trabalhar em empresas de acrílico, que é um anúncio maravilhoso, que você deve ter conhecido. JJL, JM e Albertone Blois. Trabalhei como desenhista projetista lá por um tempo. E continuei trabalhando em outras empresas. Acripan, que funcionou aqui na Liberdade, que hoje em dia parece que não existe essa empresa. E continuei pintando. Fiz vestibular para a Escola de Belas Artes. Me inscrevi, primeira opção, em licenciatura, segunda opção, em desenho em plática, porque na Escola de Belas Artes tinha dois cursos. O curso de desenho em plática e o curso de artes pláticas. O curso de desenho em plástica é você ser professor de desenho. Qualquer tipo de desenho, evidentemente, porque desenho artístico, desenho técnico. E trabalhava como desenhista também nessas empresas. Fiz o curso de Belas Artes. E na saída do meu curso, eu tive a oportunidade de fazer algumas disciplinas aqui. Porque fazia a disciplina artística na Escola de Belas Artes, a disciplina de desenho técnico em arquitetura, e a parte de educação aqui em educação. Esse convívio aqui parece que enriqueceu mesmo a possibilidade de você ter uma integração melhor com todas as áreas do conhecimento, algumas das áreas que são fundamentais.
NP: E a faculdade já era aqui nesse prédio? Não, a faculdade era lá na Nazaré, onde funciona o Ministério Público.
VC: Quando o professor saiu desse sistema de ensino das escolas normais e foi para a UFBA, como foi essa mudança?
MD: Eu mudei para a UFBA na época em que a lei mudou. A lei da universidade mudou. Porque um dia você tinha a Escola de Belas Artes, fazia tudo na Escola de Belas Artes. O que a lei fez? Colocou você para fazer a disciplina de arte na Escola de Belas Artes, a disciplina de educação na Faculdade de Educação. Isso foi em 70. E a disciplina de técnica em arquitetura. Quem fazia medicina fazia parte de todo o conhecimento médico na Faculdade de Medicina. E os outros conhecimentos faziam em outras escolas.
NP: Eu fiz física e usava tudo. Foi a reforma universitária.
MD: Foi a reforma universitária em 1970. Bem, fiz Belas Artes.
NP: De 1968 para 1969. E ela se implanta toda no novo.
MD: Em 1970. Eu fiz vestibular já com a lei nova, com a reforma nova. E foi em 1970. 1970 para 1971.
NP: Como era o vestibular?
MD: Quando eu fiz vestibular, eram provas, não eram de múltipla escolha. Discutivas, provas. Primeiro ano que eu fiz. Matemática, discutivas. São cinco questões. Cinco questões de desenho. Tinha até prova de modelagem na Escola Parque. Eu fiz desenho. Tinha que fazer modelagem. Era de artista.
LUISE: Tinha prova de habilidade específica?
MD: Tinha habilidade. Tinha desenho, desenho. Mas, adiante, você vai ver que isso renova depois. Eu vou falar para você. Então, o que aconteceu? Fiz essa prova, passei e cursei licenciatura. Não fui nunca um bom aluno. Gostava muito de desenhar e tal. As disciplinas são teóricas, muito teóricas. Eu nunca fui, assim, um excelente aluno, mas conseguia avançar nessas disciplinas.
NP: O seu negócio era desenhar?
MD: É desenhar. O meu negócio era desenhar. Tanto assim que, hoje em dia, por exemplo, o Aleixo Paredes, meu amigo, gostava muito de mim. Ele me dizia assim, Aleixo, você precisa participar desse concurso. Baia da década de 70. Um concurso de cartaz. Porque o que eu fazia? Como eu tinha muita habilidade, eu fazia as coisas assim. Ele gostava. Nesse dia, ele dizia, olha, eu só vou dar nota, eu sei que o seu negócio é direito. Para participar desse concurso. Eu passei na disciplina e fiquei em segundo lugar no concurso que ele dizia. Baia da década de 70. Eu ganhei um cartaz para esse concurso.
LUISE: E como é a relação da pessoa que gosta de desenhar para chegar até a licenciatura, ou seja, ao ser professor?
MD: Olha, a ideia de licenciatura, nessa época, eu nunca imaginava que ia ser professor. Eu fiz o curso de licenciatura porque era desenho. Não fui com o intuito de ser um professor de desenho. E isso foi uma contradição violenta porque, apesar de entrar na Escola Belas Artes, no primeiro ano, eu fui ensinar no Colégio Comercial. Fui ser professor de desenho. Fui professor de desenho e coloquei o irmão meu, que era tenente da Polícia Militar, para ser também professor de desenho, porque eu ensinava ele desenho, ele ensinava de noite na escola. Bem, comecei a ensinar desenho e tomei gosto pela parte da educação. Fiz aqui didática, metodologia, estrutura De funcionamento do ensino. Fiz aqui e gostei das disciplinas. Fui e peguei a amizade com o professor ESpedito, do Guirabati, que era também licenciado de desenho. Fiquei aqui com ele, orientando, fazendo as coisas e tal. E tinha um setor aqui da faculdade chamado técnica e recursos audiovisuais, que eu fazia todo o trabalho da faculdade de educação, em termos de cartaz, representação de professores, em termos de fazer representação gráfica dos trabalhos dos professores. E continuei com o Espedito durante muito tempo, uns cinco ou seis anos. Nesse interino, eu na relação com o Espedito, ele conheceu o Menando, professor Menando, que trabalhava no Jornal A Tarde, que era chargista do Jornal A Tarde. Também continuou ficando aqui com o Expedito. E nós ingressamos na faculdade através de uma demanda que necessitava e uma prova que o Espedito fez com a gente para fazer. Eu ensinava metodologia e prática do ensino em desenho e o Menando ensinava técnica e recursos audiovisuais. Ficamos aqui na faculdade. E nesse caminho todo, eu continuei desenhando, continuei pintando. Nós fizemos aqui várias exposições na faculdade de educação. Fiz outras exposições fora da faculdade também. Uma exposição que eu fiz foi no Autumn Palace, Quarto Salão Nacional de Artes Práticas, Genaro de Carvalho, que eu tirei medalha de ouro no trabalho que eu fiz. O sentimento que eu tenho, na realidade, de que essa minha área, dentro dessa faculdade, nunca me pareceu assim, uma área com muita importância. Com muita importância, frente às outras áreas. Esse é o sentimento que eu tinha. Esse pessoal parece que não dá muita importância à arte, não. Nessa época que eu conheci o Nelson Pretto, ele não me conhecia, não. Eu o conheci porque ele estava ensinando no Salesiano também. Ele ia para lá fazer a Revolução, porque eu iria. A Sindicato dos Professores. Ele, você e aquele outro de Histórias, não sei se é o nome dele, que hoje está na… É Zé Carlos? Não, Zé Carlos, não. Ele está na UNEB hoje em dia. Barbudo. Bem, conhecido… É. Não, não. Depois eu me lembro. Vou tentar ver se consigo me lembrar. Bem, engajado na Faculdade de Educação, fazendo atividades, de trabalhos práticos para apresentação de professores, técnicas de recursos visuais. Tinha uma sala específica para lá embaixo. Tem até uma máquina dessa que está usando aí. Canom. É Canom? É. Nós usávamos muito esse trabalho para poder assessorar e dar uma espécie de ajuda aos professores nessa representação da parte da educação. E nós ficamos aqui na Faculdade. Em paralelo…
NP.Desculpe, você ainda estava como colaborador?
MD: Ainda estava como colaborador. Que era como chamava o professor eventual. Eventual, é. Não era eventual, não era concursado.
MD: Não era concursado, é. Mas eu passei a ser professor colaborador depois. Professor colaborador era nomenclatura que naquela época era dado como oficial. Não era dado como uma coisa assim… assistente, ajuda, nada. Não fazia parte da carreira de universitário. Era uma coisa paralela para justificar você ser professor universitário. Você entende? Eu continuei sendo professor colaborador. Continuei sendo colaborador, sem o nome de professor colaborador. Colaborador somente na ideia de que ele está colaborando. Depois é que se passa a ser realmente professor colaborador. Mas eu ajudava os pedidos sem querer. Sem querer. Você vinha aqui, ajudava, voltava. Eu gostava de desenhar. Eu ia fazer meu desenho aqui. Nessa época também que eu fazia essa atividade, sem ser professor, tinha a professora Alda Pepe, que fazia o… que tinha aquele programa do… ProTAP. ProTAP. Entendeu? Participava a Alda Pepe, a irmã dela, Espedito, que era marido dela, fazia parte do ProTAP, que fazia atividade de educação nos interiores da Bahia, em barreiras, entendeu? Nesses interiores.
NP: Essa cadeira é do ProTAP.
MD: É do ProTAP É. Viu? E eu ajudava, dava força a esse pessoal. Eu dava força, sustentava toda a parte de audiovisual. Bem, essa atividade que eu tinha aqui dentro não era atividade oficial. Era atividade que eu fazia porque eu queria fazer. Eu gostava de fazer. Voluntário. Voluntário. Foi aí que veio a ideia de que eu, como voluntário, daqui, já formado em Desenho e Plástica, já tendo pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior, dado por um americano aqui dentro, e Werrein também participou dessa atividade, professor Werrein, foi aí que me chamaram para dar umas aulas de Metodologia do Ensino de Desenho em Plástica I. Não, um não. Metodologia do Ensino de Desenho em Prática II. Porque Metodologia do Ensino de Desenho em Plástica I era dada para a professora Nildeia, que tinha muito mais tempo que eu, já era professora daquele dia. E a ideia que ela passava é de que Metodologia de Desenho em Plástica I era a parte teórica, que ela podia sustentar, porque ela tinha um tempo, tinha um conhecimento. E Metodologia de Desenho em Plástica II era somente a parte prática da disciplina e o estágio, a observação de estágio. Bem, depois eu passei a dar também Metodologia do Ensino de Desenho em Plástica I. E Menando ficou dando técnicas e recursos audiovisuais porque apareceu essa disciplina no Currículo de Desenho em Plástica. E apareceu essa disciplina no Currículo também de Pedagogia.
NP: Que existe até hoje.
MD: Então eu continuei dando essa disciplina. Foi aí que veio a ideia de se contratar esse professor como professor responsável por disciplina, que envolveu a universidade como um todo. Não era só aqui na Faculdade de Educação, Estúdio de Física, Matemática, Ciências Sociais, tudo. Toda a universidade tinha essa classificação de professores que não era concursado. Depois é que veio a lei e transformou isso. Quem tinha mestrado, quem tinha pós-graduação, transformou tudo em assistente. Não foi? Eu sou assistente. Não sei se você pegou isso.
NP: Sim, eu também entrei dessa forma.
MD: Sou assistente. Aqui fizeram uma prova general para ver como está a competência da gente e a gente ficou, porque a gente tinha algum tempo aqui, a gente tinha um conhecimento fundamental para assumir essa disciplina e nós ficamos aqui então como professor responsável. E depois passamos para ser professor assistente.
NP: Isso foi que ano?
MD: Acho que isso deve ter sido em 80. 80. Em paralelo, o anterior a esse 80, essa atividade que eu praticava aqui de artes plásticas, de desenho, eu já fazia isso como professor na faculdade de Feira Santana, na Universidade Estadual de Feira Santana, que não era universidade, era uma fundação da Universidade de Feira Santana, onde os alunos pagavam.
NP: Fala um pouco mais sobre esse tempo lá de Feira.
MD: E nessa época, que era uma faculdade de Feira Santana, que a faculdade de Feira Santana funcionava no centro de Feira, quando foi transformada em fundação passou a ser parte da fundação e os alunos pagavam isso, porque era fundação. Não era estadual ainda, não estava estatizado ainda. Eu fiz parte em 75 dessa entidade, Fundação Universidade de Feira Santana. O reitor era um médico, Leite, João Leite, se não me engano. E nessa faculdade, como eu já tinha um conhecimento do ensino superior, através de ter participado aqui da faculdade, que não era professor, participar da atividade pedagógica aqui, então eu fiquei como responsável por disciplinas também lá. E lá existia 40 professores responsáveis por disciplinas. Foi que se encobriu de se reunir e criar um projeto de universidade do estado de Feira Santana. Criamos a Universidade de Feira Santana. Um dos professores, um dos coordenadores desse projeto era um padre, Eloy Barreto, não sei se você conheceu. E ele coordenava essas atividades, coordenava esse trabalho e o estado, então, transformou essa fundação em Universidade Estadual de Feira Santana, que era UNICAMP. Em paralelo, já em 1980, que já existia o DESAP, aliás, o DESAP foi criado antes dessas faculdades todas, que era o Departamento de Ciência Superior, que funcionava no estado, que coordenava essas faculdades isoladas todas. Quando passou a ser universidade, o DESAP desaparece e aparece a Universidade Estadual de Feira Santana e o CESEB, que é a UNEB hoje em dia. O CESEB foi criado em 1980, o primeiro reitor foi Edvaldo Machado Boaventura, com a ideia de ser a Universidade de Multicampos. Nessa universidade, eu fiz concurso, como eu fiz em Feira Santana, que eu era a pessoa responsável. Depois tive que fazer uma prova para passar a ser professor titular da universidade. Não, para ser professor assistente. Fiz uma prova e nessa prova participou da banca Juarez Paraíso, Humberto Aquino e um professor de matemática, que eu esqueci o nome dele agora. Esse professor de matemática ensinava na UFBA também. Juarez já era professor da Escola Belas Artes. Eu passei em primeiro lugar nessa prova de professores, que tinha a prova escrita, a prova didática e a entrevista, como tem aqui. E a prova escrita que tinha lá, a prova didática, você fazia a prova escrita e você também tinha que ler durante a banca a sua prova escrita, um professor do lado ou do outro, para ele verificar, para fazer a avaliação dele. Aqui também teve isso. Algum tempo atrás tinha, não sei se tem agora. Fui aprovado, passei a ser professor assistente na universidade de Feira Santana e, em 80, eu fiz concurso da UNEB. Passei a ser professor da UNEB. No mesmo ano, em 1980, ela foi transformada em Universidade do Estado da Bahia.
NP: E aí você largou o Feira?
MD: Não larguei o Feira. Eu fiquei com o Feira de Santana, UNEB, UFBA, que eu já era professor da UFBA, vice-diretor de uma escola em Periperi, Humberto Alencar de Castelo Branco, que hoje em dia é a Escola Nelson Mandela, e professor do seu pai, também, na Luz da Quina.
NP: Dormia?
MD: Rapaz, era de manhã, de tarde e de noite. Era de manhã, de tarde e de noite. Eu até achava absurdo, meu Deus, como é que eu vou aguentar isso?
NP: Então, vamos pegar todas essas quatro coisas e falar uma em cada uma. Vamos lá na escola de Periperi. Em Periperi.
MD: Eu comecei em Periperi em 71. Quando eu entrei na universidade, eu falei com você e fui ensinar logo em Periperi, em 1971. Lá eu passei cinco anos. Quatro anos depois, um professor foi eleito diretor da Escola Humberto Alencar de Castelo Branco, que hoje é a Nelson Mandela, e me convidou para ser vice-diretor dessa escola. Foi aí que, nessa época, eu, como vice-diretor, já ensinava em Feira Santana, em um colégio particular aqui no Barris, Santa Marta, e no Salesiano. Colégio Salesiano de Salvador. Foi lá que eu conheci você. Fazendo sua campanha nas escolas particulares.
NP: E me diga uma coisa. Conta um pouquinho sobre essa escola lá de Periperi. Sobre a Castelo Branco Como é que ela funcionava?
MD: Era uma escola que era paga. Mas era um pagamento assim, simbólico. Acho que eram dez cruzeiros por mês.
NP: Mas ela não era estadual? Ela era privada.
MD: Senec. Fazia parte do Senec. Era uma entidade chamada Senec. Não sei o que significa isso. Onde o diretor era o vereador, Castelo Branco. Bem, fiquei nessa escola durante cinco anos. Depois saí dessa escola. Segundo, depois que eu entrei na UFBA. Entrei na UNEB. Essa escola, ela formava professores ensinando no fundamental. Criamos um curso de desenho técnico lá nessa escola, como foi criado lá em Jesus Tarquinho, desenho técnico. Criamos um curso de desenho técnico também no Salesiano, em Salvador. Tinha dois cursos profissionais lá. Desenho técnico e um outro curso na área de medicina. Na área de análise do material biológico. Criamos esses dois cursos. E eu fiquei nessa escola durante cinco anos e depois saí. Aí que eu fui para a UNEB. Na UNEB nós criamos também um curso de design. Antes disso, em Feira de Santana, em 78, existia um curso de tecnólogo em construção civil que o povo dizia assim, rapaz, vocês estão com a bomba, porque Feira de Santana está duplicando aqui essa estrada, todo mundo vai trabalhar lá. Mas eu comecei a informar os alunos, eu vou trabalhar de quê? Mestre de obra? Não vou ser engenheiro. Vou ser o quê? Mestre de obra? Foi aí que comecei já a lançar essa ideia de que engenharia não podia ser. Foi aí que fizemos a revolução, transformamos um curso de tecnólogo em construção civil em engenharia civil, em Feira de Santana. Bem, Feira com curso de engenharia civil, Luiz Sarquini com curso de desenho técnico, a UNEB com curso de design. Coordenei esse curso, fui chefe do departamento durante muito tempo, três ou quatro anos, ampliou, passei dois anos, mais dois anos, depois mais dois anos. Fizemos reunião, não só na UNEB, mas em Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, mostrando o nosso currículo, que era o currículo inovador, porque o que existia era design de moldes, design industrial de peça de carro, design… Existiam vários cursos de design. Nós criamos um curso só: design. Com habilitação das industriais e gráfico. Mas nós tínhamos que construir um curso que o indivíduo pudesse entender o que é design. Depois ele escolhia a área que ele quisesse escolher. Era essa a nossa proposta. No Brasil não existia isso. Existiam vários cursos de design, várias modalidades, várias áreas. Vestuário, peça de carro, entendeu? Era assim, design gráfico, com publicidade e propaganda. E no curso da UNEB não existia isso. Existia o curso de design, com habilitação industrial e a parte gráfica. Isso criou um impasse na proposta do currículo das outras escolas do Brasil todo. Por isso nós saímos por esse estado todo explicando qual era a nossa ideia. O que é que eu dizia? Eu dizia o seguinte, olha, se houve um problema de design ali, você vai chamar um design. Você não vai chamar um design gráfico, não. Como é que ele pode resolver esse problema? Problema de design. O que caracteriza o seu design? Dá uma solução, dá uma resposta a um problema dessa área. O cara cai doente ali, chama o quê? Chama o médico, vai chamar o médico ortopedista? Vai chamar o médico, não é isso mesmo? Não vai chamar o médico urologista, vai chamar o médico. Então ele sabe que a posição dele como médico tem que dar uma solução àquela situação ali. Era essa a nossa proposta.
VC: Houve muita resistência?
NP: Houve muita resistência. E houve uma resistência assim, meio esdrúxula, que foi criada por nossos professores mesmo, que queriam colocar o curso de design, o Bacharel de Design, e o curso de Licenciatura em Design, que eu fui contra. Logo no início, aqui na Bahia, eu fui contra. Mas o colega levou isso, a ideia, para São Paulo. Eu criava em partes e dizia, não pode, não pode ser licenciado em design para ensinar o quê? Para ensinar matemática? Ensinar a história do design? Não sei. Então, para mim, não existe licenciatura em design. Existe o design. Foi aí que a criação do curso da UNEB só saiu com essa modalidade de ser um profissional do design.
NP: Que seria o bacharel.
MD: O bacharel. Bem, esses cursos foram criados nessa universidade. E, em paralelo, eu fui chamado para ensinar na FACS. Que não era a UNIFACS, era a FACS. Existia também um grupo de professores que se reuniu para fazer esse projeto da UNIFACS. Como não é o bacharel que era direito. Era o reitor. Anterior era Tabuco. Depois passou a ser faculdade. Depois foi ser universidade. Foi na passagem de faculdade para universidade que eu participei. Criamos o curso
de design lá. Que não era um curso de design, era educação artística com ênfase em computação gráfica. Também não sei o que é isso. Eu também fiz uma revolução nessa faculdade, juntamente com o professor Jeferson Pedra, para mudar a proposta do curso de ser um curso de design. Se você não tinha uma estrutura para se conceber uma atividade ligada à realidade industrial, à indústria, tinha uma estrutura para se criar. Uma área de design gráfico. Aí nós criamos o curso de design na UNIFACS. Na década de 90. Os encontros de design foi na década de 90 no Brasil todo.
E nessa época é que foi criado esse curso. Passei lá há algum tempo. Levei alguns colegas para poder dar aula lá. Inclusive ex-alunos meus. Hoje em dia são professores da UFBA. Professor Paulo Souza. Ensino na Escola Belas Artes. Professora Ana Beatriz, que era mulher de professor João Areia, também ensinou lá. E nós seguimos essa proposta da área de design aqui na Bahia com essa característica de ser uma área que integra qualquer modalidade de desenho. Não é só desenho, tem qualquer modalidade. Porque se compreendia que existia uma gramática de desenho que caracterizava ela como uma área muito restrita e ampla que congregava várias formas de representação. Tanto a representação intuitiva, livre, quanto a representação pragmática, técnica. Nós tínhamos que entender qual era a gramática que dava linha definida a essa área de desenho. Qual é a gramática do desenho? Quais são as leis que determinam que esse conjunto de atividades possa ser percebida como física, por exemplo.
NP: E na UFBA? Como é que foi aqui?
MD: Como eu dava aula nessas faculdades todas, também estava integrado aqui na UFBA como professor de metodologia de arte e desenho, que também representava, dava suporte aos professores aqui, tanto assim que na campanha do diretor eu fiz um slogan, porque a pessoa gostou.
NP: Quem era a campanha?
MD: Era a Lucila. Campanha de Lucila. Com a Ana… Como é que foi? Diretora, vice diretora.
NP: Na Greve? na Greve, não. Ana Greve era professora do Departamento 1. Bem-vindo a essa campanha aqui na faculdade. E eu seguia também na atividade de suporte dos professores e na atividade pedagógica dando aula de metodologia de desenho prático. Fiquei aqui, fiz esse curso de pós-graduação em metodologia do ensino superior, fiz um outro curso também de técnica e recursos audiovisuais e em 80, não sei se foi 80 ou 80, 81, 82, eu ingressei no mestrado em educação. Eu tinha feito algumas provas aqui para entrar no mestrado, não conseguia ser aprovado, mas em 80 fui aprovado aqui no mestrado em educação. A minha orientadora foi a Iracy Vicanço, que me orientou até o final do curso. E esse curso de mestrado era feito em 4 anos. Não eram 2 anos, eram 4 anos. 2 anos de crédito teórico e 2 anos de crédito prático. E, naquela época, nós percebíamos que o trabalho do mestrado não era uma dissertação. Ninguém falava em dissertação, falava em tese, tese de mestrado. Talvez por causa da natureza, da estrutura, que era pesada. Era uma coisa assim.
NP: Tinha o doutorado?
MD: Não tinha o doutorado. Passou a ter o doutorado quando eu assumi diretor substituto, que eu era vice-diretor eventual. Os filhos saíram e eu assumi como diretor substituto aqui. Foi que foi criado o curso de doutorado aqui na Faculdade de Educação. Bem, nesse ínterim daqui a esses cursos todos, design na UNEB, design na… no Salesiano, design na UFBA também, porque fizemos uma reunião, eu, Juarez Paraíso, Humberto Aquino, uma diretora, que esqueci o nome dela agora, uma série de professores se reuniram para estudar o currículo do curso de licenciatura em plástica. Por quê? Porque o dia D da educação, que transformou a compreensão da disciplina educação artística, que era dado como desenho antes, o desenho era dado em todas as séries, quando entrou a educação artística mudou a compreensão e a prática dessa disciplina nas escolas. Por que mudou? Porque o desenho era dado como uma coisa pragmática: régua, compasso, tábua. E a educação artística era um processo onde possibilitava ao aluno o desenvolvimento da sua criticidade e da sua criatividade através das artes. Teve um dia D aqui, que revolucionou o Brasil na realidade. Eu participei desse movimento também na época. E aí o que acontece? As escolas assumiram a ideia de que educação artística tem que ser dada em todas as séries, mas as escolas privadas não queriam oferecer mais uma disciplina. Queriam somente dar nas primeiras séries educação artística e nas últimas séries desenho. E nós tivemos essa revolução e a coisa realmente ficou dentro desse panorama. Educação artística para o desenvolvimento de habilidades e, no segundo grau, dar o desenho para especificidade já pragmática no sentido de ter um conhecimento prático desse tipo de estudo, desse tipo de desenho. Feito caracterizar essas situações de desenho e tal, eu aqui na faculdade de educação. Na época eu já era professor, pessoa assistente. Nós entendemos que temos um grupo com uma ideologia um pouco diferente de outras que já existiam aqui dentro. Como, por exemplo, aquela professora que foi diretora da faculdade… uma diretora que foi professora da faculdade tinha uma ideia filosófica da educação e o povo da faculdade, o povo do departamento tinha outra compreensão talvez uma compreensão até muito mais revolucionária.
NP: Havia muita crise entre os dois departamentos?
MD: Havia uma crise ideológica. Um lado ligado à questão social questão da revolução social outro ligado à questão da pedagogia. Estrutura e funcionamento do ensino hoje na cidade civil não dá. Dado uma compreensão baseada na lei nova que já aparecia, a gente tinha que decorar aqueles parágrafos de lei, aquela coisa toda para poder assumir como professor também e exigir essa… não é briga mas essa luta ideológica entre o departamento e o outro. Um dava a didática e a prática de ensinos, a metodologia o outro departamento dava a parte da estrutura pedagógica. Então evidentemente que nessa briga, entre aspas, eu como estava no departamento 2 que era a prática de ensino e a disciplina ligada à especificidade de cada área que tinha aula física, química, etc. Engressi num grupo onde fez parte Lucila, Hermes e outros professores e nós ganhamos as eleições para diretor. Eu substituí a vice-diretora Ana Cristina e Lucila a diretora.
NP: E quem correu, você lembra?
MD: Quem correu foi Felipe Serpa que foi reitor.
NP: Eram duas chapas.
MD: Felipe Serpa que era diretor e Racife Canso que fazia parte da outra chapa. O grupo ligado à área social do conhecimento social que me parecia ser um grupo que fazia uma revolução mais ideológica do ponto de vista social. O outro grupo fazia uma revolução mais de especificidade da área pedagógica. Nessa época que você entrou na faculdade, na Faculdade de Educação.
NP: Eu tava em física. Vim pra cá para a pós-graduação.
MD: O que acontece? Nós ganhamos e minha diretora assumiu as eleições. Saiu Lucila, teve o tempo dela e eu assumi como diretor eventual, substituindo o eventual do diretor. Nessa época também teve a proposta do curso de doutorado do Nacional de Línguas. Depois houve a eleição, tinha que ter eleição. Entrou o professor Arapiraca como diretor e Menando como vice-diretor. Na morte do professor Arapiraca, Menando ficou como diretor da faculdade. Eu me lembro que concorreu com o Menando, foi Iracy Vicanço. Ela concorreu com o Menando e ela ganhou. Menando, ainda como diretor, que assumiu a faculdade da Arapiraca, houve eleição e ela ganhou quase que com um voto. Foi aquela confusão da época. Eu imagino. Aquela confusão. Mas uma confusão assim era… tinha características muito mais ideológicas do que… pessoas de pessoas. Era mais um grupo que tinha uma ideia, tinha um comportamento x, uma ideia x, e outro grupo que tinha uma ideia contrária. Não era contrária, mas uma ideia que achava que a ideia era mais importante. Brigar pelo conhecimento pedagógico, pela escultura pedagógica é mais importante do que brigar pela questão social. Como se a questão social não fosse pedagógica também.
NP: Nesse meio tempo, você, na UNEB, também assumiu uma direção de um centro?
MD: Veja bem, eu como estava aqui, eu levei 40 anos na UNEB e 35 anos aqui. Aqui eu comecei primeiro. Eu, em paralelo, na UNEB, também, como professor daqui, eu fui chefe de departamento na UNEB. Diretor. Depois, a UNEB transformou o departamento em unidade de ensino. O departamento era por área. Departamento em desenho e tecnologia. Departamento de matemática. Depois se criou, congregou cada departamento numa situação única. Alguns departamentos se uniram e formaram faculdades. Unidades isoladas. Departamento de Ciências e Cidades da Terra. Departamento de Educação. Departamento de Saúde. Departamento de Ciências e Cidades da Terra ficou o quê? Ficou com engenharia, desenho, arquitetura, entendeu? E Departamento de Saúde ficou com todas as áreas de saúde. Nesse departamento eu fui diretor interino do Departamento de Ciências e Cidades da Terra. Ainda como professor aqui. Depois nos reunimos, sei lá, como diretor do departamento, nos reunimos e fizemos um grupo. Na saída de professor Joaquim como reitor, Ivete se candidatou a reitora, me convidou para ser vice-reitor e eu não quis. E aí eu fiz campanha junto com o Ivete e assumi o cargo de pró-reitor de pesquisa e pós-graduação na UNEB. Na UNEB só existia quatro doutores nessa época. Nós saímos e deixamos sessenta doutores na UNEB. Na época foi uma revolução tremenda. Porque o pessoal dizia que eu estava gastando muito dinheiro como pró-reitor, que estava dando, financiando muitos cursos para os professores. A pessoa pedia a bolsa, dava a bolsa de sul e fazia o doutorado dele. A universidade é isso. E aí eu me lembro que teve uma professora que assumiu a pró-reitoria de planejamento e identificou que a minha pró-reitoria estava gastando muito dinheiro com financiamento de bolsa para os professores. Mesmo assim, a gente continuou. Depois de Ivete, como reitora, fez um movimento lá e achou que devia colocar um outro pró-reitor. Eu saí da pró-reitoria da UNEB e fui dirigir o Centro de Pesquisa das Populações Afro-Indo-Americanas. E o Centro de Pesquisa do Euclides da Cunha. Trabalhava naquela região toda da seca. Funcionou aqui no Pelourinho. Fui ser diretor desse Centro de Pesquisa. O Centro de Pesquisa das Populações Afro-Americanas trabalhava somente com conteúdo ligado à questão do negro e do índio. Nós criamos um grupo da UNEB que viajou o Brasil inteiro para participar do movimento contra a AIDS. Com esse grupo, nós fizemos algumas reuniões com o Euclides da Cunha para discutir a questão daquela região, o desenvolvimento daquela região, para que se criasse um departamento no Eclides da Cunha. Depois nós saímos. Saí desse Centro de Pesquisa como diretor. Voltei à UNEB e à UFBA. Quando eu volto da UNEB e da UFBA, eu assumo uma outra posição aqui na UFBA, que era coordenar o Departamento do Setor de Técnicas e Recursos Audiovisuais daqui da faculdade com a morte de professora Sueli. Bem, nessa caminhada toda, eu consegui avançar um pouco, me aposentar daqui da faculdade, me aposentei da faculdade de Educação e fui chamado para ser secretário de Educação da cidade de Simões Filho. Na Secretaria de Educação de Simões Filho, era uma coisa assim, para mim, não era revolucionário, mas uma coisa assim, diferente, porque sair de uma situação acadêmica para ir para a situação política, onde sua voz acadêmica não é tão forte quanto a voz política, para mim, me deixou em um estado de tensão a todo momento. Visitar escolas onde o índice de vulnerabilidade criminal era grande nessa região, era uma cidade que tinha um índice altíssimo de criminalidade, onde eu entrave numa escola…
VC: Em que ano o senhor foi para a Secretaria?
NP: Em 2016, não foi?
MD: Foi, mais ou menos, em 2016. Passei lá quatro anos. Eu entrava na escola e, quando ia visitar uma escola, tinha um grupo de arma na mão. Dizia, vai para onde? Eu vou para a escola tal. Ah, é Secretário, pode ir embora. Eu passava e ia visitar a escola. A região já era assim, o pessoal andava armado e tal. Chegava na escola, os meninos diziam assim, chegou o delegado, chegou o delegado. Entendeu? Então eu passei lá quatro anos na faculdade. Criamos o curso, fiz um projeto lá na área naval, porque aquela região fica numa área beira-mar, Mapé e tudo isso que é Baía de Todos os Santos. Levei um projeto para ser implantado naquela região, um projeto de formação profissional, que eu já tinha apresentado, inclusive, na Assembleia Legislativa, esse projeto para um deputado. Ele apresentou esse projeto para o governador e o governador aprovou como indicação, não, a Câmara aprovou como indicação, mas o governador não implantou esse projeto. Porque ele não implantou no Estado, eu levei para a Prefeitura e disse, olha, eu vou levar, eu vou implantar esse projeto naquela região toda periférica. O pessoal trabalhando com marcos, fabricação naval, ótimo. Também não consegui implantar esse projeto lá. E pedi para sair. Não quero mais ficar aqui. Porque todo o esforço que estou fazendo aqui é para, inclusive, alimentar, diria, a vontade política dos vereadores, não era nem do prefeito, dos vereadores, que é quem sustentava, quem sustentava, diria, a situação do prefeito era a Câmara de Vereadores, dizia, aprovávamos ou não, dependendo do seu interesse. Bem, aí eu pedi para sair de direção. E fiquei muito ligado à Marinha do Brasil, à Base Naval de Aratu, por quê? Porque esse projeto, eu tinha colocado a proposta para ser implantado dentro da Base Naval de Aratu, onde a Base Naval de Aratu ia me oferecer todas as condições materiais para a efetuação desse projeto. Os laboratórios, as oficinas da Base. Mas não houve êxito, porque o prefeito não avançou nessa ideia. Bem.
NP: E teve alguma relação com o quilombo Rio dos Macacos?
MD: Teve, teve, teve. Eu visitei o Rio dos Macacos e a comunidade. Tanto sim, que para o prefeito, até o ano passado, o comandante, o capitão-tenente, me ligava me pedindo um favor para que eu pudesse pedir ao prefeito para colocar algumas situações que eram de responsabilidade da Prefeitura lá na Base. E o prefeito, um dia, entrou no Rio dos Macacos e o pessoal me ligou perguntando se ele podia entrar. Imagina. Se o prefeito podia entrar. Meu Deus do céu. O que ele está vendo? Porque existiu uma confusão entre a passagem da comunidade dos Rios dos Macacos pela frente daquela onde ficam os marinheiros, fica a porta do… e o lateral que deve ficar fazendo. Até o ano passado, até o ano retrasado, o capitão-tenente me ligou, dizendo vamos conversar com o pessoal da comunidade para ver se o pessoal ia entrar em acordo e tal. Porque a marinha não ia entrar em acordo nem o pessoal do Rio dos Macacos ia entrar em acordo com onde iria passar ou não. Porque ali atrás existia um tanque, um rio, que o pessoal pescava, sustentava a pesca ali. Com essa profusão toda de situações, eu como secretário, eu encerro aqui, eu encerrei ali a minha atividade enquanto secretário da Educação, enquanto político.
NP: E aí? Bom, veio a pandemia praticamente logo depois, né?
MD: Veio logo a pandemia. E hoje?
MD: Eu continuo pintando, continuo fazendo minha arte. Eu em um momento parei.
NP: Mas como professor, mais nada?
MD: Como professor, mais nada. Aposentado mesmo. Comecei a me relacionar.
NP: Dá saudade de ser professor?
MD: Muita saudade. Comecei a me relacionar com outros espaços de pessoas, outra compreensão de pessoas. Mas não deixei a atividade artística, continuei essa atividade artística. Tanto que em minha casa tem um painel de doze metros de comprimento, dá uns trinta metros quadrados. Tem um painel que eu fiz, fiz um painel lá na UNEB também, lá no salão da UNEB, dá uns oito metros quadrados. Eu jurei esse paraíso, dentro do auditório. Eu fiz fora do auditório. E continuei pintando. Como professor, não. Mas como artista clássico, sim.
NP: E quais são os planos para o futuro?
MD: Bem, agora, exatamente agora, eu continuo pintando. Eu comprei um sítio agora em Jacuípe, que é um muro de cem metros de comprimento. Eu vou fazer um trabalho de arte lá. E agora, fui convidado para fazer uma exposição, talvez na Itália, não sei se vou ainda. Estou pensando. Se der certo, irei fazer essa exposição.
NP: E nós vamos prestigiar a distância. Muito bem. Mais alguma coisa? Muito obrigado, Manoelito. Eu que peço obrigado. Desculpe se eu fui muito redundante. Não, não. Maravilhoso, maravilhoso. É tudo o que a gente quer registrar, essa história toda. Se faltar alguma coisa, você me pergunta.