A colaboração no espaço virtual: revoluções no espaço real*

Joseane Maytê Sousa Santos Sousa**

Quando Richard Stallman, motivado por uma política de resistência às leis de propriedade intelectual “recém-entrantes” no mundo dos softwares, que nem mesmo ele tinha total compreensão posto que estas ainda não haviam se consolidado, criou o manifesto GNU, em 1985, afirmava que a regra de ouro era compartilhar programas e seus códigos-fonte com outros hackers para que esses fossem melhorados e recompartilhados.

Baseado em princípios ideológicos de colaboração no mundo virtual, esse movimento de contracercamento iniciado por Stallman ganhou proporções dantes impensadas (e aqui me refiro ao movimento contrário ao Segundo Cercamento, assim nomeado por James Boyle, em que se procurava cercar os espaços intelectuais), incentivado por outros hackers, mesmo desprovidos de qualquer ideal político, como Linus Torvalds; e, em todo mundo, hackers aficionados, apaixonados pela programação colaboraram para a criação do sistema operacional GNU/Linux e de tantos outros softwares.

Hoje, anos depois, a proposta de Stallman de colaboração e solidariedade hacker dissemina-se por razões sociais e técnicas, ainda que estejamos diante de discussões e debates cada vez mais calorosos sobre propriedade intelectual, direitos autorais e copyright. Ao mesmo tempo, a produção e o uso desses softwares livres e das licenças tipo Creative Commons também se elevam, assim como a produção de todo tipo de material. Os entraves impostos pelo endurecimento das leis de direitos autorais não evitam ou diminuem a produção e a socialização do conhecimento, não protegem ideias, pois estas se espalham como vírus, e tampouco conseguem impedir a liberdade de expressão.

Essas revoluções protagonizadas por Stallman, diante da insatisfação do fechamento dos códigos-fonte, demostraram as virtudes do compartilhamento e o quanto é possível melhorar algo coletivamente; demonstraram, exatamente, o jeito hacker de ser, aquilo que Pekka Himanen explicou e chamou de Ética Hacker em seu livro de mesmo nome. Pergunta-se, então, o que todos esses movimentos que continuam a acontecer relacionados ao espaço virtual têm a ver com revoluções e possíveis modificações no mundo real? Em todo mundo, diversas ações colaborativas apontam o contágio desse espírito hacker de ser: na França, cansados de esperar pelo governo na manutenção do patrimônio, um grupo de hackers invadem o Panthéon, relógio quebrado desde os anos 60, e o consertam; a Primavera Árabe foi organizada dentro da internet, fomentada nas redes sociais, e provocou a queda de ditadores e a luz da liberdade de expressão; sem precisar ir tão longe, ciclistas ativistas, na noite de Salvador/Bahia, saem pelas ruas coletando o lixo jogado na orla e colando pelas árvores alertas de cidadania; uma estudante, na tentativa de zelar pelo espaço público, lançou, na sua rede social, a ideia de revitalizar um canteiro próximo à sua casa, o que virou em pouquíssimo tempo o projeto Canteiros Coletivos, que conta com mais de 600 colaboradores que recuperaram canteiros urbanos abandonados, promovendo diferentes usos para eles; sem contar as inúmeras manifestações sociais que se organizam nos espaços virtuais e se materializam nos espaços reais em repúdio à hipocrisia e inércia dos nossos governantes.

Lembro-me de uma citação de Gabriella Coleman em seu artigo intitulado Revoluções Silenciosas: “é a insatisfação com o estado atual das coisas – um sentimento pessimista – que aciona o desejo de mudança para um mundo melhor”.  É por isso que enxergo no manifesto de Richard Stallman muito mais do que resistência política às leis de propriedade intelectuais, enxergo a melhoria da sociedade numa reação colaborativa em cadeia. Não é utópico pensar que podemos produzir melhorias sociais desde que nossas ações sejam colaboradas, compartilhadas e melhoradas por outros indivíduos. Não é utópico pensar uma cidade hacker, uma comunidade, uma sociedade hacker. Utopia é o não-lugar, mas este lugar deixa de ser utópico se ele existe, e todas essas “manifestações hackers” provaram que sim, ele existe. Eu acredito nisso, e você?

 

**Joseane Maytê Sousa Santos Sousa
professora do SENAI-BA e
revisora textual da UEFS Editora
jms.educadora@gmail.com

*Texto publicado no jornal da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência –  9/4/2013 http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=86445

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