Deixem minha internet em paz.

Artigo de Nelson Pretto no Terra Magazine de 14.12.2012

 

Encerra-se hoje (14.12.12) em Dubai (Emirados Árabes Unidos) a Conferência Mundial sobre Telecomunicações Internacionais (WCIT) da União Internacional de Telecomunicações (UIT). A UIT é a agência especializada da ONU para as tecnologias de informação e comunicação, congrega 193 países e mais 700 representantes do setor privado, incluindo as principais empresas de telefonia do mundo. Apesar de frequentemente negado, um dos objetivos desta reunião foi a regulamentação da internet, especialmente no quesito “neutralidade da rede”.

Movimentos ativistas em todo o mundo, e aqui no Brasil de forma bastante intensa, protestam com a inclusão da internet no chamado Regulamento Internacional de Telecomunicações e defendem que aquele não é o fórum adequado para esta discussão e que deve-se garantir a liberdade da rede, sendo para tal necessária a neutralidade no tratamento dos pacotes de informação que circulam pela rede. Veja aqui manifestação do Movimento MegaNão.

A internet nasceu nos idos dos anos 60/70 do século passado, basicamente a partir de três pontos que me parecem básicos para compreensão da sua importância no mundo contemporâneo. O primeiro, não necessariamente nesta ordem, é que ela foi e continua sendo fruto de um trabalho coletivo e colaborativo, envolvendo gentes e organismos em todo o mundo. Foram nos laboratórios e garagens das universidades americanas que jovens hackers começaram a trocar códigos e, com isso, estabelecer os primórdios do que veio a ser chamado de internet. Um segundo aspecto é que, na montagem desta rede, os dados trafegavam em pacotes, em pequenas unidades de 0s e 1s, com total liberdade. E por último, e aqui para mim o mais importante, ela é essencialmente uma rede que conecta o diferente. Ou seja, não importa o sistema operacional que você esteja usando, seja Linux, Mac ou Windows; não importa se você está em um computador de mesa, notebook, tablet ou smartfone, o que ela procura é estabelecer, através de protocolos de comunicação, uma conversa entre esses equipamentos, possibilitando eles eles se falem. Para nós da educação, esse aspecto é importante do ponto de vista técnico – para o funcionamento da rede propriamente – mas, muito além, tem um enorme valor do ponto de vista filosófico pois, em um mundo onde os processos de globalização tendem a ser cada vez mais homogeneizantes, pensar em fortalecer o diferente é mais do que básico, é crucial.

Portanto, defender a neutralidade da rede é condição sine qua non para que esses princípios possam continuar valendo e, nesse sentido, esta tem sido a luta da sociedade civil brasileira na defesa da aprovação no Congresso Nacional do Marco Civil da Internet, que é uma espécie de Constituição da internet. Ele começou a ser discutido há mais de três anos, num amplo e democrático processo liderado pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Depois de consultas e debates abertos, uma proposta foi enviada ao Congresso Nacional no ano de 2009. O Projeto de Lei que tramita com o número 5.403/01 tem como relator o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), que, para elaborar o seu relatório, promoveu audiências públicas em diversas cidades brasileiras. Antes disso, o projeto ficou em consulta pública no portal e-democracia, tendo recebido mais de 12 mil acessos e 374 contribuições. Finalmente o relator apresentou o seu trabalho durante o II Fórum da Internet no Brasil, em Recife, no mês de julho passado.

Depois de todo esse processo, o lobby das empresas de telecomunicações e da indústria do entretenimento e do copyright tenta barrar a aprovação do Marco Civil, com o objetivo de incluir na lei a possibilidade de quebra da neutralidade da rede. Ao longo de todos esse processo muito se tem produzido no sentido de alertar a população sobre o risco de se transformar a internet em algo que só possibilitará acesso pleno aos conteúdos para aqueles que tem maior poder aquisitivo e podem pagar por conexões privilegiadas. (veja aqui um bom vídeo explicativo de como isso funciona: http://youtu.be/oIRnRhrpCDE)

Se você ler esse texto em um dia posterior à esta sexta feira 14 de dezembro, já estará com informações sobre quais foram as posições na UIT sobre a internet. Porém, não custa registrar o depoimento de Joana Varon, do Centro Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas/Rio, que está em Dubai, postado no site #observatório da internet.br.

Ela se pergunta: “A internet está sob ameaça frente às decisões dessa reunião da UIT?”. Sua resposta: “dado o atual estágio de indefinição do texto e o escopo que o tratado pode atingir, dependendo das terminologias adotadas, infelizmente, eu diria que: ‘Sim!’. E seja qual for a decisão final por aqui, a questão sobre qual o fórum mais apropriado para tratar da governança da rede de forma inclusiva, multissetorial e em respeito aos direitos humanos fundamentais permanece em aberto. Enquanto essa questão não for resolvida, mais ameaças virão.”

Mais ameaças virão e toda atenção é pouco! Por isso, é importante registrar outra iniciativa que é o projeto freenetfilm, que será lançado neste sábado (15/12), no Rio de Janeiro. A própria Joana Varon é uma das coordenadoras do projeto que consiste na construção de uma plataforma de produção colaborativa para a realização de um longa-metragem que trate das questões ligadas às liberdades na sociedade e na rede, numa iniciativa conjunta do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Instituto Nupef e Intervozes.

 

 

A história de internet é feita por todos nós, pesquisadores, cientistas, professores, alunos, ativistas, enfim, por toda a sociedade e, no Brasil, essa história está sendo re-construída em outra iniciativa, desta vez do Núcleo do Futuro na Universidade de Brasília (n-FUTUROS/UnB), que na verdade me parece meio parado, mas que deveria receber um gás pela sua importância, que é o +20Internet.br. No site estão registrados os principais acontecimentos nestes 20 anos de internet no Brasil. Para contribuir um pouco com essa escrita, também postei no nosso projeto RIPE (Rede de Intercâmbio de Produção Educativa) um depoimento que dei à Web TV A Tarde, com um pouco da história da construção do projeto internet na Bahia.

São, portanto, muitas histórias e muitas lutas e para isso se concretizar, mais do que tudo é urgente que deixem minha internet em paz!

 

Link direto no Terra Magazine, clique aqui.

One Response to “Deixem minha internet em paz.”

  1. Interessante e inovador este artigo pedindo para deixar a internet em paz principalmente se levarmos em consideração esse mundo globalizado.

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